Vou repetir uma verdade cantada e decantada: o Homem é um animal ritualista e simbólico. Entre todos os rituais, religiosos ou sociais, que são culturalmente criados, os de Iniciação são, a meu ver, os mais importantes. Por que? Creio que porque são rituais limítrofes, que nos obrigam à reflexão sobre a vida e a morte, e o quanto esses conceitos inseparáveis têm a ver com o sentido de nossa existência.
Mesmo no nível social, a “passagem de ano” na vida escolar, o “vestibular”, o “debutar”,o “casamento”, a “primeira comunhão”, são momentos fortes da existência humana que a sociedade valoriza tanto a ponto de criar “complexos” de emoções e comportamentos em torno deles, para que venham a ser momentos de reflexão e de marca em nossa caminhada.
São os rituais, que envolvem preparativos materiais e emocionais, que mobilizam os grupos e, finalmente, têm seu clímax (e sua morte) na comemoração coletiva. Émile Durkheim, o fundador da Sociologia, diz que os ritos são momentos de efervescência coletiva destinada a suscitar, manter ou fazer renascer certos estados mentais nos grupos, que são socialmente importantes para sua existência.
Esta observação de Durkheim remete, cedo ou tarde, a uma das questões centrais das Ciências Humanas: a relação entre o individual e o coletivo. O debate entre voluntaristas e coletivistas, e as tentativas de conciliação entre essas posições, é tão antigo quanto a filosofia. As “provas” acumulam-se em ambos os lados, nos demonstrando que a questão está longe de ser satisfatoriamente resolvida. Debate que pode ser levado até o plano metafísico da relação entre o Homem e o Universo.
Na Maçonaria simbólica, passamos por três grandes Iniciações, marcando o ingresso em cada um de seus graus. Os nomes especiais de Elevação e Exaltação acentuam o caráter evolutivo dessas Iniciações, onde se pressupõe que cada etapa é “superior” à precedente.
São interessantes esses nomes. Elevação indica que há alguém a ser elevado e, portanto, alguém que o elevará. É a passagem para o segundo grau. O nome indica alguém que ainda está sendo conduzido, embora já esteja sendo premiado seu progresso. Já Exaltação, a passagem para o grau de Mestre, indica um reconhecimento. Alguém está sendo “aclamado” por ter atingido uma posição muito especial. A Exaltação não comemora uma “condução”, mas uma “recepção”. É como dizer: parabéns, você chegou aqui.
Mas o que significa esta “independência”, esse não estar mais sendo conduzido? Que “marca” este momento de efervescência quer imprimir nesse Companheiro?
Creio que a celebração do Mestrado pretende retomar aquela velha relação entre o individual e o coletivo. O ritual não pretende uma discussão teórica e nem uma solução científica para a questão. O ritual é o meio pelo qual uma “sociedade” celebra uma solução interior, subjetiva, no nível da individuação (no sentido de tornar-se um ser pleno, não no de individualizar-se), um momento dificilmente alcançado pela maioria, que pretende celebrar um Mestre na arte de viver (e, por isso, na de morrer).
Cada vez que participo de um ritual de Exaltação, me vem à mente a imagem da árvore. Cada um de seus galhos e cada uma de suas folhas ou flores, “vivem” suas vidas “individualmente”. Umas folhas cairão, outras não. Umas secarão, outras não. Algumas flores serão polinizadas, outras não. Algumas tomarão mais chuva ou sofrerão mais o efeito dos ventos. Alguns galhos serão quebrados, outros não.
A folha que vive e a que morre aparentemente não têm nada a ver uma com a outra. Estão
“inconscientes” das existências conjuntas. Mas a árvore é o conjunto de galhos e folhas e flores.
Quando pego uma folha aparentemente isolada, digo “é uma folha de amoreira” ou “é uma folha de pessegueiro”. Assim como, quando vejo uma criança, a reconheço apenas “como filho da Joana” ou “neto do Joaquim”. Que seria da folha sem galhos e flores e raízes? Que seria do indivíduo sem família, sem bairro, sem sociedade?
Para mim, essa foi a grande lição de três mais cinco anos de trabalho na pedra. Essa foi a marca que recebi. Só se é Mestre quando não mais se sente a necessidade de alguém que nos conduza; quando as verdades não são ditadas por terceiros; quando as emoções não são recalcadas por conceitos alheios (preconceitos); quando se sabe, finalmente, “que nada se sabe” – como dizia Sócrates – e por isso se é sábio. Ah, terrível dialética!
Isso não significa, em absoluto, que não necessito mais do outro, de seu saber, de sua experiência, de seus exemplos. Ao contrário: significa que agora eu posso tornar esse saber, essa experiência e esses exemplos uma coisa minha, adequados à minha realidade, julgados por minha experiência.
Quem fala as palavras alheias, repete os comportamentos alheios e vive a procurar os caminhos alheios para seguir, só pode descobrir, ao fim de uma existência perdida, que apenas procurou ser “outro” e deixou de desenvolver o que era seu. Esse, infelizmente, não conheceu a Exaltação, seja na Maçonaria, seja no trabalho, seja na igreja, seja na vida.
In Pedra por Pedra - Francisco Cezar de Luca Pucci
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