terça-feira, 21 de julho de 2020

Τετρακτυσ: a tétrada pitagórica






Onde quer que um símbolo esteja relacionado a um número, aí há, quase sempre, uma referência a Pitágoras. O que dele sabemos vem de comentários de outros pensadores e, no que concerne às interpretações pitagóricas dos números, a influência de pensadores tardios é imensa, principalmente do médio-platonismo e do período renascentista, de modo que não há como saber se realmente as interpretações correspondiam ao verdadeiro pensamento do Mestre ou se eram apenas divagações com apenas algum fragmento de verdade.
Um dos símbolos mais marcantes é a Tetraktýs ou Tétrada, simbolizada pela disposição dos números 1, 2, 3 e 4 em um triângulo equilátero. Para os pitagóricos, a Tetraktýs era sagrada e até se jurava sobre ela. As fontes hermenêuticas são Jâmblico e Nicômaco de Gerasa.
A palavra Tétrada é uma tradução do termo grego Τετρακτυσ, cuja pronúncia é /tetraktýs/, com tônica na última sílaba e com o y tendo o mesmo som do u francês ou do ü alemão. Doravante, toda expressão escrita da pronúncia de um termo grego ou latino virá entre barras, /…/. A Tétrada, como disse, refere-se à coleção dos quatro primeiros números, 1, 2, 3 e 4. Para eles, tudo podia ser explicado a partir dela.
Para entender o porquê, é necessário compreender que esses quatro primeiros números simbolizavam princípios fundamentais norteadores da reflexão filosófica sobre o mundo. Em primeiro lugar, eles se referiam, respectiva e equivalentemente, às noções de Mônada, Binário, Ternário e Quaternário. A totalidade das coisas era simbolizada pela Década, ou seja, pelo número 10, pois a soma aritmética 1+2+3+4=10 era uma representação da totalidade abrangida pelos princípios fundamentais.
A chave para a compreensão da Tétrada, segundo opino - e entendo não ser definitiva ou consensual -, está na antiga questão platônica do Uno e do Múltiplo. Olhemos em redor. Percebemos a existência de diversos seres e vemos que estamos imersos no mundo do Múltiplo. O próprio fato de que nos percebemos como uma identidade psíquica separada dos demais seres nos faz ver que vivemos sob o império do Múltiplo. O mundo, em sua totalidade, é o reino do Múltiplo. Surge aí a questão que intrigou Platão em seu diálogo Parmênides. A leitura do Parmênides, de Platão, deveria ser acompanhada pelos comentários de Proclo. A edição de Carlos Steel dos Procli In Platonis Parmenidem Commentaria, pela Oxford University Press, é magnífica. Se o Uno é absoluto, se é infinito, se com seu pensamento abarca absolutamente a totalidade das coisas com inteligência infinita, como é que podemos intuir que a totalidade das coisas não se confunde com o Uno? Posto de outra forma, Deus é a causa primeira das coisas do mundo, mas como é que Deus e o Mundo não são o mesmo? Como é que podemos conceber a ideia de Deus ser Absoluto e, no entanto, não ser o Mundo, sem cair no panteísmo? A essa separação entre o Uno e o Múltiplo se dava o nome de diferenciação.
Antes de continuar, convém que esclareçamos o conceito de número. Para os antigos, a série dos números começava no 3. Número vem do latim numerus /númerus/, que, por sua vez, é correlacionado com o grego νόμος, /nómos/, que significa norma com caráter de lei. Seu correspondente grego é a palavra ἀριθμός, /arithmós/, que, além de significar número, também significa ordemdisposiçãoarranjo. Ela vem de ῥυθμός, /rhythmós/, isto é, ritmo, cuja raiz é a mesma do verbo ῥέιν, /rhéin/, que significa fluir. Assim, o fluxo do mundo implica o número. Portanto, o conceito pitagórico de número não é o quantitativo, não é o número do cálculo. O número é a ordem, a coerência que subjaz a relação entre um todo e suas partes. O número é processo, ritmo e fluxo, é o produto das relações entre os opostos. Oposição não tem o sentido de confronto. Vem do verbo opponēre, /opponêre/, formado pelo prefixo ob adjunto a ponere, /ponêre/, ou seja, significa “pôr diante de”. A relação que surge da oposição é definida por sua proporcionalidade intrínseca. O número é, assim, a forma dessa proporcionalidade intrínseca, é a harmonia que resulta do ajustamento dos opostos. Esse produto munido de harmonia interna é representado pelo 3. Se recordarmos que ἀριθμός, /arithmós/ significa ordem, disposição ou ajustamento, fica claro o conceito de número e porque, para os pitagóricos, o 1 não era um número. Segundo Pitágoras, o ἀριθμός /arithmós/ é a série móvel que flui da Mônada, simbolizada pelo número 1. Toda criatura finita é número e possui número. Com efeito, todo ser finito é composto e, portanto, as suas partes constituintes relacionam-se conforme proporções específicas. O único ser absolutamente simples é o Ser Supremo, a Mônada. No Uno, o entendimento é absoluto, é direto, não requer a mediação de outras verdades representadas por proposições, pois o Uno é a própria Verdade. Dessa forma, o 1 não podia ser número, pois não se caracterizava por uma relação com um terceiro. Similarmente, o 2 não podia ser número, pois embora indicasse a multiplicidade do duplo, um oposto ao outro, não subsumia a relação entre esses opostos e, por conseguinte, nada dizia da relação entre os eles.
O Múltiplo é o universo, a totalidade das coisas. Há dois princípios básicos no universo e esses princípios são separados: Espírito e Matéria.
O Espírito é simbolizado pelo número 3. Por quê? Porque 3 é símbolo da Razão. Com efeito, razão, que vem do latim ratio, /rátio/, é aquela relação entre duas coisas distintas. Na Matemática, a razão aparece quando dizemos que A está para B assim como B está para C. A relação entre A e C é mediada por B. Na Ontologia, a razão aparece quando um ente A mantém com B uma relação específica. Essa relação também pode ser expressa pela Lógica, como no silogismo, em que a premissa menor se conecta à conclusão pela premissa maior. O Eu só se percebe como unidade completa porque está imerso na multiplicidade. A percepção da multiplicidade é a percepção do Não-Eu, do que é oposto (oppositum, isto é, ob-positum, /ob-pósitum/) ao Eu, posto diante do Eu. O Eu, em sua unidade, só se dá conta da dualidade porque a diferença é sempre uma diferença relativamente a algo que está idealmente no ato gnosiológico. O Ternário é o símbolo do Espírito, que participa simultaneamente da Unidade e da Dualidade, mediante a categoria da relação, ou seja, pela Razão. Por isso é o número do Grau 1 em certas ordens inicáticas. O homem criado é ainda puro trabalho, porém, como a relação implica ratio /rátio/ ou razão, o iniciado é o homem racional na etapa inicial de sua ascensão. Jâmblico considerava o 3 o primeiro número, justamente por que ἀριθμός /arithmós/ ou numerus /númerus/ pressupõem disposição, arranjo, relação e harmonia.
O número 4 é símbolo das coisas temporais e das coisas corpóreas. Por isso, pode ser visto como um símbolo da materialidade, já que Matéria, tempo e espaço são correlacionados. A associação do 4 à Matéria pode ser decorrência histórica da associação que os antigos faziam entre o mundo material e as quatro direções cardeais. A Matéria em si mesma é caótica, não tem forma nem ordenação. Ela precisa da Vontade criadora do Espírito para obter uma forma ordenada. Assim, o Universo, entendido como o reino do Múltiplo, é representado pelos números 3 e 4, ou seja, Espírito e Matéria, os seus dois princípios básicos. Obviamente, acima desses dois princípios está Deus.
Finalmente, o Binário ou Díada. O 2 simboliza o processo de diferenciação entre o Uno e o Múltiplo. Como se dá essa diferenciação? Esse processo é incompreensível para nós. Está além de nossa capacidade racional e intuitiva. De fato, se encontrássemos uma explicação racional de como se dá a diferenciação, estaríamos usando a Razão, o 3, para explicar algo que ontologicamente a antecede. Assim, como falamos do Uno com termos tais como Absoluto, Infinito etc., isto é, dele falamos sem que verdadeiramente compreendamos o que seja a experiência do Absoluto e do Infinito, assim também falamos da diferenciação sem, contudo, poder compreender intrinsecamente o que seja. A inescapabilidade com relação à multiplicidade é uma limitação da mente finita do homem. A Mente Absoluta de Deus abrange todas as coisas em um único Pensamento. A ideia de oposição é uma necessidade da mente humana que surge exatamente da sua finitude. A dualidade como símbolo da oposição não é, assim, uma emanação do Sumo Bem, pois, se assim fosse, seria forçoso admitir um princípio oposto ao do Sumo Bem, ou seja, um princípio do mal, o que é impossível. No Uno, a Vontade não se diferencia do Ato. O lapso entre a vontade e o ato é algo da mente finita, da mente humana, não da Mente Infinita. Embora não possamos “vivenciar” essa unidade, podemos pressupô-la. Na Mônada, vontade e ação são idênticas. Assim, o construto pitagórico da Díada é um artifício da mente humana para dar uma racionalidade ao problema da Totalidade Absoluta de Deus e Sua independência relativamente ao Múltiplo. As cosmogonias e psicogonias, inclusive a própria ideia de criação do mundo, são mecanismos mentais de supressão do vácuo intelectivo inerente à questão da diferenciação. Falamos em Criação justamente como forma de suprir de intelecção aquilo que é ininteligível.
