sábado, 20 de agosto de 2016

SER OU ESTAR MAÇOM

Atualmente podemos afirmar que "Ser ou Estar alguma coisa" está se tornando uma expressão bastante difundida, que é utilizada para identificar se uma pessoa assumiu ou não seu posicionamento correto com respeito a qualquer organização da qual participa, como por exemplo - quando se desempenha um cargo público ou legislativo, tal qual o de "Estar Ministro", entre outros exemplos, sendo inclusive utilizado com personagens em programas humorísticos. Absorvendo este conceito e aplicando-o no seio de nossa Fraternidade percebemos que todos nós "Estamos Maçons" ao procedermos nossa Iniciação.
Estamos Maçons ao freqüentarmos a Loja e pagarmos as suas mensalidades e taxas. Estamos Maçons quando participamos de uma atividade organizada pela loja, uma atividade filantrópica, uma palestra, uma visita a outra Loja. Ou até mesmo Estamos Maçons quando meditamos sobre o nosso papel e partimos em busca da meditação interior em busca da verdade.
Mas o que é Ser Maçom? O verbo SER não poderia ser considerado sinônimo do verbo ESTAR. A caracterização mais expressiva é de que estar é um verbo que indica certo estado, portanto, há como que embutido em seu conteúdo certa passividade, enquanto que o verbo ser é ativo, representa ativação.
Ser Maçom é um estado de espírito que deve caracterizar o membro presente a toda situação em que pode ajudar e cooperar para que o mundo torne-se de alguma forma melhor. Ser Maçom é compreender que por mais poderosas que sejam as forças externas elas devem ser dominadas pela energia que tem sede em sua própria personalidade. Ser Maçom é ter consciência que sua presença discreta pode dar apoio a novos projetos úteis à comunidade e constituir-se num valoroso pilar de sustentação de valores mais nobres do indivíduo.
Ser Maçom é ser o eterno estudante que busca o ensinamento diário, tirando de cada situação uma lição, e aplica com êxito os princípios estudados. Desenvolve em toda oportunidade sua intuição, sua força de vontade, sua capacidade de ouvir e entender os outros. Temos que considerar que o Ser Maçom deve, como livre pensador, questionar o porquê de determinados acontecimentos entendendo e vivenciando nosso aprendizado que palmilhamos lentamente, com passos firmes para não tropeçar nos erros e vícios do passado, mesmo que em momentos saiamos da trajetória para poder compreender o mundo com uma visão holística de suas nuances.
O Maçom que se limita a ler ou estudar as instruções dos graus ou a literatura disponível e não procura aplicar em sua vida diária os conceitos que lhe são transmitidos, na busca do desbaste da Pedra Bruta, e em erigir o Templo Interno, perde excelentes oportunidades de ampliar seus conhecimentos e de verificar como o saber do aprendizado da Arte Real pode ser útil para o seu bem-estar na busca de seu retorno ao Cósmico.
O Ser Maçom é aquele estado em que, sem abandonar os hábitos de disciplina racional, a mente busca uma abrangência do universo, o conhecimento intrínseco dos fenômenos que estão ocorrendo, procurando desenvolver a sensibilidade e a compreensão das razões de estudo. O Maçom que desenvolveu sua mente para estar atento e acompanhar a evolução dos fatos sabe como conhecer as sutilezas que envolvem sua origens, como um oleiro que dá formas sutis ao barro bruto, enquanto que o Maçom modela sua própria consciência num confronto com sua própria personalidade.
Vivemos juntos e cruzamos com diferentes seres humanos que pensam e agem de maneira diversa da nossa. Isto nos propicia excelentes oportunidades de nos adaptarmos a estas personalidades e, sobretudo, de aprimorarmos as formas de inter-relacionamento. A sabedoria do bem viver é despertada quando nos conscientizamos dessas diferenças e procuramos compreender o indivíduo através de suas particularidades. Ser Maçom é despertar este sentido de compreensão do indivíduo e estar preparado para assisti-lo nos momentos de dificuldades. O exemplo de uma atitude mental moderada, sincera e cooperativa caracteriza muito o Ser Maçom. E todos notam que sob muitos aspectos, o Ser Maçom diferencia-se como indivíduo entre todos os outros.
