quinta-feira, 31 de outubro de 2013

PROGRAMAÇÃO LOJA TEOSÓFICA DHARMA-NOVEMBRO

LOJA DHARMA DA SOCIEDADE TEOSÓFICA NO BRASIL
Rua Voluntários da Pátria, 595/1408 (esq. R. Cel. Vicente)
Porto Alegre – RS
facebook: Loja Teosófica Dharma

PALESTRAS PÚBLICAS

Sábados, às 17 h – Entrada Franca

NOVEMBRO/2013

02 – Autenticidade e mística da senda do autoconhecimento
Rudinei Marques

09 - O Segredo da Conquista do Reino Espiritual
Moacir Marques Fernandes

16 – A visão budista sobre a felicidade
A prática do silêncio, segundo a tradição budista, nos possibilita reconhecer as coisas tal como elas são. Essa prática pode ser entendida como um treinamento através do qual desenvolvemos uma poderosa intimidade com o nosso mundo interno e passamos a lidar com sabedoria e lucidez diante das circunstâncias da vida. A felicidade, na perspectiva budista, pode ser entendida como a manutenção dessa visão, mesmo em meio à adversidade.
Guilherme Erhardt

            18:30h – Posse da Diretoria 2013-2015

23 – Os nomes de Jacó
As ações do profeta Jacob e seus nomes através da história.
Giovani Gregol

30 – A Paramita Dâna
Segundo os ensinamento do Lam Rim, do Venerável Mestre Tsong Khappa. A Paramita Dana ou generosidade é a " A chave da caridade e  amor imortal", na obra A Voz do Silencio de HPB.
Carlos Denilson

             18:30hApresentação dos alunos das profs Cintia e Vera de los Santos com repertório eclético, do lírico ao erudito e popular.

“Não nos tornamos iluminados por imaginar figuras de luz, mas por tornar consciente a escuridão.“ C.G. Jung

GRUPOS DE ESTUDO


GRUPO DE ESTUDOS TEOSÓFICOS
 Tema: Diálogos com cientistas e sábio de Renné Weber
 Sábado às 15h
 Datas: 2, 16, 23 e 30/Nov
 Coordenador: Maria Teresa

Notícias Gerais:

Revista Sophia
A Revista Sophia é editada pela Editora Teosófica e pode ser encontrada nas bancas de Jornal e na livraria da Loja.
Números antigos têm preços promocionais.

Editora Teosófica
Fone: 0800-610020 (lig. gratuita)

TV Supren - Para uma nova consciência, uma nova televisão:

“Não há religião superior à Verdade”

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A LOJA

Uma aurora intelectual indecisa em sua palidez precede em nós a aurora rutilante que faz clarear o dia. Chamados a ver a Luz, contentamo-nos com entrevê-la,quando ela nos é mostrada em Iniciação. O que se oferece à vista do neófito livre da venda é o espetáculo do mundo, do qual a Loja é a imagem reduzida. Ele não pode duvidar, se relacionar isso às dimensões simbólicas do santuário onde está admitido, porque a Loja, — é-lhe ensinado, — estende-se do Oriente ao Ocidente, do Meio-Dia ao Setentrião e do Zênite ao Nadir. Nela reflete-se, pois, a imensidade do Cosmos, como se o concebível em grau maior repercutisse no constatável a menor. Primeira lição discreta que, moralmente, limita-se a sugerir a universalidade da Franco Maçonaria. Em nome das dimensões da Loja, o Maçom é chamado à ordem, caso faça eco de preocupações mesquinhas. Os iniciados reúnem-se para aportar seu concurso à Grande Obra que é eterna como o Progresso e sem limites em sua aplicação. Tendo a construir um imenso Templo, os Maçons não prostituem sua Arte, sujeitando-a às necessidades profanas; eles têm, neles mesmos, a reformar, o Homem que é universal em sua essência.
Instruído das dimensões da Loja, o Aprendiz constata que ela é iluminada, simultaneamente, por três grandes luzes e três pequenas. As grandes são representadas por candelabros colocados no Oriente, Ocidente e Meio-Dia do quadrilongo: são os pilares espirituais do edifício maçônico; a tradição atribui-lhe os nomes de Sabedoria, Força e Beleza. Avaro de palavras, o moderno hierofante limita-se a indicar: a Sabedoria concebe, a Força executa, a Beleza ornamenta. Cabe àquele que  viu a Luz resolver o enigma. Para colocá-lo no caminho, chama-se sua atenção sobre as pequenas luzes figuradas pelo Venerável Mestre da Loja e seus dois Vigilantes.
Entregue às suas reflexões, o Aprendiz compreende que a concepção de uma idéia deve preceder a ação realizadora, que é preciso  pensar com justeza para agir bem,de onde a Sabedoria fixando o plano na execução do qual a Força desdobra sua energia; mas a ação não é sábia se ela não for bela; a idéia não é justa se ela não se realizar com Beleza.
A Sabedoria do Venerável Mestre da Loja é aquela do arquiteto que dirige o trabalho construtivo. Seu papel é intelectual; ele sonha como artista, a fim de dar, na imaginação, corpo às aspirações dos construtores. Ele não inventa segundo sua fantasia individual, porque se aplica em concentrar o gênio de todos. Logo, a Sabedoria da qual ele se faz o intérprete não é a sua, mas aquela da Arte; ela é conforme a de todos os Mestres da Obra, escolhidos antes dele para dirigir o trabalho comum. É, pois, uma Sabedoria especializada, modesta e verdadeiramente sábia em sua ambição limitada: conceber corretamente o executável não implica em qualquer onisciência. Cada um pode aspirar à sabedoria que lhe é necessária para bem se dirigir na vida; o Iniciado não solicita qualquer outra e, a partir daí, adere à Suprema Sabedoria. 
O 1º Vigilante rege a Força, em razão de ele fazer observar a disciplina em Loja. É ele quem repreende os retardatários e controla a assiduidade; ele exige que cada um esteja em seu posto e cumpra sua tarefa. Se fosse levado a explicar-se, insistiria sobre a necessidade de coordenar os esforços. Individualmente, somos impotentes; apenas o trabalho coletivo presta-se à realização de grandes coisas: associemos, pois, nossas energias à vista da realização de uma única Grande Obra. A Força está em nós, do mesmo modo que  a  Sabedoria; mas não nos tornamos verdadeiramente fortes senão quando nos aplicamos ao trabalho com constância e regularidade.
Não é bastante se agitar com zelo para satisfazer às exigências da Arte. Agitação  não  é sinônimo de trabalho: quando trabalhamos, entendemos produzir, modificar, transformar, fazer melhor; ora, o que melhor realiza uma harmonia mais perfeita traduz-se em obra de Beleza. O 2º Vigilante é o esteta da Loja, porque ele ensina a bem trabalhar, a construir solidamente sob todos os aspectos; ele sabe que, mesmo materialmente, nada que não seja belo é durável: a admiração faz respeitar a obra do puro artista. Este não aplica, aliás, toda sua Força senão a serviço da Beleza que entusiasma. Trabalhando com amor, ele não atenta para suas penas, que retornam em prazer. Uma deusa o inspira, encorajando e recompensando seus esforços. Essa foi, para os construtores cristãos da Idade Média, a Virgem Celeste, personificação da pura idealidade, Rainha de Beleza, diante da qual eles se prosternavam como que perante a suserana da Arte. Nossa Senhora tornou-se seu título de glória, título que nenhum Iniciado contemporâneo renega, consciente do significado profundo do ternário: Sabedoria, Força e Beleza.
Sobre esse trinômio baseia-se uma religião discreta, anterior às idolatrias que seduzem as massas. Ela não se formula em dogmas, mas cada um pode a ela converter-se, escutando falar em si mesmo seu próprio espírito. É a Religião dos Iniciados, da qual a Loja é o santuário mudo. As Luzes grandes e pequenas aí esclarecem aquele cuja visão espiritual não está obstruída pela venda profana, mas, enquanto esta venda não cai, as Luzes da Maçonaria brilham em vão nas trevas que as obscurecem. É então que os Maçons que não souberam depositar seus metais nem sofrer espiritualmente as provas erigem em Grande Luz da Maçonaria o livro sagrado de uma religião recente, mostrando, dessa sorte, um desconhecimento absoluto dos princípios fundamentais da Arte Real. A Bíblia é respeitável, preciosa e digna de um estudo atento; mas é em seu próprio coração que o Iniciado deve aprender a decifrar a palavra sagrada, não em textos redigidos para a instrução das massas.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A RESTITUIÇÃO DOS METAIS