Uma curiosidade surge. Gershom Scholem é enfático ao mostrar as origens neopitagóricas e neoplatônicas da Cabala medieval. Para explicar a emanação, os cabalistas medievais da Catalunha conceberam a ideia de tzim-tzum, um pontinho no Uno do qual se inicia a emanação até se chegar a Malchut, a Matéria, a décima sephirah. Essa ideia é uma representação simbólica do processo de diferenciação entre o Uno e o Múltiplo. É evidente, porém, que são tentativas de explicação para algo que é essencialmente incompreensível. A diferenciação é incompreensível. Simplesmente não temos como responder à pergunta “Porque o universo é em vez de não ser?” Note que aí já se admite que o Uno é superior ao Ser, além do Ser, super esse, como diziam neoplatônicos com Pseudo-Dionísio Areopagita.
Se considerarmos a totalidade dos números abrangidos pela Tétrada, os números de 1 a 10, o que devemos ter em mente é que cada um deles possui uma interpretação metafísica. Para os quatro primeiros números já demos nossa interpretação. O que mais nos chama a atenção, entretanto, é a incompreensibilidade quanto ao número 7.
Em geral, os comentários sobre o número 7 se restringem a listar uma série de coisas que têm sete. Nem expoentes da Renascença como Marsilio Ficino e Pico della Mirandola escapam a essa sina irritante. Por exemplo, o 7 é dito sagrado porque simboliza os sete planetas, os sete dias da semana etc. e uma porção de outros exemplos que, na verdade, não explicam coisa alguma.
Mais uma vez, a solução está na Tétrada e na questão do Uno e do Múltiplo. Devemos ter como referência a ideia de que Deus é uno, absoluto, que não está sujeito nem à divisibilidade nem à multiplicidade. Ora, nós somos espíritos e, portanto, cada um de nós é indivisível, uno. Mas somos muitos, portanto a ideia de espírito está sujeita à multiplicidade, justamente por estarmos falando do espírito criado, não do Espírito Criador. A não-Multiplicidade do Criador refere-se ao Absoluto, à unidade absoluta, total, infinita. Nós, diferentemente, somos unidades finitas no reino do Múltiplo.
Continuemos. Todos os números pares são divisíveis. Por exemplo, o número 6 pode ser dividido em um par de Ternários, sendo que 3 é um número dentro da Década. Em outras palavras, os números pares estão sujeitos à divisibilidade, que é uma característica de imperfeição.
Resta considerar os ímpares. O números 1, 3 e 5 são indivisíveis, mas estão multiplamente dentro da Década. Por exemplo, 3 é indivisível, mas cabe três vezes dentro da Década. Assim também o 5, que cabe duplamente. Restam apenas 7 e 9. O número 9 só cabe uma vez dentro da Década e, portanto, não está sujeito à multiplicidade, mas pode ser dividido em três Ternários, estando, por conseguinte, sujeito à divisibilidade. Finalmente, o número 7 é indivisível, não estando sujeito à divisibilidade. Além disso, ele só cabe uma única vez dentro da Década e, por isso, também não está sujeito à multiplicidade.
Em outras palavras, de todos os números da Década, apenas o 7 é capaz de simbolizar a Divindade em seu caráter uno, indivisível e absoluto. Dessa forma, o 7 é símbolo do Divino em seu aspecto indivisível, infinito e absoluto. Ele é o único número dentro da Década que é não só indivisível como também não sujeito à multiplicidade e, portanto, é símbolo do Uno, pois compartilha com o Uno dessas características. É por isso que o 7 é considerado um número divino.
Vejamos algumas consequências para a prática simbólica. Em primeiro lugar, considere a Escada de Jacó, à qual são associadas as sete virtudes. Se a Escada é símbolo de ascensão espiritual, então o 7 nos diz que essa ascensão é infinita, que é divina. A Escada dos Mistérios Mitraicos tem sete metais, a Escada do sonho de Buda tem sete cores. No Apocalipse, João é chamado a escrever num livro o que estava prestes a ver e a enviá-lo às sete Igrejas. Isso quer dizer que a mensagem deveria ser universal, não às sete igrejas específicas, como a de Éfeso e outras. A ideia dos sete pecados e das sete virtudes é a forma simbólica de dizer que os pecados e virtudes são infinitos. São tantos setes! Toda vez que virmos 7 num símbolo, associemos a ele o infinito e o absoluto divinos e vejamos o que daí decorre. A similitude da plausibilidade dessa interpretação do 7 em tantos mitos e símbolos de diversas culturas apenas nos mostra algo arquetípico da mente humana. Mircea Eliade dá vários outros exemplo e eu particularmente penso ser esse arquétipo uma realidade cultural entre os povos.
Assim como o 1 simboliza o Uno e a origem de todas as coisas abrangidas pela Década e, portanto, a imanência, o 10 simboliza a transcendência. Se a formação do Microcosmo, pela ação inteligente do Espírito sobre a Matéria, se inicia no 3, entre o início e o fim, bem no meio do caminho, está o 5, símbolo do Homem completo, representado pelo Homem Vitruviano. Nessa etapa, o intelecto é sua principal característica A partir do 5 começa o caminho da transcendência rumo ao Infinito, ao 10. Aqui já tenho em mente o pensamento cabalístico medieval de natureza pitagórica. Tão longo, tão infinito e absoluto é esse caminho que a ele poderíamos associar o número 7 ou mais.
A razão da carência de interpretações satisfatórias repousa precisamente na incapacidade de introspecção simbólica a que estamos acostumados em razão da descrença implícita que temos de que a simbologia seja algo útil e fundamental para nossas vidas. Enquanto o homem apenas aceitar a reflexão simbólica superficialmente e não na profundidade de sua alma, jamais será capaz de compreender os magníficos ensinamentos dos símbolos.
A simbologia dos números, iniciada há dois milênios e meio pelos pitagóricos, continuou sua evolução ainda por vários séculos a fio até hoje. Não é uma evolução linear, obviamente. A cada etapa sofreu adaptações a diferenças culturais e aos interesses específicos dos intérpretes. Mas o que me surpreende é como o princípio geral contido na Tetraktýs perpassou todas essas idiossincrasias culturais e temporais.
Autor: Rodrigo Peñaloza
Fonte: http://opontodentrocirculo.com/2020/07/21/%cf%84%ce%b5%cf%84%cf%81%ce%b1%ce%ba%cf%84%cf%85%cf%83-a-tetrada-pitagorica/

quinta-feira, 18 de junho de 2020

QUAL É A ARTE DA ARTE REAL?

Liberdade vai buscando, que é tão querida
Como sabe quem por ela rechaça a vida.
Dante, Purgatório. I, 71-72. 
[1]
Segundo os antigos rituais e as antigas Constituições maçônicas, a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento do homem.
Os antigos mistérios clássicos não tinham outro objeto e conferiam a télétê, perfeição iniciática. Este termo técnico estava vinculado etimologicamente aos três sentidos de fim, morte e perfeição, como já observa o pitagórico Plutarco. Jesus utiliza também a palavra téleios quando exorta seus discípulos a serem “perfeitos como vosso Pai que está nos céus”, inclusive se, por uma dessas frequentes incongruências das Santas Escrituras, afirma que “ninguém é perfeito exceto meu Pai que está nos céus”.
Essa definição poderia parecer explícita e precisa; e, não obstante, uma ligeira mudança formal alterou fundamentalmente o conceito. Tomemos como exemplo o dicionário de Pianigiani que afirma que a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento da humanidade; grande quantidade de profanos, assim como numerosos maçons, aceitam essa definição. A primeira vista pode parecer que aperfeiçoamento do homem e aperfeiçoamento da humanidade significam a mesma coisa. Na realidade, se referem a dois conceitos profundamente distintos, e sua aparente sinonímia gera um equívoco e oculta uma incompreensão. Outros utilizam a expressão aperfeiçoamento dos homens, igualmente equivocada. Evidentemente, é quase impossível decretar qual é a expressão correta, porque qualquer franco-maçom pode declarar correta a que está mais de acordo com suas preferências, e ainda comprazer-se, talvez, no equívoco. Mas quando se trata de determinar, histórica e tradicionalmente, a interpretação correta e conforme com o simbolismo maçônico, a questão muda de aspecto e já não se trata de preferências particulares.
