quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

FAZER O BEM

O místico que esvaziou o cálice simbólico aceita a vida iniciática com suas inelutáveis durezas. Ele deseja esclarecer-se à vista de agir utilmente no interesse da melhora da sorte dos homens. Qual é, desse ponto de vista, sua tarefa imediata senão que a de socorrer os vencidos pela vida? O infortunado que não pode bastar-se a ele mesmo tem direito ao socorro, e o Iniciado nas leis da vida torna-se seu devedor. A vida é geral em sua essência; existe solidariedade  entre  todos  os  vivos,  tanto  que  é  impossível  viver bem individualmente, sem se importar com os sofrimentos de outrem. O verdadeiro saber-viver considera a vida como uma corrente que não pode ir senão que do positivo ao negativo, logo, do rico ao pobre, do forte ao fraco e do inteligente ao simples de espírito; unicamente as trocas vitais tornam a vida ativa, e, assim, verdadeiramente viva e digna de ser vivida.
A vida não é preciosa se não for sã. Ora, no organismo, as células são solidárias; aquelas que sofrem entravam o vigor das outras. O que é verdade no microcosmo individual não o é menos no macrocosmo humanitário. Se a doença não encontra nenhum obstáculo, ela se difunde, abatendo regiões e povos inteiros. O dever é, pois, lutar contra o mal em toda parte onde a ocasião para isso se apresenta.
O menos difícil é contribuir materialmente para o consolo dos infortunados que possam ser socorridos. As religiões do trabalho têm, desde os tempos mais recuados, imposto aos seus adeptos a obrigação de assegurar a existência das viúvas e dos órfãos da confraria. O velho tornado fraco não estava mais abandonado; ele recebia cuidados convenientes e sabia que funerais honrosos lhe estavam reservados. Os Maçons modernos não quiseram se subtrair a esses tradicionais encargos sagrados; também cada Loja mantém seu tronco de solidariedade, sem prejuízo das contribuições a caixas de socorro e outras obras de caridade: orfanatos, asilos, etc.
O neófito realiza sua primeira ação maçônica associando-se à beneficência coletiva por uma doação proporcional aos seus meios; ele deposita discretamente seu óbolo no tronco cuja circulação fecha obrigatoriamente toda reunião de Franco-Maçons. Assim o ritual parece receber satisfação, quando, na realidade, suas exigências vão muito mais além.
Bebendo da água da vida, o adepto torna-se taumaturgo curandeiro. Ele assimila uma vida exterior a sua e dispõe de um acréscimo de energia vital. Isso pode ser entendido fisiologicamente, porque a transfusão de vida de um indivíduo para outro não é uma quimera. Os antigos sabiam curar pela imposição das mãos, e os discípulos atuais de Mesmer encontraram seu segredo. Mas o agente curativo é um fluido magnético emanando do corpo humano ou uma vibração a serviço da vontade? O grande arcano da arte medicinal não residiria, desde a origem, no fervor com o qual o curandeiro aspira a curar o doente? Curas foram obtidas em todos os tempos através de meios dos quais a ciência médica esclarecida sorri, ainda que reconheça, todavia, que um medicamento sem virtude intrínseca pode tornar-se o ponto de apoio de uma ação psíquica eficaz.
Nessas condições, é suficiente vibrar com um intenso desejo de consolar outrem, para intervir de modo caritativo, às vezes com sucesso manifesto. Nenhum bom sentimento se perde, e nossa compaixão ativa ajuda, ao menos, o doente a melhor suportar o seu mal, quando uma melhora temporária ou definitiva não é obtida. Não se trata de condenar aqui a medicina profana, e impedir-se de a ela recorrer; a Iniciação, porém, ensina a curar, porque a realização da Grande Obra corresponde à prática da Medicina Universal. Esta medicina é miraculosa, pois, procedendo da alma, ela age sobre a alma e sobre o corpo por intermédio da primeira. Ela se aplica, de preferência, à cura do mal moral e não exige, para ser exercida, senão uma sã inteligência acrescida de uma bela riqueza de coração. Amemos com toda nossa  alma e desejemos socorrer através todos os meios que a nós se oferecem: a inspiração fará o resto.
Se o místico permanecesse indiferente, desdenhoso de outrem em seu intelectualismo falsamente esclarecido, ele não participaria da vida superior dos Iniciados: suas provas seriam ilusórias e ele se condenaria a uma existência falsa. Entrincheirando-se na solidariedade vital, ele se comportaria no organismo como um abscesso ou um quisto. Tornar-se bom deve ser a preocupação ao mesmo tempo primeira e constante do neófito, porque toda Iniciação se edifica sobre a melhora perpétua de si mesmo.
Ora, podemos nos exercitar na bondade através de atos de generosidade que não devem se limitar a sacrifícios materiais: dar do supérfluo é bom; mas o pobre que recebe é capaz de dar com usura, se sua gratidão efetiva tornar-se psiquicamente operante. Aquele que é rico em vitalidade pode comunicar sua energia aos deprimidos. Ninguém é incapaz de fazer o bem sob uma forma ou outra; não há deserdado que não possa dar, ao menos, um bom exemplo, suportando seu infortúnio. Se um vem em auxílio dos  pobres  através de doações materiais, outro socorre os indigentes espirituais, instruindo-os. Um bom conselho vindo a propósito torna-se inestimável, mas o maior serviço não nos é prestado por quem nos coloca a caminho da descoberta do verdadeiro?
Iniciar aos iniciáveis é um dever sagrado para quem, saído das trevas profanas, entra na senda da luz. Nada é mais precioso que a sabedoria; também o supremo dever de caridade nos obriga a esclarecer-nos reciprocamente.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

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