Quando o neófito recebeu no Oriente a instrução de seu grau, ele vai ao Ocidente para fazer-se reconhecer pelos dois Vigilantes. Desde que estes se declarem satisfeitos com seu exame, retêm o novo Aprendiz entre as duas Colunas, enquanto o Venerável Mestre da Loja proclama solenemente que esta  foi enriquecida com um novo membro a quem todos os Maçons do mundo devem fraternalmente ajuda e proteção. Reconhecido doravante por todos os Irmãos, o Iniciado, definitivamente admitido, é levado ao lugar que a tradição lhe reserva. É o ângulo Norte-Leste da Loja, local da primeira pedra colocada quando da inauguração de uma construção nova. Cada um, em Maçonaria, sendo chamado a construir o templo de suas convicções pessoais, o neófito torna-se a primeira pedra de sua própria construção intelectual e moral.
Ele vai construir livremente, segundo as regras da experiência arquitetural e empregando todos os materiais cuja solidez  será  garantida. Como as provas da Aprendizagem ensinam a discernir aquilo que possui um valor construtivo, o Aprendiz pode entrar na posse dos metais de que soube se despojar para ser admitido à iniciação. O falso brilho das coisas não o ofusca mais; ele aprecia, com seu justo valor, o saber profano, sem partilhar das ilusões daqueles que acreditam que a verdade se deixa aprisionar em fórmulas verbais.
O Iniciado aplica-se se instruir de tudo aquilo que se lhe ensina; ele não desdenha nenhuma noção relacionada ao mistério das coisas; mas, se ele compreende bem a Arte, considerará o conhecimento como subjetivo, pois este procede do visionarismo mental daquele que, no interior de si mesmo, sabe ver a Luz.
Essa visão faz descobrir uma clareza comum a todos os seres pensantes. Luz esclarecedora, originalmente, de todo homem que vem a este mundo. A Matéria Primeira dos Sábios faz alusão a essa claridade difusa em todos os lugares, mas que percebem unicamente os filósofos herméticos. Quem trabalha sobre essa Matéria empreende a Obra corretamente e pode, — se não cometer nenhuma falta, — atingir o ideal da Pedra perfeita.
Isso significa que, trabalhando sempre sobre si mesmo, o adepto deve remontar até a fonte primordial de sua própria atividade; se ele não chegar a conhecer-se em sua intimidade mais profunda, não perceberá jamais a Verdadeira Luz prometida aos Iniciados.
Os Franco-Maçons atuais discernem do que se trata? Eles depositam em geral seus metais sem ver nisso malícia, depois, retomam-nos com a mesma candura, após terem visto materialmente uma luz que não os esclarece “em espírito e em verdade”. Tudo, em Iniciação, depende, todavia, daquilo que nós chegamos a ver interiormente. As provas não têm outro objetivo senão que o de nos colocar em estado de ver a Luz: elas são muito sérias, a despeito do divertimento ao qual dão lugar, muito freqüentemente, as iniciações cerimoniais. Não são trotes, a não ser para iniciadores ignorantes que profanam as coisas santas; em Iniciação real, os ritos prescrevem operações nas quais o adepto é, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto, o agente e o paciente, porque, — Maçom chamado a talhar a Pedra, — ele trabalha sobre si mesmo, sendo a Pedra viva que se talha ela própria.
Mas o que opera em nós é  Espírito, ou seja, Luz,  e é a  Luz operante que somos chamados a descobrir em nós; para aí chegar, é-nos necessário depositar nossos metais, morrer para as ilusões profanas e completar nossa purificação mental.
É exigir muito de um candidato a Franco-Maçom, homem de boa vontade, sincero em seu desejo do bem, mas incapaz de iniciar-se nos mistérios efetivos da Arte Real. Não se deve, pois, reprovar à Franco Maçonaria colocar-se ao alcance do grande número. Ao iniciar em seus símbolos, ela mantém suas obrigações em relação aos  iniciáveis  que irão procurar, pedir e bater, de forma a encontrar quem lhes responda e quem se lhes abra, finalmente, a porta do santuário da Verdade. Outros não aprenderão a ritmar os três golpes misteriosos senão para obter o acesso a uma Loja regular, em sua qualidade de Maçons reconhecidos regulares...convencionalmente!
Iniciados apenas nas exterioridades, no lado sensível da Franco Maçonaria, esses aderentes superficiais, — que são legião, — não vão além da infância da Arte: eles se divertem com imagens cujo sentido não percebem, mas estas imagens lhes pregam uma sabedoria à qual eles se mostram dóceis. Habituam-se se manter bem em Loja e a desenvolver seus bons sentimentos. Sem elevar-se até o ideal muito heróico da Iniciação, tornam-se melhores em modestas proporções. Se a Franco-Maçonaria moderna melhora seus adeptos, tornando-os mais fraternos uns em relação aos outros, sua obra é louvável, mesmo que, sobre cinco milhões de membros ativos, ela não conte senão com uma ínfima corte de Iniciados que realmente viram a Luz.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto

terça-feira, 22 de outubro de 2013

AS LUVAS

O  gentleman que no século XVII era aceito como Freemason devia gratificar cada um de seus iniciadores com um par de luvas brancas. A Maçonaria moderna modificou esse uso, invertendo-o: as luvas são oferecidas pela Loja ao novo iniciado, para lembrar-lhe de que as mãos de um Maçom devem permanecer sempre puras.
Na Inglaterra, eles se atêm a esse único par de luvas destinado a completar o traje maçônico do neófito. Os Maçons do continente tiveram a idéia de fornecer um segundo par de luvas, não mais masculinas, mas femininas. A mulher, não sendo admitida nos mistérios da Franco-Maçonaria, nossos galantes ancestrais experimentaram remorso: eles quiseram remediar o ostracismo imposto, associando com delicadeza as damas à iniciação maçônica. Elas não devem ser instruídas nos detalhes de nossos segredos, mas convém fazer-lhes conhecer o objetivo que persegue a Franco Maçonaria. É mais importante ainda associá-las à Grande Obra do aperfeiçoamento moral que é aquela dos Iniciados. Como? Em lhes confiando a honra dos Maçons. Todo homem purificado, digno de iniciação, admira a mulher em razão de suas qualidades morais; ele aprecia a beleza física, mas coloca acima desta uma beleza mais nobre, inalterável, independente de acidentes exteriores. Entre as mulheres, ele deve encontrar uma que mereça mais particularmente sua estima, e cuja influência se esforça por sofrer. É a ela que ele enviará o par de luvas, para com isso homenagear a mulher que ele mais estima. Essas luvas têm o valor de um talismã: mostrá-las ao Maçom desencorajado, tentado a abandonar-se às fraquezas das naturezas vulgares, é lembrar-lhe sua dignidade de Iniciado. Suas mãos jamais devem estar sujas. A mulher da qual ele quer conservar a estima vela por ele; sob sua influência tutelar ele não saberia decair.
A iniciação feminina jamais teve, até agora, seus mistérios formais, com ritos transmitidos através dos tempos. Nenhuma tradição nos ensina a iniciar nossas companheiras de vida, sem a ajuda das quais nós não podemos realizar progressos decisivos na via de nossa purificação. Tentativas foram feitas para transformar nossas contemporâneas em maçonas. Esse título não é feliz: jamais existiram construtoras,e pretender iniciar a mulher na arte de construir, — que é essencialmente masculina, — aparece como um contra-senso. Isso é incontestável na Maçonaria dita “operativa”; mas, em nossa qualidade de Maçons “especulativos”, não deveríamos abrir as Lojas à mais graciosa metade do gênero humano? Os tradicionalistas respondem não, e eles  estão com a  verdade. A mulher não tem  lugar em  Loja, meio exclusivamente masculino. É irracional fazer-lhe sofrer provas que visam ao desenvolvimento da masculinidade, quando, em boa lógica, a Iniciação feminina não pode perseguir senão que o desabrochar da pura feminilidade. A dificuldade encontra-se resolvida pela aplicação de um ritual feminino, visando a feminizar as provas? A Maçonaria de adoção fez o melhor nesse sentido, mas, malgrado sua boa vontade, ela está condenada a  não ser senão a contrafação masculina. Um clube masculino feminizado, não realizando, de maneira alguma, o ideal de uma organização própria a agrupar mulheres para mantê-las associadas e permitir-lhes aplicar o gênio feminino na realização da Grande Obra humanitária. Esse gênio não vem a reboque do homem; ele segue sua própria inspiração, para criar aquilo que a humanidade não saberia inventar.(sic)*
Os Maçons do século XVIII foram melhor inspirados que aqueles do XIX, quando, abstendo-se de chamar a mulher para a Loja, resolveram fazer-lhe homenagem com um simbólico par de luvas. A eleita de cada iniciado não é ela distinta da multidão frívola das filhas de Eva? Aquele que sofreu as provas não se torna apto a discernir a mulher de elite digna da suprema homenagem que ele possa render-lhe? De que servem as afetações da iniciação feminina? A mulher que recebeu as luvas de um Maçom não se torna uma “Maçona”, uma companheira de oficina: ela permanece a  dama religiosamente admirada.(sic)*
Quando Goethe, iniciado a 23 de junho de 1780 em Weimar, dispôs de suas luvas em favor da Senhora de Stein, ele a fez observar que esse presente, ínfimo em aparência, tinha a particularidade de não poder ser oferecido senão uma só vez na vida. Nada saberia ultrapassar o valor de semelhante doação, se ela for feita, não levianamente, mas em conseqüência de uma escolha judiciosa e maduramente refletida.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.
*Consideremos que esta obra foi publicada em 1932, mas em pleno século 21 não há mais que se considerar nada.