O manuscrito encontrado por Locke (1696) na Bodleian Library – e que não foi publicado até 1748 – e atribuído a Henrique VI, da Inglaterra – define a franco-maçonaria como “o conhecimento da natureza e a compreensão das forças que há nela”; enuncia expressamente a existência de um vínculo entre a Maçonaria e a Escola Itálica, pois afirma que Pitágoras, um grego, viajou para instruir-se, ao Egito, à Síria e a todos os países onde os Venezianos [leia-se os Fenícios] haviam introduzido a Maçonaria. Admitido em todas as lojas dos Maçons, adquiriu um grande saber, voltou à Magna Grécia… e fundou uma importante loja em Crotona[2].
Para dizer a verdade, o manuscrito fala de Peter Gower; e, como o nome Gower existe na Inglaterra, Locke ficou bastante perplexo ante a identificação de Gower com Pitágoras. Mas outros manuscritos e as Constituições de Anderson mencionam explicitamente Pitágoras. O manuscrito de Cooke diz que a Maçonaria é a parte principal da Geometria, e que foi Euclides, sábio e sutil inventor, quem deu as regras desta arte e a chamou de Maçonaria. Há outros traços de reminiscências pitagóricas tanto nas “Old Charges” como no mais antigo dos rituais impressos (1724)[3], que atribui uma importância particular aos números ímpares, de acordo, neste caso, com a tradição pitagórica[4].
Todos os antigos manuscritos maçônicos concordam ao assinalar o aperfeiçoamento do homem, ou do simples indivíduo, como único objetivo da franco-maçonaria. As provas iniciáticas, as viagens simbólicas, o trabalho do aprendiz e do companheiro têm um caráter manifestamente individual e não coletivo.
Segundo a mais antiga concepção maçônica, a “grande obra” do aperfeiçoamento é realizada trabalhando sobre a “pedra bruta”, ou seja, sobre o indivíduo, desbastando, polindo e esquadrinhando a pedra bruta até transformá-la em “pedra cúbica da Maestria”, graças às regras tradicionais da “Arte Real” maçônica de edificação espiritual. Existe uma perfeita analogia com uma tradição paralela, a tradição hermética, que, pelo menos desde 1600, se encontra enxertada nela e ensina que a “grande obra” é realizada trabalhando sobre a “matéria prima”, transformando-a em “pedra filosofal” segundo as regras da “Arte Real hermética”. Operação que resume a máxima de Basílio Valentino: V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae retificando Invenies Occultum Lapidem = Visita o interior da Terra, por retificação encontrarás a pedra oculta) ou a Tábua de Esmeralda, que modernos arabistas atribuem ao pitagórico Apolônio de Tiana. Pelo contrário, segundo a concepção maçônica profana e mais moderna, o trabalho de aperfeiçoamento deve ser realizado sobre a coletividade humana. É a humanidade ou a sociedade que ela há que transformar e aperfeiçoar; e, desse modo, substitui-se a ascese espiritual do indivíduo pela política coletiva. Os trabalhos maçônicos acabam por ter então uma meta e um caráter primeiramente social, às vezes unicamente social. O verdadeiro fim da franco-maçonaria – o aperfeiçoamento do indivíduo – passa a segundo plano quando não é francamente descuidado, esquecido e ignorado.
Tradicionalmente a primeira concepção é sem dúvida a correta e na literatura maçônica do século XVIII estiveram muito em moda as comparações e identificações exageradas e fantasiosas entre os mistérios de Elêusis e a franco-maçonaria. É indiscutível que o patrimônio ritual e simbólico da ordem maçônica somente se harmoniza com a concepção mais antiga da finalidade da maçonaria; efetivamente, o testamento do candidato à iniciação, as viagens simbólicas, as terríveis provas, o nascimento para a Luz iniciática, a morte e a ressurreição de Hiram, não podem ser compreendidos em sua relação com os trabalhos maçônicos e com a finalidade da franco-maçonaria caso tudo deva ser reduzido a fazer apenas política.
Historicamente, o interesse e a intervenção da franco-maçonaria nas questões políticas e sociais se manifesta apenas por volta de 1730, e unicamente em algumas regiões europeias, com a introdução da franco-maçonaria inglesa no continente. O pouco que se sabe das antigas lojas de antes do século XVII mostra a presença e o uso nos trabalhos maçônicos de um simbolismo de ofício, arquitetônico, geométrico, numérico, que, tendo por sua natureza um caráter universal, não se encontra ligado nem a uma civilização determinada nem a uma língua em particular e permanece independente de todo credo de ordem política e religiosa; é por essa razão que o maçom, de acordo com o ritual, não sabe ler nem escrever.
Com a lenda de Hiram e a construção do Templo faz sua aparição um elemento hebraico; e as palavras sagradas do aprendiz e do companheiro (as únicas graduações ou graus então existentes) que se referem a esta lenda são hebraicas. Mas esta lenda não pertence ao patrimônio tradicional da Ordem; a morte de Hiram não figura nos antigos manuscritos maçônicos, e as Constituições de Anderson ignoram o terceiro grau. De todas as maneiras, não há nada de extraordinário na presença de elementos e palavras hebraicas em uma época em que o hebreu era considerado como uma língua sagrada, a língua sagrada, aquela que Deus havia utilizado para falar ao homem no Paraíso Terrestre; trata-se de um fato cuja importância e significado não há que ser exagerado e que de nenhuma maneira é suficiente para se justificar a afirmação do caráter hebreu da franco-maçonaria. A letra G do alfabeto greco-latino, inicial de geometria e de Deus (God) em inglês, que aparece na Estrela Flamejante ou no Delta maçônico, parece ser apenas uma inovação (sem utilidade para quem não sabe ler nem escrever), enquanto que os dois símbolos fundamentais da ordem são os dois mais importantes do pitagorismo: o pentalfa ou pentagrama e a tetraktys pitagórica. A arte maçônica ou arte real, termos utilizados pelo neoplatônico Máximo de Tiro[5], era identificada com a geometria, uma das ciências do quadrivium pitagórico, e é difícil compreender como um Oswald Wirth, maçom erudito e hermetista, pode escrever que os maçons do século XVII[6] se proclamavam adeptos da Arte Real porque em outro tempo houve reis que se interessaram pela obra das privilegiadas corporações dos construtores da Idade Média. Os elementos de puro caráter maçônico constituem, junto com o simbolismo numérico e geométrico, o patrimônio simbólico e ritual arcaico e autêntico da fraternidade. Não dizemos seu patrimônio característico, porque estes elementos aparecem também, pelo menos parcialmente, no Companheirismo (compagnonnage), que de resto é muito próximo da franco-maçonaria.
Posteriormente, entre os séculos XVII e XVIII, quando as lojas inglesas começaram a receber como irmãos os accepted masons (pessoas que não exerciam a profissão de arquiteto ou o ofício de pedreiro), fazem sua aparição elementos herméticos e rosacrucianos como, por exemplo, Elias Ashmole (1617-1692), tal como assinala Gould em sua história da franco-maçonaria. O contato entre a tradição hermética e a maçônica fora da Inglaterra se produziu igualmente quase à mesma época, o que, evidentemente, implica a existência no continente de lojas maçônicas independentes da Grande Loja Inglesa. O frontispício de um texto hermético importante, editado em 1618[7], reproduz junto aos símbolos herméticos (o Rebis) os símbolos estritamente maçônicos do esquadro e do compasso; ocorre o mesmo em um opúsculo italiano de alquimia[8], impresso em lâminas de chumbo e que remonta praticamente a essa época.
Neste opúsculo se vê, entre outras coisas, Tubalcaim com um esquadro e um compasso em suas mãos. No entanto, na Bíblia, Tubalcaim é considerado como o primeiro ferreiro. Um erro de etimologia, naquela época muito praticado, e que o erudito Vossius repetiu, o identificou com Vulcano, o ferreiro dos Deuses e Deus do fogo, o qual, segundo os alquimistas e os hermetistas, presidia o fogo hermético (ou ardor espiritual), fogo que realizava a grande obra da transmutação. Em uma de nossas obras da juventude[9] demos uma interpretação errada da p∴ de p∴ Tub∴, pois ignorávamos a equivocada identificação de Vulcano com Tub∴ que era aceita pelos hermetistas e eruditos dos séculos XVII e XVIII. Hoje, nos parece evidente que esta p∴ de p∴ e algumas outras vêm do hermetismo, e que provavelmente foram introduzidas na franco-maçonaria e acrescentadas às palavras sagradas, constituindo provas do contato que havia se estabelecido entre a tradição hermética e a maçônica. As p∴ de p∴ do 2o. e 3o. graus não existem no ritual de Prichard (1730). Hermetismo e Maçonaria têm como fim a “grande obra da transmutação” e ambas as tradições transmitem o segredo de uma arte, à qual designam com o termo Arte Real já utilizado por Máximo de Tiro. É, pois, natural que tenham se sentido muito próximas uma da outra. Observemos que a adoção do simbolismo hermético não é efetuada em detrimento da universalidade maçônica nem de sua independência frente à religião e à política, pois o simbolismo hermético ou alquímico é, também, estranho, por sua natureza, a todo credo religioso ou político. A arte maçônica e a arte hermética, ou simplesmente a arte, é um arte e não uma doutrina ou uma confissão.