No aprendizado inicial aprendemos que, além dos SS.'. TT.'. e PP.'., o Maçom deve ser reconhecido pelos atos e posturas dentro da sociedade e no meio onde vive, traduzindo de maneira diuturna o nosso aprendizado e a filosofia dos postulados da Arte Real. Sentimos que temos que desempenhar um papel mais complexo na sociedade e dar uma contribuição positiva para que ela se torne superior. Ser Maçom implica em algumas renúncias, mas a compensação que advém deste estado de espírito especial é muito agradável. Sentimo-nos como se fôssemos os autores da novela e não apenas os personagens passivos, criados pelos mesmos. Temos uma participação presente e atuante, embora que, aparentemente o Maçom apresente-se um tanto reservado. Já se disse que nos colocamos muito mais em evidência, quando nos mantemos como observadores e damos a colaboração somente quando é solicitada pelos outros, do que aqueles que procuram apresentarem-se como os donos da festa. Considerem, sobretudo, que encontramos muitas pessoas evoluídas e que podem ser consideradas possuídas de elevado espírito Maçom. Têm uma expressiva vivência das coisas do mundo e utilizam grande sabedoria em suas decisões, mesmo se nunca se tornaram Maçons.
Nós estamos Maçom ao entrarmos na Ordem e Somos Maçom quando o espírito dela entrar em nós. A diferença é muito grande, mas facilmente perceptível. Irmãos unamo-nos na trilha que leva ao Templo ideal e tomemos o cuidado para não Estarmos Maçons, para não trilharmos a Maçonaria simplesmente cumprindo Rituais, envergando a mera condição de um "Profano de Avental". Que todos avaliem como é bom SER MAÇOM!

FELIZ DIA DO MAÇOM PARA TODOS.

Texto recebido por email do Ir.'. José Bonato - Secretário Loja Athena 
Autoria não indicada.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A ÁRVORE DA VIDA E OS ANTIGOS MISTÉRIOS


Foi Jung que nos chamou a atenção para esse aspecto particular da nossa psique, que é o compartilhamento coletivo e inconsciente de uma simbologia que habita na mente da humanidade desde os seus primórdios. Essa simbologia, que ele chamou de mundo dos arquétipos, é um arsenal de conceitos, intuições e experiências que as pessoas, ao longo do tempo vão acumulando em suas mentes inconscientes e transmitindo aos seus descendentes, na forma de costumes, tradições e outros comportamentos que se tornam cultura popular. Esses traços de cultura, muitas vezes, se convertem em crenças e valores que acabam conformando a vida das pessoas e suas sociedades, tanto para o bem como para o mal.
A religião é uma dessas experiências psíquicas cujas raízes estão plantadas no inconsciente coletivo da humanidade, mas seus ramos e frutos têm, ao longo do tempo e da história, conformado a vida de grande parte da humanidade. Todas as pessoas professam alguma forma de religião, já que, de um ponto de vista lógico, o próprio ateísmo seria uma religião, ou seja, a religião sem Deus, a crença do ateu.
Quem, em sã consciência, consegue formular de maneira lógica os fundamentos da sua religião sem apelar, no fim dos seus argumentos, para o velho recurso da fé? E não dizer que os fundamentos da fé não se discutem, mas aceita-se ou não, e pronto?
Assim é porque a religião é um fenômeno fundamentado em arquétipos hospedados no Inconsciente Coletivo da humanidade desde as suas primeiras experiências psíquicas. Fenômenos observados na natureza e não inteiramente compreendidos; intuições sobre fatos e acontecimentos que a mente não consegue explicar; sentimentos intraduzíveis na linguagem pobre e rude das primeiras civilizações são o fundamento de todas as religiões.