domingo, 20 de outubro de 2013

A PROVA DO FOGO

Ao sair da água que purifica exteriormente, o místico aborda uma margem de árida solidão. Separado dos vivos pelo discernimento de suas ilusões e de seus erros, ele pode, em sua lucidez que não é ingênua de nada, ater-se ao seu desencanto erigido em sistema. Desencorajado dele mesmo, ele desencoraja então outrem e, cativo do rio que corre em ondas cambiantes, ele pára no caminho de sua iniciação.
Mas, se estiver destinado a prosseguir, o deserto exercerá sobre ele sua tração; ele aí adentrará sem recuar perante um sol tornado cada vez mais ardente sob seus passos. O calor que o invade pode torná-lo saudoso da frescura reconfortante do rio ao qual ele voltou as costas. Ele é livre para voltar atrás, sobretudo quando surgem chamas do solo e ameaçam cercá-lo. Se hesitar, será muito tarde; um círculo de fogo o envolverá, e ele mesmo terá decidido sua sorte: terá desejado ser queimado.
Desta vez, não será mais simplesmente em seu exterior e em seu ambiente psíquico que ele será purificado; o fogo espiritual que o vai penetrar destruirá nele todos os germes de mesquinharia e de inferioridade. A purificação integral acaba a transmutação do recipiendário: aquilo que era profano  deve, doravante, permanecer morto nele; e ei-lo regenerado integralmente no sentido rosacrucianista: Igni Natura Renovatur Integra. Tendo sido purificado pela Terra, pelo Ar, e pela Água, o místico é renovado pelo Fogo.
Ao batismo pela Água sucede aquele do Fogo ou do Espírito Santo. Ora, como Shiva, o Fogo iniciático não mata senão que para vivificar. Ele é o universal animador e distribui, a esse título, o calor ativo do Amor. Se a prova do Fogo não acender no coração um ardor generoso que invada de um modo permanente toda a personalidade, é porque não foi senão fictamente sofrida. Uma faísca do universal  Fogo Sagrado dorme em cada um de nós; ela nos anima à vista da tarefa que nos incumbe, mas não acende muito freqüentemente em nossa lanterna senão que uma pobre chama vacilante, iluminando com parcimônia o  caminho de nossa honesta existência. Para comportar-se como simples homem de bem não é indispensável, com efeito, afrontar as provas da Iniciação; mas quem ambiciona trabalhar superiormente e  ultrapassar o dever banal deve fazer prova de nobreza de alma e de corajosa abnegação. O indivíduo não é nada por ele mesmo, senão um começo daquilo que pode se  tornar. É livre para permanecer inerte, adormecido, frio, inativo. Se não quiser vibrar, estará à vontade para retirar-se da vida agitada e suicidar-se pela abstenção. Eis aí um ideal que é preconizado no Oriente; esse não é aquele da Iniciação nos mistérios da Arte Real. A Realeza proposta é aquela do espírito ativo, eternamente ativo. Para participar disso, é indispensável querer o bem com um fervor que faça o indivíduo entrar em vibração com o ritmo criador. É preciso que o homem se divinize, querendo e amando como um Deus, para que efetivamente ele seja colocado na posse do Fogo Sagrado.
As provas maçônicas, tais como elas são colocadas em cena no seio das Lojas, podem parecer ridículas aos profanos, como todos os atos simbólicos vistos em sua exterioridade. Por pobre que possa ser sua dramatização material, elas aludem, em seu esoterismo, aos mistérios mais formidáveis da tradição iniciática. Quem as sofre  em espírito e em verdade torna-se um real Iniciado. Quanto àquele que as evita, ele permanece profano, a despeito de todos os conhecimentos que possa ostentar, a despeito mesmo dos milagres que saiba realizar. Paulo exprime-se como Iniciado, quando escreve aos Coríntios:
Ainda que eu falasse todas as línguas dos homens e mesmo aquelas
dos anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como o bronze que soa ou
como o címbalo que retine.
E ainda que eu tivesse o dom da profecia, que eu conhecesse todos os
mistérios e possuísse toda sorte de ciência, que eu tivesse toda a fé que se
possa ter de maneira tal que transportasse as montanhas, se eu não tivesse a
caridade, nada seria.
E ainda que eu distribuísse todos os meus bens para o sustento dos
pobres, e ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, e não tivesse
a caridade, nada disso me aproveitaria.
..................................................................
Quando tudo perece, três coisas permanecem: a fé, a esperança e a
caridade; mas a mais excelsa dessas virtudes é a caridade.
Na  ordem  profana, estimáveis resultados podem ser obtidos com sangue-frio, através da aplicação judiciosa das forças disponíveis; é o caso das obras de detalhe às  quais  se entregam os homens. Mas existe uma Grande Obra eterna e global que não é realizável senão pelo Amor. É preciso amar para trabalhar divinamente; para criar, coordenar do caos e transmutar o mal em bem. Quem não arde verdadeiramente de afeição por outrem não é senão um miserável obreiro, para sempre incapaz de operar o menor milagre da Arte. Se ele não souber amar, não realizará senão uma pobre tarefa mercenária; ele não se elevará acima da profissão, senão amando o trabalho para a ele entregar-se com a abnegação do amor. Se assim é no domínio das múltiplas ocupações humanas, — porque todas se transformam desde que um nobre sentimento as inspire, — que dizer do Trabalho espiritual superior ao qual se consagram os Iniciados?
Na qualidade de Franco-Maçons, os purificados efetivos espiritualizam a Arte de construir, adaptando, à Grande Obra construtiva de uma Humanidade melhor, as regras tradicionais da antiga arquitetura sagrada. Ora, as catedrais, construídas pelos predecessores dos adeptos atuais do esquadro e do compasso, são obras de amor, onde cada pedra foi talhada com o mesmo fervor afetuoso, para edificar o Templo humanitário, cujos construtores são eles mesmos os materiais. Se o Amor verdadeiro, intenso e profundo não for nosso estimulante e nosso guia, nós nos debateremos em pura perda.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O CÁLICE DA AMARGURA