Até 1717 cada loja, de fato, era livre e autônoma. Os irmãos de uma oficina eram recebidos como visitantes nas demais oficinas, com a condição de satisfazer o telhamento (uma espécie de exame que permitia reconhecer que alguém era, na verdade, um irmão); mas somente o Venerável de uma oficina detinha a autoridade única e suprema entre os irmãos da mesma.
Em 1717, foi produzida uma mudança com a constituição da primeira Grande Loja, a Grande Loja de Londres, e pouco depois o pastor protestante Anderson redigia as Constituições maçônicas para as lojas sob a Obediência da Grande Loja de Londres; e, se bem que teoricamente uma oficina podia e pode conservar sua autonomia ou filiar-se à Obediência de uma grande loja[10], na prática só se consideram hoje lojas regulares aquelas que, direta ou indiretamente, são emanações ou derivações da Grande Loja de Londres, na suposição de que esta derivação, e somente ela, possa conferir a “regularidade”.
Isso posto, é muito importante observar que as Constituições de Anderson afirmam explicitamente que, para ser iniciado e pertencer à franco-maçonaria, a única condição é ser um homem livre de costumes irrepreensíveis, e exaltam (ao contrário das diversas seitas cristãs) o princípio da tolerância de cada qual pelos credos dos demais, ressalvando somente que um maçom não será nunca um “ateu estúpido”. Poder-se-ia pensar que Anderson admite que o franco-maçom pode ser um ateu inteligente, mas é mais verossímil que, como bom cristão, pensasse que um ateu é obrigatoriamente um imbecil, segundo a máxima que diz: Dixit stultus in corde suo: Non est Deus, (O estúpido diz em seu coração: Deus não existe). Aqui, seria necessário fazer uma digressão e observar que nesta disputa tanto o que afirma como o que nega não possui em geral nenhuma noção se aquilo que afirma existe ou não e que a palavra Deus é empregada habitualmente em um sentido tão vago que toda discussão é inútil. Seja como for, as Constituições da franco-maçonaria são explicitamente teístas; e os profanos, que acusam a franco-maçonaria de ateísmo, ou o fazem de má fé ou ignoram que ela trabalha para a glória do Grande Arquiteto do Universo. Observemos ainda que esta designação, que se harmoniza com o caráter do simbolismo maçônico, tem, igualmente, um sentido preciso e inteligível, ao contrário que certas designações vagas ou carentes de sentido como as “Nosso Senhor”, “Pai de todos os homens”, etc.
A qualidade de homem livre, exigida ao profano para iniciá-lo ou ao maçom para considerá-lo como irmão, é de grande interesse. Anderson não deixa de chamar de franco-maçons aos Free Masons, restando então examinar em que consiste essa freedom (liberdade) dos Free Masons. Trata-se somente da franquia econômica e social que exclui aos escravos e servos, e das franquias e privilégios que a corporação dos franc-maçons desfrutava frente aos governos dos estados e das distintas regiões onde exercia sua atividade? Ou essa denominação de maçons francos ou liberados deve ser tomada em outro sentido, referindo-se a pessoas que não são escravas dos preconceitos nem dos credos, liberdade que seria inútil trazer à luz? Se fosse assim, resultaria vão querer buscar as provas documentais e a pergunta ficaria pendente. Não obstante, pode aportar-se um esclarecimento graças a um documento de 1509 cuja existência ou cuja importância não foi, ao que parece, destacada até o presente.
Trata-se de uma carta escrita em 4 de fevereiro de 1509 a Cornelius Agrippa por seu amigo italiano, Landolfo, para recomendar-lhe um iniciado. Landolfo lhe escreve[11]:
“É alemão como tu, originário de Nuremberg, mas que vive em Lyon. Investigador curioso nos arcanos da natureza, é um homem livre, completamente independente dos demais, que deseja, por causa da reputação que já possuís, explorar também teu abismo… Lança-o, pois, para prová-lo ao espaço; e levado nas asas de Mercúrio voa das regiões do Austro às do Aquilão, toma também o cetro de Júpiter; e se nosso neófito quer jurar nossos estatutos, associa-o à nossa fraternidade.”
Tratava-se de uma associação secreta hermética criada por Agrippa, e há uma evidente analogia entre a prova do espaço que o iniciado deve enfrentar e as terríveis provas e viagens simbólicas da iniciação maçônica, inclusive quando a prova, aqui, se faz nas asas de Hermes. Hermes Psicopompo, o pai dos filósofos segundo a tradição hermética, é o guia das almas no além clássico e nos mistérios iniciáticos. Nesta carta também, se destaca a qualidade de homem livre, suficiente para abrir ao profano a porta do templo ao qual aspira; também aqui se manifesta substancialmente o princípio da liberdade de consciência e, ao seu lado, a tolerância. Ambas as tradições paralelas, hermética e maçônica, impõem idêntica condição para iniciar o profano: a de ser um homem livre, de onde se pode presumir que ela não se referia às franquias particulares das corporações de ofício, e por outro lado não faria sentido pedir isso aos accepted Masons que não eram pedreiros de profissão mas sim franco-maçons.
O caráter fundamental das Constituições de Anderson reside, pois, no princípio da liberdade de consciência e de tolerância, que permite também aos não cristãos pertencer à Ordem. Nas Constituições de Anderson a franco-maçonaria conserva seu caráter universal, não está subordinada a nenhum credo filosófico particular nem a qualquer seita religiosa, e não manifesta nenhuma inclinação por trabalhos de ordem social ou político. Pode ser que este caráter aconfessional e livre tenha inspirado igualmente à Maçonaria anterior a 1717 e que Anderson apenas o retificou nas Constituições.
Ao ser implantada na América e no continente europeu, a franco-maçonaria conservou em geral seu caráter universal de tolerância religiosa e filosófica e permaneceu à parte de todo movimento político e social, inclusive acentuando às vezes, como na Alemanha, seu interesse pelo hermetismo. Ao redor de 1740, começaram a multiplicar-se os novos ritos e os altos graus, mas conservando cuidadosamente os rituais e o rito dos três primeiros graus, os da verdadeira franco-maçonaria, chamada igualmente Maçonaria simbólica ou azul.
Os rituais destes altos graus são por vezes um desenvolvimento da lenda de Hiram, ou se relacionam com os rosa-cruzes, o hermetismo, os templários, o gnosticismo, os cátaros…, e já não têm um autêntico caráter maçônico. Do ponto de vista da iniciação maçônica, são absolutamente supérfluos. A franco-maçonaria está completa nos três primeiros graus, reconhecidos por todos os ritos, e nos quais se baseiam os altos graus e as lojas superiores dos diferentes ritos. O companheiro franco-maçom, uma vez que tenha chegado a mestre, acabou simbolicamente sua grande obra. Os altos graus só poderiam ter uma função verdadeiramente maçônica se contribuíssem para uma interpretação correta da tradição maçônica e para uma compreensão e aplicação mais inteligente do rito, ou seja, da arte real.
Isto não significa que se tenha que abolir os altos graus, já que os irmãos que foram agraciados com eles são livres, e que quem gosta de reunir-se em ritos e corpos para efetuar trabalhos que não se opõem às obras maçônicas devem ter a liberdade de fazê-lo. Não obstante, do ponto de vista estritamente maçônico, sua pertinência a outros ritos e a outras lojas superiores não os põe acima dos mestres que querem apenas efetuar o trabalho da Maçonaria universal dos três primeiros graus. Além disso, é evidente que ritos distintos como o de Swedenborg, os Escoceses, os da Estrita Observância, de Memphis…, ao serem diferentes, já não são universais, ou o são apenas na medida em que se baseiam sobre os três primeiros graus. Esquecer ou tentar desnaturalizar o caráter universal, livre e tolerante da franco-maçonaria, para impor aos irmãos das lojas pontos de vista ou objetivos particulares, seria ir contra o espírito da tradição maçônica e contra os termos das Constituições da Fraternidade.