O que não se consegue exprimir em linguagem organizada, conceitual, lógica, a nossa mente transforma em símbolo, mito, diagrama, metáfora ou outra forma qualquer de mensagem. Pois toda informação que o nosso organismo recebe através dos seus cinco sentidos é armazenada em nossa mente. Se é processada pela mente consciente torna-se conhecimento, se não é processada dessa forma, torna-se intuições, pressentimentos, superstições.
Assim, é a fauna inconsciente, que muitas vezes, torna-se uma crença arraigada, e acaba dando nascimento ao fenômeno da religião. Esse fenômeno, que foi explorado por James Frazer (O Ramo de Ouro, 1890), nos leva a um tema particularmente relevante aos adeptos da Cabala e da Maçonaria, que são os chamados Antigos Mistérios.
Como sabemos, todos os povos antigos costumavam, de alguma forma, prestar homenagens à Terra-mãe, através de algum tipo de sacrifício ou representação folclórica, que tinha por objetivo obter as graças da divindade, para que ela os premiasse com fartas colheitas.
Fenômeno observado em seus efeitos, mas nunca compreendido em suas causas, as antigas civilizações intuíam nesse comportamento da natureza uma reciprocidade de ação que era benéfica quando elas lhe prestavam culto e maléfica quando esse culto não era prestado, ou, no seu entender, era mal feito ou recusado pela divindade que presidia essa propriedade da terra. Se perguntados por que realizavam tais cultos, eles não saberiam dar fundamentos lógicos para isso, mas sabiam que algum resultado disso adviria, e ninguém duvidava da importância desses cultos. Porque eles estavam entranhados no próprio espírito desses povos, e não realizá-los, na forma devida, traria algum tipo de malefício para o povo.
No Egito, com os Mistérios de Ísis, ou na Mesopotâmia com os ritos consagrados à deusa Ishtar, ou na Índia com os Mistérios de Indra, esses festivais, como eram chamados essas representações, tinham um caráter social e religioso que davam marca a um simbolismo arquetípico da maior importância para esses povos. Até na Grécia e entre os povos que se desenvolveram sob sua influência cultural, esse simbolismo assumiu um aspecto tão fundamental em suas culturas, que a partir de certo momento da sua história transformou-se em um instituto patrocinado pelo próprio Estado. É o caso da República de Atenas, por exemplo, que recepcionou, na legislação que Sólon lhes outorgou, os chamados Mistérios de Elêusis, como marca fundamental e obrigatória de sua cultura social, punindo inclusive com penas extremamente severas aqueles que violassem o caráter sacro dessas instituições. Mais tarde esse instituto foi recepcionado na legislação romana, por imposição do Imperador Adriano em 125 da era cristã[1].
Os Mistérios de Elêusis, como sabemos, eram originalmente  um festival realizado na cidade santuário do mesmo nome, pequena aldeia próxima a Atenas. Fundamentado no mesmo espírito que hoje patrocina as festas populares dedicadas aos santos e santas padroeiras das nossas cidades, esses festivais tinham o objetivo de homenagear a deusa Deméter (Ceres, para os romanos) que, na mitologia grega, era a deusa que protegia a agricultura, personificada como a Terra-mãe. Porém, diferentemente dos nossos festivais religiosos modernos, o festival de Elêusis tinha marcas notadamente iniciáticas, pois contemplava uma parte não aberta à população, na qual somente pessoas escolhidas podiam participar. Esses eram os chamados “iniciados” nos Mistérios da deusa Deméter, a quem se acreditava eram conferidos importantes segredos iniciáticos, que iam desde conhecimentos científicos, políticos e sociológicos de alta relevância para a própria sociedade grega em geral, a segredos da religião grega, só acessíveis a alguns eleitos. A estes iniciados eram revelados, segundo Platão, os verdadeiros significados dos mitos e alegorias das lendas gregas, que constituíam o essencial das crenças que dominavam o espirito do povo helênico.