A vida não é cruel para quem a começa entre os vivos. Mimada por sua mãe, a criança não manifesta senão a alegria de viver; do instinto, ela reivindica seu direito à vida, que parece não lhe ser dada senão para permitir que goze dela sem reservas. A juventude ensina, todavia, que nem tudo é encanto  na  vida que está longe de nos ser outorgada gratuitamente. A necessidade, para cada um, de ganhar sua vida não tarda a se impor. A despreocupação infantil não dura senão um tempo, porque, rapidamente, a vida nos instrui de suas rudezas e, desde que nos tornemos fortes, ele exige que aprendamos a suportar as durezas da existência: mostrar-se covarde diante da dor é confessar-se indigno de viver.
A Iniciação, — ensinando a Arte de Viver,— concebeu torturas infligidas a título de provas no curso das iniciações primitivas. A resistência à dor física não se impõe mais no mesmo grau na vida civilizada, pois o místico moderno não está mais exposto ao menor tratamento cruel; todavia, ele deve esvaziar certo cálice que lhe é apresentado.
Ele não contém nem veneno nem droga que provoque perturbações psicofisiológicas, mas água fresca e pura, reconfortante para o neófito que acaba de sofrer a prova do fogo. É a beberagem da vida, doce como o leite materno para quem experimenta seus primeiros goles. Mas de que maneira tal líquido se torna subitamente  amargo,  para voltar depois à sua primitiva doçura, quando o bebedor se decide a esvaziar até o fim o cálice fatal? Beber, malgrado a amargura, é aceitar estoicamente os rigores da vida. O hábito nos alivia as penas e as dores que aprendemos a suportar. Quando o sofrimento nos torna fortes, a amargura se nos faz doce, pois que ela nos confere vigor e saúde, temperando nosso caráter.
Os ritualistas superficiais imaginaram uma sorte de julgamento de Deus relacionado ao juramento do Iniciado, a amargura a fazer alusão ao remorso que dilaceraria seu coração, se ele se tornasse perjuro. Outros se contentam em  dizer: “Essa bebida, por sua amargura, é o emblema das aflições inseparáveis  da vida  humana; a resignação aos decretos da Providência unicamente pode abrandá-las”.
A lição é menos elementar. O místico purificado leva aos seus lábios o cálice do  Saber Iniciático,  no qual sua inteligência abebera-se de uma nova vida, isenta das brutalidades profanas. Concebendo uma existência de doçura em meio a irmãos que sonham apenas em ajudá-lo em todas as coisas, o neófito sente-se feliz e satisfaz-se com uma água deliciosa; a reflexão, porém, revela-lhe as responsabilidades que ele assume em razão de seu avanço espiritual. O ignorante que não compreende o sentido da vida pode abandonar-se ao egoísmo; vivendo apenas para si, ele não se coloca a serviço da Grande Obra, e nada há a se lhe reprovar, se, respeitando os outros, ele leva uma honesta existência profana. De outro modo exigente mostra-se a vida iniciática: ela impõe o devotamento, o esquecimento de si, a constante preocupação com o bem geral. A preocupação com o outro angustia a alma generosa que sofre as misérias humanas; querendo aliviá-las, o filantropo expõe-se a não ser compreendido. Seus conselhos são mal interpretados; a multidão imputa-lhe todas as calamidades. Ele é então maldito, perseguido, no mínimo, cruelmente desprezado: é a amargura que ele bebeu a grandes goles.
A ingratidão incompreensiva não saberia, porém, desencorajar o Iniciado; ele a prevê, e nem por isso prossegue menos com sua obra de abnegação. A calúnia não o alcança; ele se fixa com perseverança na realização do bem. Que  lhe importam as  gritarias  maldosas e as críticas injustas? Sem cessar preocupado em fazer o melhor, ele aperfeiçoa seus métodos, tudo isso tirando partido da ingratidão de sua tarefa. Seu heroísmo encontra sua recompensa: vivendo para o bem, o sábio vive no bem. A cólera dos maldosos não o atinge mais, porque ele se eleva acima do mal cometido por outrem.
O ser que entra na vida contrai com esta um pacto que comporta encargos. Quem pretende não retirar da vida senão encantos não tem consciência das obrigações contraídas; recriminações, temores, cóleras contra os rigores da vida testemunham incompreensão. A vida é maternal e quer que nos tornemos fortes, de onde seus processos educacionais, contra os quais somos estúpidos ao nos revoltarmos. Sejamos bons escolares, aplicados em aproveitar as lições da vida. Armados de valentia, afrontemos dor, decepção, martírio, não temamos nada e caminhemos com firmeza diante daquilo que nos espera.  Essa tática fará muitas vezes recuar o inimigo, assegurando-nos a vitória sem combate. A coragem ameniza as dificuldades: dar provas dela, nesta vida, é, na convicção dos fiéis de Ishtar, merecer o amor da deusa que não se dá senão aos valentes. Para ser amado pela vida, não é bastante se deixar fascinar por seus encantos; ela não se liga senão aos heróis que por ela afrontam a amarga luta pela existência e consagram-se à realização de grandes coisas. Já que a vida se identifica com o trabalho, amar dignamente a Vida é amar o Trabalho e trabalhar com zelo por amor aos vivos.
Seguremos com firmeza o cálice da amargura, decididos a esvaziá-lo até o fim: nós assim teremos a surpresa de fazer retornar à sua primitiva doçura a beberagem da vida.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FILHOS