É na França onde aparece a primeira alteração, ao mesmo tempo em que afloram os altos graus. A efervescência das ideias nessa época, o movimento da Enciclopédia, repercutem na franco-maçonaria que se difunde ampla e rapidamente. E, pela primeira vez, o interesse da ordem se dirige para as questões políticas e sociais e nelas se concentra. Afirmar que a Revolução Francesa seja obra da franco-maçonaria nos parece pelo menos exagerado. Por outro lado, é inegável que a franco-maçonaria sofreu na França – e seria difícil que isso não tivesse ocorrido – a influência do grande movimento profano que levou à revolução e culminou no império. A franco-maçonaria francesa tornou-se então e seguiu sendo desde esse momento, uma Maçonaria comprometida e interessada nas questões políticas e sociais. Alguns quiseram considerá-la como “tradicional” quando no máximo representa a tradição maçônica francesa, bem distinta da antiga tradição. Este desvio e este compromisso é a causa principal, se não a única, da oposição que seguidamente nasceu entre a Maçonaria anglo-saxônica e a francesa; na Itália, criou as divergências destes últimos cinquenta anos, que tiveram como consequência sua desunião e a debilitação ante os ataques e a perseguição dos jesuítas e os fascistas. Seja como for, inclusive os irmãos que seguem a tradição maçônica francesa não esqueceram o princípio de tolerância, e nas lojas maçônicas italianas, muito antes da perseguição fascista, havia irmãos de todas as crenças religiosas e de todos os partidos políticos, inclusive católicos e monárquicos.
Há que se recordar também, que no período que antecedeu à Revolução Francesa, nem todos os maçons esqueceram a verdadeira natureza da franco-maçonaria, mesmo quando ficaram desorientados pela plêiade de ritos diversos e opostos. No Convento dos Philalèthes reuniram-se maçons de todos os ritos, animados todos eles pelo mesmo desejo de restabelecer a unidade. Só Cagliostro, que havia fundado o rito da Maçonaria Egípcia, que unicamente constava de três graus e era exclusivamente dedicado à obra de edificação espiritual, se negou a comparecer a este Convento por razões que seriam muito extensas para explicar.
A influência maçônica francesa ocorreu também na Itália, depois da Revolução e durante o império. Ainda hoje, a presença de certos termos técnicos nos “trabalhos” maçônicos, como o “malhete” do Venerável (traduzido, no italiano, literalmente, por “maglietto”) assim como outros termos (louveton, tradução fonético-semântica de Lufton, filho de Gabaon, nome genérico do maçom segundo os primeiros rituais ingleses e franceses) são prova de isso. A franco-maçonaria francesa e a italiana mantiveram estreitas relações durante todo o último século, e por vezes uma atitude revolucionária, republicana, mas também materialista e positivista que seguia a moda filosófica da época. Não obstante, não se pode dizer que a franco-maçonaria italiana se converteu numa franco-maçonaria materialista, pois ainda que tenha sido tolerante diante de todas as opiniões, nem por isso deixou de venerar, e muito particularmente, um grande espírito como Giuseppe Mazzini e grandes franco-maçons como Garibaldi, Bovio, Carducci, Filopanti, Pascoli, Domizio Torrigiani e Giovanni Amendola, todos idealistas e espiritualistas[12]. Foi a selvageria furiosa e o vandalismo dos incultos fascistas que devastou os nossos templos, as nossas bibliotecas e quebrou os bustos de Mazzini e Garibaldi que decoravam as nossas sedes.
Por outro lado, há de se reconhecer que se a franco-maçonaria inglesa conservou sempre um caráter espiritualista e nunca lhe ocorreu negar a existência do Grande Arquiteto do Universo, frequentemente esteve tentada, e ainda está, a conferir um certo tom cristão ao seu espiritualismo, afastando-se dessa forma do espírito de imparcialidade absoluta e não confessional das Constituições de Anderson. Não se pode negar que o fato de obrigar a prestar juramento sobre o Evangelho de São João não é uma prova de tolerância perante profanos e irmãos agnósticos ou pagãos, judeus ou livre pensadores, que não têm uma especial simpatia pelo Evangelho de São João e ignoram tudo da tradição joanista. A intolerância acentua-se com o mau costume de impingir a leitura e o comentário dos versículos do Evangelho durante os trabalhos da Loja. Se este hábito criticável adquirir importância, terminará por reduzir os trabalhos da Loja a um simples serviço religioso corriqueiro ou puritano, uma espécie de “rosário” ou de “vésperas” fastidiosas, inúteis e insuportáveis para a livre consciência de tantos irmãos que, na Inglaterra e na América, não vão à missa, não aceitam a infalibilidade do papa, nem tampouco a autoridade da Bíblia. É necessário criar mal-estar e irritação nas nossas colunas sem uma contrapartida apreciável? Pode acreditar-se que, por esses meios, se converterá os outros às próprias crenças e que dessa forma se conterá o agnosticismo inglês e americano?
Estas considerações exortam a conservar o caráter universal da franco-maçonaria acima dos credos religiosos e filosóficos e dos compromissos políticos. Isto não significa que se deva ignorar a política. Com efeito, devemos nos proteger dela. A intolerância não pode tirar o espaço da tolerância e a tolerância pode tolerar tudo exceto a intolerância deliberadamente hostil. Desde o momento em que apareceram as Constituições de Anderson com o seu princípio de liberdade e de tolerância, a Igreja católica excomungou a franco-maçonaria, culpável precisamente de tolerância; e o encarniçamento contra a franco-maçonaria nunca seria desmentido. Na Itália, a perseguição à franco-maçonaria durante estes últimos vinte anos foi iniciada e mantida pelos jesuítas e pelos nacionalistas[13]; enquanto os fascistas, para ganharem a simpatia destes senhores, não vacilaram em provocar a aversão do mundo civilizado, no que diz respeito à Itália, com o seu vandalismo contra a franco-maçonaria. Os jesuítas perderam esta guerra, mas a lepra da intolerância propaga-se sempre, reveste-se de novas formas e é necessário que nos protejamos dela. Por outro lado, chegou a hora, se não nos enganamos, de difundir a franco-maçonaria por toda a Terra e estabelecer uma fraternidade entre os homens de todas as raças, civilizações e religiões. Para levar a bom termo esta tarefa é necessário que a franco-maçonaria não assuma uma fisionomia e um tom pertencente a uma minoria perante a qual as grandes civilizações orientais, China, Índia, Japão, Malásia, o mundo do Islã, têm se mostrado refratárias. Isso é possível desde que a franco-maçonaria não se circunscreva a uma crença qualquer e permaneça fiel ao seu patrimônio espiritual, que não consiste nem de uma fé codificada, um credo religioso ou filosófico, um conjunto de postulados ou de preconceitos ideológicos e moralistas, nem de uma bagagem doutrinal considerada detentora e portadora da verdade, à qual os não crentes devam ser convertidos. Há que se pensar que, ainda que a verdadeira religião e a verdadeira filosofia existam, é uma ilusão crer que se pode conquistá-las ou comunicá-las mediante uma conversão, uma confissão ou o recitar de certas fórmulas, porque cada qual entende as palavras destes credos e fórmulas à sua maneira, de acordo com a sua civilização e a sua inteligência; e no fundo, não são, como dizia Hamlet, mais que “words, words, words[14].
Enquanto não se reflete sobre isto, tem-se a ilusão de que essas palavras são compreendidas de igual maneira; tão rápido como se começa a raciocinar, surgem seitas e heresias, cada uma convencida de que detém a verdade. A sabedoria não pode ser compreendida racionalmente, nem expressada, nem comunicada. É uma visão, uma vidya, essencial e necessariamente indeterminada, incerta. E quando os olhos se abrem à luz com o nascimento na nova vida, aproximamo-nos dessa visão. A arte maçônica ou arte real é a arte de trabalhar a pedra bruta para tornar possível a transmutação humana e a percepção gradual da luz iniciática. O que não significa, naturalmente, que a franco-maçonaria tenha o monopólio da arte real.
No decurso dos dois últimos séculos a maior parte dos inimigos da franco-maçonaria recorreram sistemática e unicamente à injúria e à calúnia, apoiando-se em sentimentos moralistas e patrióticos. Afirmaram, assim, que os trabalhos maçônicos consistiam de orgias abomináveis, e com isso se tem manipulado os rituais, se tem desvelado as cerimônias maçônicas expondo-as ao ridículo, se tem acusado os maçons de trair a sua pátria pelo caráter internacional da Ordem, se tem afirmado que a franco-maçonaria é apenas o instrumento dos judeus, sempre para enganar e levantar os crentes e o público em geral contra a “Sociedade Secreta”. Os franco-maçons, naturalmente, sabiam muito bem que se tratava apenas de calúnias. E, como nada conseguia convencê-los, pensou-se em suprimi-los ou em retirar-lhes a possibilidade de se reunirem para trabalhar ou de responder e defender-se. Recentemente, um escritor católico[15] publicou um estudo histórico sobre “Tradição Secreta”, conduzido com competência e habilidade. As habituais e costumeiras calúnias, destinadas a impressionar os profanos, foram habilmente substituídas nele por uma crítica insidiosa, destinada a impressionar o leitor culto e o espírito dos nossos irmãos.