E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele disse: "Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável."
Gibran Khalil Gibran - O profeta

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

OS SEGREDOS DO APRENDIZ

A primeira coisa que aprende um Maçom após haver sido “vestido” é a atitude maçônica pela qual ele se afirma Aprendiz. De pé, ele se mantém direito, a cabeça erguida, o olhar firme  dirigido  bem  à  frente.  O braço esquerdo pende ao longo do corpo, enquanto  o direito dobrado  leva à garganta a mão que afirma: prefiro morrer a trair meu juramento. O peito retrai-se ligeiramente, porque o pé direito está à frente, formando o esquadro com o esquerdo que o apóia.
Essa atitude simbólica resume todo o programa do grau de Aprendiz.
Manter-se orgulhosamente de pé é afirmar-se como homem adulto, havendo ultrapassado a infância ainda prosternada em direção a terra à maneira dos quadrúpedes. O Iniciado renega as tendências animais, porque ele entende tornar-se homem heroicamente. Está prestes a caminhar com o pé direito, que é aquele do discernimento racional, porque se dirige de acordo com aquilo que ele mesmo concebe, e não de acordo com seus pressentimentos, indicações que subordina às constatações positivas (pé esquerdo apoiando o pé direito que avança sempre primeiro para a execução do passo ritualístico).
O  braço  esquerdo  resta  passivo,  porque  o  Aprendiz  não  usa sua sensitividade, fonte de faculdades de assimilação intuitiva. Ele não se beneficiará de dons lunares senão após haver desenvolvido plenamente suas aptidões solares; esses dons residem nele e traduzem-se em talentos que importa cultivar com método. A Arte não faz apelo, primeiramente, à genialidade baseada sobre uma longa experiência, e o iniciante deve dobrar-se à disciplina de uma técnica árida. Longe de pretender seguir sua inspiração, ele tende a submeter-se a regras rigorosas que fazem suas provas. Mantendo sua imaginação em reserva enquanto aprendiz-pensador, é-lhe preciso aprender a raciocinar severamente antes de abandonar-se ao sonho.
É isso que exprime a mão direita dominando o tórax para domar sua ebulição. Nada daquilo que ruge no domínio da sensibilidade deve obter acesso ao cérebro do Iniciado, onde a calma é indispensável às deliberações frutuosas. Um agitado não saberia pensar justamente; conseqüentemente, a aquisição da serenidade cerebral impõe-se desde o começo da iniciação.
Observemos aqui o erro dos processos que exploram uma forma qualquer de exaltação.  Os excitantes que provocam um funcionamento artificial do cérebro estão proscritos a quem quer pensar de maneira sã. Nós não pensamos com justeza senão em perfeita calma, calma que os Maçons procuram realizar em Loja, quando se colocam “a coberto”. O cérebro do Aprendiz é, ele também, uma oficina a ser preservada da agitação exterior: ele não funcionará bem se as paixões para aí aportarem qualquer perturbação.
Por sua atitude imóvel, o Aprendiz faz-se reconhecer, de qualquer sorte, passivamente. Limita-se a prestar atenção ao seu juramento de calar-se. Se um gesto idêntico ao seu encorajar-lhe, ele executará o sinal de Aprendiz que desenha  um  esquadro. Ele afirmará desse modo que seus atos visam à concórdia entre os homens e que eles têm a correção exigida dos adeptos da Grande Obra. Uma resposta dada da mesma maneira incita os Irmãos a que se reconheçam, estendendo a mão. Eles confirmam então seu sinal pelo toque.
Para muitos Maçons, o grande segredo da confraria reside na maneira de apertar a mão entre os iniciados. Os membros das antigas confraternidades jamais traíram esse segredo, visto como mais particularmente sagrado. Os Maçons especulativos foram menos escrupulosos. Tanto é assim que, decepcionados pela Maçonaria especulativa, não quiseram ver aí senão uma mistificação que eles se acreditaram no direito de denunciar publicamente; assim foram divulgados os segredos de forma, de importância, no fundo, muito secundária. Um iniciável pode muito bem se fazer Maçom ele mesmo, em espírito e verdade, sem preocupar-se minimamente com os pequenos mistérios revelados em Loja.
Quando se diz que um Maçom se reconhece por seus sinais, palavras e toques, é preciso entender o que isso significa do ponto de vista esotérico.
Os verdadeiros sinais não são outros senão os atos da vida real. O Maçom agirá sempre equilibradamente, como homem que tende a comportar-se em relação a outrem como ele deseja que os outros se comportem em relação a ele próprio. O Iniciado na Arte de viver distingue-se dos profanos por sua maneira de viver: se ele não viver melhor que a massa frívola ou vulgar, sua pretensa iniciação revela-se fictícia, a despeito das belas atitudes que finge.