Esta crítica afirma que, no fundo, a tradição secreta não contém senão o vazio absoluto (pág. 139) e conclui afirmando que “na Escola Iniciática ou por meio dela a Tradição Secreta não tem ensinado absolutamente nada à humanidade” (pág.155). Não se compreende muito bem então como se pode afirmar igualmente que este vazio absoluto, “esta tradição secreta coincide (pág. 141), ainda que frequentemente de uma forma corrompida, com as doutrinas gnósticas. Mas não pretendamos demasiado. A franco-maçonaria é, pois, segundo o autor, uma esfinge sem segredo, dado que não ensina nenhuma doutrina. Desse modo o leitor se vê levado a concluir que, ao estar desprovida de conteúdo, a Maçonaria não tem nenhum valor.
Nas linhas precedentes mostramos que a franco-maçonaria não ensina nenhuma doutrina e nem deve ensiná-la, destacando que esta atitude é um de seus méritos. Isso posto, para chegar a concluir que a Tradição Secreta contém o vazio ao não conter uma doutrina, deve-se crer que somente uma doutrina pode ocupar o vazio. Na página 153, o autor afirma ainda: “o sistema iniciático supõe que o homem possa chegar a compreender, por um esforço da inteligência, os problemas inexplicados do cosmos e do além”. Na página 152 escreve: “a Igreja católica opõe às vãs elucubrações dos que se autodenominam iniciados, a força intangível de seu dogma que deve ser único porque não podem existir duas verdades” e que o sistema iniciático é incompatível com o cristianismo. A estas afirmações respondemos que ignoramos a existência de um sistema iniciático, que não conhecemos iniciados que façam suposições, e ainda menos que criem ilusões sobre a possibilidade de resolver por meio de sua inteligência ou de elucubrações os problemas inexplicados. Mas nos é impossível admitir que a fé em um dogma possa constituir um conhecimento, pois saber não é crer. De fato compreendemos que a verdade é necessariamente inefável e indizível. Deixamos aos profanos a consoladora e ingênua ilusão de crer que é possível formular de alguma maneira esta verdade e este conhecimento em credos, fórmulas, doutrinas, sistemas e teorias. Além disso, até Jesus sabia que suas parábolas eram apenas parábolas. Mas dizia também a seus discípulos que a eles “lhes era dado entender o mistério do reino dos céus”. Evidentemente só fides sufficit ad firmandum cor sincerum[16], mas non sufficit[17] para entender os mistérios. O que é igualmente válido para o simples raciocínio. Com isso não queremos diminuir de nenhuma maneira o valor da fé e do raciocínio. A fé isoladamente conduz ao desespero filosófico. E ambos são um pouco como o tabaco e o café: dois venenos que se compensam, mas certamente não basta fumar cachimbo e degustar um café para alcançar-se o conhecimento. Ao conhecimento multi vocati sunt[18], mas não todos e, entre estes muitos, pauci electi sunt[19]. Segundo a Igreja Católica, pelo contrário, é suficiente ter fé no Dogma, e o conhecimento e o paraíso estão ao alcance de todos os bolsos a preços realmente insuperáveis.
Resumindo: não existe uma doutrina maçônica secreta[20]; mas existe uma arte secreta, chamada Arte Real ou mais simplesmente Arte. É a arte da edificação espiritual à qual corresponde a arquitetura sagrada. Os instrumentos maçônicos têm, pois, um sentido figurado na obra da transmutação, e ao segredo da Arte Real corresponde o segredo arquitetônico dos construtores das grandes catedrais medievais. É natural que os franco-maçons venerem o Grande Arquiteto do Universo, mesmo que não se defina o que se deve entender por esta fórmula.
Na arquitetura antiga, especialmente na arquitetura sagrada, as questões de relação e proporção tinham uma importância capital. A arquitetura clássica estabelecia a proporção das diferentes partes de um edifício, e em particular dos templos, baseando-se em um módulo secreto ao qual alude Vitrúvio. Existe toda uma literatura referente à arquitetura egípcia e sobretudo à pirâmide de Quéops, que ilustra seu caráter matemático. E, inclusive, procedendo com a maior circunspeção, é certo, por exemplo, que esta pirâmide se encontra exatamente a 30o de latitude para formar com o centro da Terra e o Polo Norte um triângulo equilátero. É certo que está perfeitamente orientada e que a face voltada para o setentrião é exatamente perpendicular ao eixo de rotação terrestre, em função da posição que este tinha na época de sua construção. Quanto aos construtores da Idade Média, não eram guiados somente por alguns critérios estéticos. Preocupavam-se com a orientação da igreja, com o número de naves, etc. A arte dos construtores estava relacionada à ciência da geometria. O esquadro e o compasso são os dois símbolos de ofício fundamentais na arte maçônica; e a régua e o compasso os dois instrumentos fundamentais na geometria elementar. A Bíblia afirma que Deus fez omnia in numero, pondere et mensura[21]. Os pitagóricos criaram a palavra cosmos para indicar a beleza do universo no qual reconheciam uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma proporção. E entre as quatro ciências liberais do quadrivium pitagórico, a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, a primeira estava na base de todas as demais. Dante comparava o céu do Sol com a aritmética porque “como da luz do Sol todas as estrelas se iluminam, assim da luz da aritmética se iluminam todas as ciências” e da mesma forma “que o olho não pode olhar ao sol, assim o olho do intelecto não pode olhar o número que é infinito”[22].
Sem entrar na crítica desta passagem, não deixa de ficar estabelecida a posição que a Aritmética ocupa segundo Dante. Por outro lado, tanto a Bíblia como a arquitetura aconselhavam considerar os números. Hoje em dia, ainda que se negue a reconhecer no cosmos uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma lei, e aceitando apenas o determinismo limitado pela lei das probabilidades, a física moderna continua considerando os números e as relações numéricas. De fato, não ficam senão eles, e tanto Einstein como Bertrand Russell constataram e reconheceram que a ciência moderna retornava ao pitagorismo.
Assim, pois, não há nada de surpreendente no fato de que os franco-maçons tenham identificado a arte arquitetônica com a geometria e tenham dado ao conhecimento dos números uma importância tal que ela (geometria) justifica sua tradicional pretensão de serem os únicos a conhecer os “números sagrados”.
Mas ainda temos de fazer algumas observações. A geometria, em seu aspecto métrico, ou seja, nas medidas, exige o conhecimento da aritmética. Isso posto, antigamente a acepção da palavra geometria era menos específica que hoje, e geometria significava genericamente toda a matemática. Assim a identificação da Arte Real com a geometria, tradicional na franco-maçonaria, não se refere à geometria tomada em seu sentido moderno, mas também à aritmética. Além disso, devemos observar que a relação entre geometria, Arte Real da arquitetura e edificação espiritual é a mesma que inspira a máxima platônica: “Que ninguém entre aqui se não é geômetra”. Máxima cuja atribuição é algo duvidosa, pois apenas é mencionada por um comentarista bastante tardio. Mas em obras que indiscutivelmente são de Platão podemos ler:
“…a geometria é um método para dirigir a alma para o ser eterno, uma escola preparatória para um espírito científico, capaz de voltar as atividades da alma para as coisas supra-humanas”, […] “inclusive é impossível chegar a uma verdadeira fé em Deus caso não se conheça a matemática, a astronomia e a íntima união desta última com a música.”[23]
Estas concepções e atitudes de Platão devem ser as da Escola Itálica ou pitagórica, que exerceu sobre ele uma grande influência, o que permite dizer quando se quer sustentar que a Maçonaria se inspirou em Platão que, em última análise, se volta sempre à geometria e à aritmética dos pitagóricos. O vínculo entre a franco-maçonaria e a ordem pitagórica, sem que se trate de uma derivação histórica ininterrupta, mas somente de uma filiação espiritual, é seguro e manifesto. O arcipreste Domenico Angherà no prefácio que escreveu para a reedição dos Estatutos Gerais da Sociedade dos Franco-maçons do Rito Escocês Antigo e Aceito (1874), que já haviam sido publicados em Nápoles em 1820, afirma categoricamente que a ordem Maçônica é idêntica à ordem pitagórica. Mas , mesmo sem ir tão longe, a afinidade entre ambas as ordens é certa. A arte geométrica da franco-maçonaria, em particular, provém direta ou indiretamente da geometria e da aritmética pitagóricas. E não é anterior, porque os pitagóricos foram os criadores destas ciências liberais, segundo o que se pode deduzir historicamente e a partir dos testemunhos de Proclo.