As  palavras são, ritualisticamente, palavras de passe e palavras sagradas que se assopram no ouvido com precauções minuciosas. Aqui ainda a materialidade do segredo não tem senão um valor mesquinho. A palavra sagrada do Aprendiz relaciona-se ao nome dado pela Bíblia a uma das duas colunas de bronze que flanqueavam a entrada principal do Templo de Salomão. Trata-se da coluna da direita, vista como masculina e ígnea, em oposição àquela da esquerda, tornada feminina e aérea, porque essas duas colunas têm sido comparadas àquelas da travessia do Mar Vermelho, das quais uma era de fogo e via-se à noite, enquanto a outra, monte de nuvens, guiava os israelitas durante o dia.
O que é significativo é a maneira de soletrar, letra por letra, o nome da primeira coluna. O  instrutor coloca o neófito no caminho, pronunciando a inicial; depois, espera que a segunda letra seja adivinhada antes de revelar a terceira que deve sugerir a quarta.
Se a palavra sagrada não se pronuncia, é porque faz alusão àquilo que não é exprimível e não se presta a nenhuma exposição doutrinal. É por si mesmo que o Aprendiz deve esforçar-se por pensar; nada poderia, pois, ser-lhe ditado ou inculcado, ainda menos, demonstrado. Se uma noção é expressa diante dele, não o é para que ele aí se detenha, mas, ao contrário, para que ele daí parta na perseguição de suas próprias idéias. Desde que prove que soube refletir e descobrir por ele mesmo aquilo que outros já encontraram, será encorajado a seguir pelo bom caminho através da revelação de uma nova percepção orientadora. Os Iniciados não são depositários de nenhum dogma; eles procuram eternamente a verdade sem preconceitos  e não se ligam  a nenhuma  revelação,  a não ser  àquela  do espírito humano funcionando normalmente nas condições mais favoráveis à percepção não influenciada do verdadeiro. Se, chamado a meditar por mim mesmo, imparcialmente, as idéias que me vêm concordarem com aquelas de outros pensadores independentes, esta concordância é a melhor garantia que posso ambicionar. O que pensam mais universalmente os homens calmos, refletidos e aplicados na procura da verdade reúne o máximo de garantia do verossímil, sobretudo se se tratarem de pensamentos profundos, percebidos diretamente pelo pensador. É o pensamento espontâneo, mais precioso em sua originalidade nativa, anterior à expressão que o deforma. Este pensamento aparece vivo em sua mobilidade difícil de apreender, enquanto o pensamento tornado comunicável deveu ser parado, imobilizado, petrificado, logo, morto.
Os profanos não trocam senão pensamentos mortos; aqueles dos Iniciados devem possuir a vida. Expressos, eles correspondem à primeira letra da palavra sagrada, advertência que evoca a segunda letra que o neófito deve saber descobrir por si mesmo. Um iniciado nada inculca; ele dá a refletir, ajudando a adivinhar e a discernir. Em iniciação, o instrutor não afirma nada: ele coloca as questões à maneira de Sócrates, a fim de fazer o intelecto do interrogado parir aquilo que traz em gestação. É em nós, na profundidade obscura do poço de nossa consciência, que se esconde a verdade tradicional; ela não surge jamais à luz do dia e recusa expor-se à curiosidade das multidões profanadoras. Convém não falar dela senão por alusões discretas, de onde as precauções observadas para comunicar a palavra sagrada.
O toque é triplo. Ele equivale à confidência: Eu conheço os mistérios do número três. Esse número é o primeiro da série sagrada; é por ele que se inaugura o estudo da filosofia numeral, porque o Ternário é mais acessível que a Unidade que, logicamente, deveria ser aprofundada primeiro. Três é, aliás, o primeiro número construtivo, porque uma só pedra não constitui, ela sozinha, uma construção; quando uma segunda pedra é justaposta à primeira também não há começo de construção; mas, desde que uma terceira pedra se superponha às duas primeiras, uma parede começa a nascer.
Convém também chamar a atenção do Aprendiz Maçom sobre os três pontos ∴ que caracterizam sua  assinatura.  Se ele quiser legitimar esse ternário, não deverá jamais se deixar ir até a parcialidade, porque os dois pontos inferiores representam as opiniões opostas dos adversários em contestação. O Iniciado deve lembrar-se dos gladiadores  de sua segunda viagem: se ele tomasse partido numa discussão, faltaria ao seu papel de juiz. Em presença de opiniões contraditórias emitidas diante dele com sinceridade, a sabedoria dá-lhe a supor que existe algo de verdadeiro e de falso em cada uma das teses sustentadas; sua tarefa, desde então, é a de discernir o forte e o fraco de ambos os contraditores e chegar a caminhos conciliadores figurados pelo terceiro ponto mediano e superior.
Se, sob esse último ponto de  vista elementar, a lei do Ternário for compreendida e aplicada como debutante, ele estará em excelente caminho de aprofundamento progressivo no mistério dos Números.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

OS METAIS

Para tornar-se Franco-Maçom é preciso começar por despojar-se de seus metais. Aplicada em todas as Lojas, esta regra parece remontar a uma prodigiosa antiguidade, pois que, num poema babilônico, — que já passava por  muito  antigo  há  cinco  mil  anos,  —  a deusa  Ishtar  nos  é  mostrada constrangida  a depositar,  sucessivamente,  seus  adornos, a  fim  de  poder franquear as sete muralhas do mundo infernal e comparecer nua perante sua irmã, a temível rainha da morada dos mortos.
Que  significa  a  renúncia  aos  metais?  Vê-se  aí  o  símbolo  de  um empobrecimento voluntário, porque se diz que os ricos não entram no Reino de Deus, o que, filosoficamente, se aplica aos afortunados da inteligência, satisfeitos daquilo que possuem e muito apegados aos seus bens para deles se desfazerem e trabalharem na aquisição de riquezas de valor mais efetivo. O metal brilha, ele deslumbra e presta-se às trocas, de onde o seu poder de(1) compra que se estende até as consciências. É assim que o ouro e a prata fazem ofício de agentes de corrupção, enquanto o bronze e o ferro tornaram mais  mortais  as  lutas  entre os  seres  humanos.  É  surpreendente,  nessas condições, que os antigos moralistas hajam lamentado saudosamente a idade anterior ao uso dos metais? Eles atribuíram aos metais todas as perversões, de forma que o retorno ao estado de candura, de inocência e de pureza fosse figurado em sua linguagem alegórica por uma renúncia aos metais.
O metal lembra, além disso, aquilo que é artificial e que não pertence à natureza original do homem; ele é o símbolo da civilização que faz pagar caro aos humanos as vantagens que ela proporciona. O civilizado ignora aquilo que perdeu; é preciso, todavia, que ele saiba disso, para reconquistar as virtudes primitivas. Ele nem sempre é tornado melhor pela instrução, e numerosos vícios, ignorados pelo selvagem, são nele desenvolvidos. Uma associação visando a melhora dos indivíduos e, através deles, a melhora da sociedade humana,  deve  esforçar-se  para  remediar  as  perversões  consecutivas  aos progressos das artes e das ciências.
Não se trata, todavia, de uma  reintegração  tal como entendem certas escolas. A conquista de um paraíso, análogo àquele do qual foi expulsa a humanidade primitiva, não é uma perspectiva do amanhã; não pode se tratar senão que do despertar de faculdades naturais, das quais a vida civilizada não exige  mais o emprego. A perda dessas faculdades nos  coloca  em inferioridade, quando somos chamados a compreender outra coisa além de frases.  Ora,  como  a  sabedoria  fundamental  do  gênero  humano  é independente dos modos  de  expressão  de  nossa  época,  é  preciso,  para iniciar-se  nos  mistérios desta sabedoria, começar  por  uma  renúncia  aos processos modernos, que nos levam a brincar com as palavras de cujo valor nós abusamos.
Os homens pensaram antes de possuir uma linguagem filosófica, antes de adotarem termos pesquisados, adaptando-se  às concepções abstratas. Desde que sua inteligência despertou espontaneamente, eles foram levados a refletir sobre o mistério das coisas. Aquilo que lhes vem ao espírito, fora de toda sugestão anterior, merece ser procurado por nós, que aspiramos nos afastar dos erros acumulados, em meio aos quais nos debatemos. O primitivo não era um estúpido e, se nós remontarmos à fonte de sua inspiração, não poderemos senão admirar sua instintiva lucidez. É preciso que nos tornemos lúcidos por nossa vez, colocando-nos em condições nas quais, afastados de toda experiência convencional,  nosso  espírito reencontre  sua original impressionabilidade receptiva.
Os simples enganam-se menos, em sua ignorância cândida, que os soberbos em seu saber pretensioso. Descartes, em seu método, prescreve ao filósofo começar esquecendo-se de tudo aquilo que ele sabe, a fim de reduzir seu intelecto à tabula rasa. É uma ignorância querida que se torna o começo do verdadeiro conhecimento; o despojamento dos metais faz alusão a esse empobrecimento intencional, graças ao qual o espírito, desembaraçado de todos os falsos bens, prepara-se para a aquisição de incontestáveis riquezas.
Um símbolo não vale senão por aquilo que ele significa; não é, pois, de tomar-se  como trágica  uma prescrição  tradicional.  O  gesto  ritualístico  é apenas  a  imagem  de  uma operação  mental  que unicamente  importa  na realidade. Infelizmente, a materialidade do rito é suficiente para a maioria dos Franco-Maçons que, não havendo jamais sonhado em despojar-se de seus metais em espírito e verdade, excluem-se a si mesmos da efetiva Iniciação maçônica.
Não  há  lugar,  no  começo  da  Iniciação,  para  ver  os  metais  sob  os múltiplos aspectos de seu simbolismo. O programa iniciático é gradual. O estudo  dos  números prossegue normalmente, partindo da Unidade para chegar ao Setenário após uma preparação. Ora, os Metais-Planetas figuram as causas segundas, coordenadoras do caos. O Companheiro penetra-se das leis de sua ação para elevar-se ao Mestrado; quanto ao recipiendário, ele não irá além daquilo que sugere a deposição dos metais, vistos como fazendo obstáculo ao exercício das faculdades intelectuais que o homem possuiu em estado de natureza. Estas faculdades se manifestam por uma acuidade de percepção que fazia o primitivo adivinhar aquilo que o civilizado não chega a conceber. Tudo é símbolo para o espírito ingênuo posto em presença de fenômenos naturais: a criança possui o sentido de uma poesia que o adulto erra em desdenhar, porque a prosa está longe de reinar sozinha no universo. A revelação mais antiga e mais sagrada liga-se a idéias que nascem delas mesmas  em  intelecto  virginal.  Retornemos  ao  frescor  original  de  nossas impressões, se aspiramos a nos  iniciar. Initium significa  começo; saibamos, pois, recomeçar para entrar na boa via.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

(1)Ver na Coleção Symbolisme nossa interpretação do Poema de Ishtar, tal qual nos
foi conservado em seu texto assírio. (Nota do Autor).