Aparte de algumas propriedades geométricas atribuídas, sem dúvida equivocadamente, a Tales, a geometria – diz Paul Tanery – brotou completa do cérebro de Pitágoras da mesma forma que Minerva saltou inteiramente armada do cérebro de Júpiter. E os Pitagóricos foram os primeiros a estudar a aritmética e os números.”
Para estudar as propriedades dos números sagrados dos franco-maçons e sua função na franco-maçonaria, a via que se oferece por ela mesma é, pois, a do estudo da antiga aritmética pitagórica. E o estudá-la tanto do ponto de vista aritmético ordinário como do ponto de vista da aritmética simbólica ou formal, como a chama Pico da Mirandola, correspondente à tarefa filosófica e espiritual que Platão atribui à geometria. Ambos os sentidos se encontram estreitamente ligados no desenvolvimento da aritmética pitagórica. A compreensão dos números pitagóricos facilitará a dos números sagrados da Maçonaria.
Autor: Arturo Reghini
Tradução: S.K.Jerez
Fonte: BIBLIOT3CA
Arturo Reghini (1878-1946), matemático e filólogo, ocupou um alto cargo na Maçonaria italiana (Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, e membro honorário de Supremos Conselhos de outros países). Manteve correspondência com René Guénon, fundou e dirigiu as revistas Atanor – onde este último publicou em primeira versão o Esoterismo de Dante e o Rei do Mundo – e Ignis (1924-25) e contribuiu com a Ur (1927-28); escreveu numerosos artigos, e foi também chefe de redação daRassegna Massonica. Entre suas obras, Cagliostro, documents et études; Notes brèves sur le Cosmopolite; Considérations sur le Rituel de l’Apprenti Franc-Maçon; les Mots sacrés et de passe des trois premiers grades et le plus grand mystère maçonique; Aritmosofia; les Nomes Sacrés dans la Tradition Pythagoriciene Maçonique, todos editados hoje por Archè, Milano, e uma obra inédita em sete tomos: Dei Numeri Pitagorici.
NOTAS
[1] – Libertà va cercando ch’è si cara Come sa chi per lei vita rifiuta. (Dante, Purgatorio. I, 71-72.)
[2] – Hutchinson, Spirit of Masonry; Preston, Illustrations of Masonry; G. De Castro, Mondo segreto, IV, 91; A. Reghini, Noterelle iniziatiche, Sull’origine del simbolismo, en Rassegna Massonica, junio-julio 1923.
 [3]The Grand Mystery of Freemasons discovered wherein are the several questions put to them at their Meetings and installation, Londres 1724.
[4] – Virgilio, Bucólicas, Égloga VIII
[5] – Máximo de Tiro, Discours philosophiques, tradução Formey, Leyden, 1764: Discurso XI, pág. 173.
[6] – Cf. Oswald Wirth, Le Livre du Maître, 1923, pág. 7.
[7] – Johannes Daniel Mylius, Basilica Philosophica, Francfort, 1618.
[8] – Cf. Pietro Negri [= A. Reghini], Un codice plumbeo alchemico italiano, en UR, números 9 e 10, 1927
[9] – Cf. A. Reghini, Le parole sacre e di passo ed il massimo mistero massonico, Todi 1922.
[10] – O. Wirth expressa categoricamente esta opinião, cf. Le Livre du Maître, pág. 189.
[11] – Cornelius Agrippa, Cartas. Cf. também a monografía de A. Reghini, prefacio da versão italiana da Filosofía Oculta de Agrippa
[12] -Giuseppe Mazzini (1805-1872), fundador da “Jovem Itália” (sociedade secreta que trabalhava para o estabelecimento da república na Itália). Giuseppe Garibaldi (1807-1882), patriota italiano que luchó para libertar a Itália do domínio austríaco, dos Bourbons (reino das Duas Sicílias) e, finalmente, do papado. Giovanni Bovio  (1841-1903) filósofo e político radical de esquerda. Giosue Carducci (1835-1907) poeta. Quirico Filopanti (1812- 1894) patriota e universitário. Giovanni Pascoli (1855-1912) poeta. Domizio Torrigiani (1879-1932). Giovanni Amendola (1882-1926) político, filósofo, fundador do Movimento União Democrática Nacional.
[13] – Cf. os artigos de Emilio Bodrero em Civiltà cattolica, orgão da Companhia de Jesus, e em Roma Fascista, periódico; cf. também Ignis yRassegna Massonica, ano de 1925.
[14] – palavras, palavras, palavras (N.T.)
[15] – Cf. Raffaele Del Castillo, La tradizione segreta, Milão 1941
[16] – a fé é sincera o suficiente para compreender (N.T.)
[17] – não suficiente (N.T.)
[18] – muitos são chamados (N.T.)
[19] – poucos foram escolhidos (N.T.)
[20] – O. Wirth já havia dito a mesma coisa em 1941: “Como o método iniciático se nega a inculcar o que quer que seja, apenas é admissível que se tenha ensinado uma doutrina positiva no seio dos Mistérios”, no Livre du Maître, pág. 119. Del Castillo sustenta, ao contrário – e sem nenhuma prova – que a Maçonaria pretendeu ensinar uma doutrina secreta, e constata que não se encontra traço desta doutrina positiva. Ao invés de reconhecer que seu ponto de vista não é defensável, acusa a Maçonaria de ser redundante e incapaz. O vos qui cum Jesu itis, non ite cum Jesuitis.
[21] – Todas as coisas em número, peso e medida (N.T.)
[22] – “come del lume del Sole tutte le stelle si alluminano, così del lume dell’aritmetica tutte le scienze si alluminano […] che l’occhio dell’intelletto non può mirare […] il numero […] è infinito”. Dante, O Banquete, II, XIII, 15 e 19.
[23] – Gino Loria, Le scienze esatte nell’antica Grecia, 2ª edição, Milão 1914, pág. 110.

Fonte: https://opontodentrocirculo.com/2015/08/27/qual-e-a-arte-da-arte-real/


segunda-feira, 28 de outubro de 2019

VIRTUDES CARDEAIS

Penso que, como simples amostra, podem-nos ajudar algumas pinceladas sobre as quatro virtudes cardeais. Serão rápidas, impressionistas, e mostrarão apenas umas poucas moedas do tesouro riquíssimo que guarda cada uma delas.
Prudência – Como ajuda e enche de segurança ter um pai que seja alegre, sensato e reflexivo! Que não improvise. Que não dê decepções a toda a hora, mudando de planos sem mais nem menos. Que não dê sustos por ter-se esquecido de controlar as contas bancárias, ou os prazos disto ou daquilo; que não precise ouvir aquelas palavras do Paraíso de Dante: Siate, cristiani, a muovervi più gravi: non siate come pena ad ogni vento… (“Caminhai, cristão, com mais ponderação: não sejais qual pena movida por qualquer vento…”).
Justiça – Como faz bem aos filhos ter um pai e uma mãe que cumprem o que prometem! Que não se desdizem, porque ficou mais difícil aquele passeio com os filhos e estão cansados e são comodistas. Que não tratam os filhos como números, com ordens genéricas, iguais para todos, como se o lar fosse um quartel, mas, como pede a justiça, tratam desigualmente os filhos desiguais (logicamente, não por mimo ou preferências injustas). Que, se fazem uma repreensão justa e prometem um pequeno ou médio castigo (castigo grande quase nunca se justifica), não amolecem, mas cumprem, sem deixar de cercar o filho punido da certeza de que é muito amado e só se quer o seu bem.
E fazem bem aos filhos outras “justiças” menores do cotidiano. Por exemplo, saber que os pais não se aproveitam nunca de um troco errado (devolvem ao caixa a diferença), nem dão jeitos para enganar e deixar de pagar uma entrada, que qualquer pessoa honesta paga.
Fortaleza – Bastaria lembrarmo-nos da mãe que admirávamos há pouco. Mas é também um exemplo maravilhoso viver num clima familiar em que não se ouvem queixas nem reclamações. Em que ninguém se julga mártir ou vítima. Em que o pai, exausto, é capaz de ficar brincando com os filhos, interessando-se pelas suas pequenas problemáticas ou pelos seus sonhos e alegrias, e tudo isso sabendo oferecer a todos um sorriso afável, no meio da pena ou do esgotamento. Pais que sempre projetam a bela luz da paciência e da constância.
Temperança – Que grande exemplo dão os pais que nunca são vistos, nem dentro nem fora de casa, nem nos dias de trabalho nem aos domingos, e feriados, abusando da comida e da bebida! Que não se iludem, achando que vão enganar os filhos dizendo-lhes que se trata só de um “aperitivo” ou uma “cervejinha” de que precisam muito porque andam fatigados e faz bem para a saúde, quando os filhos os veem claramente “altos”, com a voz gosmenta e as pernas bambeando por excesso de álcool. Pelo contrário, como toca o coração ver uma mão que habitualmente “gosta” do pedaço de carne que tem mais nervos e gorduras, ou ver o pai que “gosta” do cinema que a mãe adora…, mesmo em dias em que joga o seu time.
E a temperança na TV e na Internet? Acham que os filhos são tolos? Em matéria de informática, quase sempre dão um solene “chapéu” nos pais, e descobrem muito facilmente – pois ainda não aprenderam a viver a virtude da discrição e a controlar a curiosidade – a quantidade de sites inconvenientes que o pai visitou, como se fosse um adolescente com obsessão sexual neurótica.
E em matéria de humildade, que São Tomás de Aquino situa no âmbito da temperança? Como se nota a falta de humildade e como faz mal! Por isso, é tão formativo que os filhos percebam que os pais não se deixam arrastar por mesquinharias de susceptibilidade, por mágoas persistentes, por rancores e incapacidade de perdoar. Que nunca vejam os pais virando o rosto para ninguém, nem dominados por espírito de revide e vingança, nem com raiva do cunhado que fez isso ou da tia que fez aquilo…
Virtudes humanas! São tantas as que os pais deveriam cultivar, como uma lâmpada que brilha em lugar escuro… (1Pe 1, 19)! Cultivar virtudes e ensiná-las aos filhos, com a autoridade moral que dá o exemplo, é um empreendimento árduo, mas é decisivo, e, por isso, deve ser enfrentado pelos pais (tendo uma intensa vida interior, muita formação cristã, exame de consciência todas as noites, direção espiritual, etc.), e, com a graça de Deus, deve ser levado a termo. Oxalá os filhos, quando crescerem, possam dizer que nunca se apagou deles a imagem do pai, a imagem da mãe, e que até à velhice o pai e a mãe continuaram a iluminar lhes a vida.
Fonte: https://cleofas.com.br/breve-reflexao-sobre-as-virtudes-cardeais/


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

BONS VENTOS DO SUL

Da Coluna do Sul, as impressões de um Companheiro Maçom

Iniciado em março de 2017, estive na Coluna do Norte até fevereiro de 2019 quando para a Coluna do Sul fui elevado. Daqui posso observar minha antiga coluna, os meus Irmãos Aprendizes, que representam na Maçonaria as crianças do mundo profano. Uns mais ativos e atuantes, outros mais observadores; mas todos com potencial.
Ombreados comigo, meus gêmeos companheiros, somos na Maçonaria os adolescentes, e caminhamos para alcançarmos, no tempo do GADU, a maturidade maçônica. Como um adolescente do mundo profano, aqui na Coluna do Sul me deparo com muitas dúvidas e contradições. Não sou mais a criança da Coluna do Norte, e ainda não sou o adulto do Oriente.
Do alto da Coluna do Sul tenho uma visão melhor de toda a Loja, observo os Irmãos de uma maneira mais ampla, e de um ângulo diferente do que quando estava na Coluna do Norte. Assim posso ver que há, como nas famílias profanas, Irmãos diferentes uns dos outros. E sobre ter visão de ângulos diferentes ainda vou falar mais à frente.
Como um adolescente profano, um companheiro maçom é mais observador, é mais crítico e nesse processo de amadurecimento deve ser questionador, na acepção correta da palavra. Nessa miscelânea observo muito a mim mesmo. É importantíssimo praticar a autocrítica.
Que maçom eu sou? Como os outros Irmãos me enxergam? É importante ter um feedback, todo marinheiro sabe da importância de uma bússola para correção das velas e dos rumos durante a navegação até um porto seguro.
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Tenho plena consciência de que em algum momento de minha caminhada na DFP, fui um pouco de cada tipo de maçom: tenho consciência que fui em determinados momentos o Irmão Cigarra, aquele que canta bonito, faz lindos discursos, faz muito barulho, mas trabalha muito pouco; eu fui o Irmão Clima de São Paulo, instável e inconstante na Loja; eu fui o Irmão Quiabo, escorreguei dos serviços em Loja e fora dela; fui o Irmão Canoa, só segui em frente com outro Irmão remando por mim; fui o Irmão Trailler, precisei ser puxado em alguns momentos; fui o Irmão Girafa, estive com o corpo aqui na Loja e a cabeça lá fora; fui o Irmão Bolo, só apareci nas festas; e fui o Irmão Saraiva: a tolerância foi Zero!
Mas, felizmente meus Irmãos, em outros momentos de minha caminhada na DPF fui um pouco também dos Irmãos Espelhos, os exemplos que temos aqui, e que com as bençãos do GADU são muitos. Irmãos Livres e de bons costumes, estudiosos, constantes no trabalho e nas visitas; e sempre presentes de forma muito positiva na Loja e por isso muito respeitados por todos. Esses Irmãos Exemplos é que mantém a nossa Loja pujante! E eu fui em alguns momentos um pouco desses Irmãos também!
Assim, nessa miscelânea é que me enxergo! E os Irmãos? Como se classificariam na caminhada de cada um? Cigarras, Clima de SP, Quiabos, Traillers, Girafas, Bolos de Festas, Seus Saraivas, Exemplos? Será que concordam que somos, ou que fomos em algum momento, um pouco de todos Irmãos que citei acima?
Penso que somos únicos meus Irmãos, e que devemos sim seguir os bons exemplos, os espelhos, mas não devemos ter como objetivo querer ser cópia de ninguém! De minha parte, pretendo ser Eu, com meus defeitos e minhas qualidades, meus erros e meus acertos, e assim ir construindo a minha própria história aqui, e sempre, como diz um querido Irmão de nossa Loja e com grande sabedoria e simplicidade: “devemos ao menos tentar, a cada dia. ser um Maçom e uma pessoa melhor.”
Adaptando o conceito de um poeta contemporâneo: prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter uma velha, preconceituosa e atrasada opinião formada sobre tudo e sobre todos. Ninguém nunca deve se achar melhor que ninguém, porque ninguém o é! Assim, tenham a certeza que sempre serei Autêntico e não me furtarei nessa caminhada, a externar meus pensamentos, opiniões e posicionamentos, sempre de acordo com nossas Leis, e de maneira respeitosa, com a opinião dos demais Irmãos.
A Nossa Ordem, a nossa Instituição, é justa e perfeita! Nós os Maçons é que não somos, e precisamos ter essa consciência, pois só assim conseguiremos fazer progressos, aqui dentro da Maçonaria e fora dela como construtores sociais que devemos ser no mundo profano.
Não estamos aqui para ser julgados ou para julgar as ideias e pensamentos dos outros Irmãos. Devemos ser livres e de bons costumes, respeitando a liberdade de expressão de todos os Irmãos, inclusive os que tenham opiniões e posicionamentos diferentes dos nossos. Concordar com quem pensa o mesmo que Nós é muito fácil, o desafio é a tolerância ao contraditório. A Empatia é isso, é o ato de se colocar no lugar do outro, e esse o endereço mais difícil do mundo, mas quem descobre essa fórmula se aproxima muito da maturidade.
Exemplo o número 6 e o número 9. Dependendo do ponto de vista ou do ângulo que ele é observado, o mesmo pode ser 9 ou pode ser 6, e das duas formas, quem o observa está certo!
Pré-conceitos, intolerância, censura e radicalização de pensamentos e ações precisam ser banidos, e não fomentados em nossa Ordem e em nossa sociedade. Devemos ser Exemplos, não apenas nas palavras e na oratória, mas nas ações do nosso dia a dia, dentro da Loja e fora dela, em todos as situações de nossa vida profana e maçônica.
De minha parte, volto a frisar, sempre respeitando a nossa Constituição, nossa legislação e nossos Rituais, sempre que achar necessário e oportuno vou me posicionar, pois serei sempre um pouco de cada tipo de Irmão que citei no inicio do trabalho, mas jamais serei um Irmão Gado, ou um Irmão Jarrinho de Mesa, ficar aqui apenas enfeitando e fazendo número na Loja.
Finalizo assim esse trabalho meus Irmãos, conclamando Todos Nós a fazermos uma auto-crítica, e buscarmos lapidar de verdade, e não apenas da boca pra fora, a nossa pedra bruta.
Eu disse Lapidar a Pedra Bruta meus Irmãos, e não atirá-la na cabeça dos Irmãos que pensam ou tem opiniões diferentes das nossas. Vamos tentar praticar a EMPATIA.
Direto do topo da coluna do sul, essas são as impressões de um Irmão Companheiro, com ainda muito a aprender, e muito orgulhoso por fazer parte da Augusta e Respeitável Loja Simbólica Deus, Pátria e Família nº 154 . Um TFA!
Autor: Cristiano de Lima Aguiar
ARLS Deus, Pátria e Família, nº 154 – Oriente de Corinto/MG
Fonte: https://opontodentrocirculo.com/2019/10/25/da-coluna-do-sul-as-impressoes-de-um-companheiro-macom/