Deméter, a Terra-mãe, era vista pelos gregos como a mãe das almas, pois sua filha Perséfone (conhecida pelos romanos como Prosérpina), representava não só a semente que é plantada para dar renovos à vida, mas também o arquétipo da própria alma humana, ou seja, a Psique, que morre e revive no seio da terra. Assim, os Mistérios de Elêusis, como também os Mistérios de Ísis, no Egito, eram uma representação que tinha por objetivo homenagear os poderes da terra, capaz de gerar a vida a partir da morte. Dessa forma, se ela age assim com a produção da natureza, assim será também com a vida espiritual do homem, cuja continuidade depende do mesmo processo morte-vida, vida-morte, para que a espécie continue e evolua[2].
Com as variantes de estilo esses Mistérios eram praticados pela grande maioria dos povos antigos e sua fundamentação psíquica se apoiava no mito do sacrifício que se deve fazer à Mãe-terra para que ela outorgue, com benevolência, os seus frutos. Em muitos desses Mistérios, vidas de animais ou mesmo de pessoas eram sacrificadas à deusa. As lendas gregas estão cheias de histórias desses sacrifícios, onde, ás vezes, o sentimento humanístico do grego se revolta e levanta, no seio do povo, um herói para desafiar essas exigências, como nas lendas de Perseu, Teseu, Hércules e Prometeu. Nas civilizações da América pré-colombiana esses ritos eram praticados até a chegada dos colonizadores, com os vencedores sacrificando, no alto das suas pirâmides, milhares de prisioneiros, e deixando que seu sangue escorresse para as plantações, com o objetivo de fertilizá-las. Mais do que um ritual de crueldade, próprio de civilizações bárbaras e ignorantes, esse costume era uma variante dos cultos em homenagem à Mãe-Terra.
Isso mostra o poder dos arquétipos e o quanto eles conformam o comportamento das pessoas. Até na espiritualizada religião de Israel esse costume foi conservado, pois remanesceu na simbólica oferta do cordeiro pascal, como selo de Aliança entre o povo de Israel e seu deus. E o cristianismo, formado no simbolismo da religião judaica, espiritualizou esse arquétipo na mística oferta do sangue de Cristo, como o herói que se sacrifica pela salvação da humanidade. E a própria Bíblia, com os episódios do sacrifício de Abraão e Jefté, mostra que nos primórdios da sua civilização os israelenses também praticavam rituais de sacrifício humano.
Desta forma, a Árvore da Vida, biológica e espiritualmente, se renova e vai fornecendo, ad æternum, os seus frutos. Não é sem razão que Cícero, o grande orador romano dos tempos de César, ao comentar os Mistérios de Elêusis, nos quais era iniciado, disse:
Muito do que é excelente e divino faz com que Atenas tenha produzido e acrescentado às nossas vidas, mas nada melhor do que aqueles Mistérios, pelos quais somos formados e moldados partindo de um estado de humanidade rude e selvagem. Nos Mistérios, nós percebemos os princípios reais da vida e aprendemos a viver de maneira feliz, mas principalmente a morrer com uma esperança mais justa.”[3]
Mas para que ela se renove e dê, perenemente, seus frutos, é preciso que o homem a cultive. Assim, a Árvore da Vida, que originalmente fora plantada por Deus para sustento da Criação, a partir do momento em que o homem tornou-se consciente e capaz de fazer suas próprias escolhas, passou a ser cultivada por ele e dele depende para a sua produção. Assim é que pode ser entendida a dicção da Bíblia quando diz que “ o homem se tornou um de nós; para conhecer o bem e o mal. Agora, talvez ele estenda sua mão e tome também da árvore da vida, coma e viva para sempre.”[4]
Metáfora mais eloquente do que essa para figurar os Mistérios que a própria natureza, ao engendrar e desenvolver um processo para a evolução da vida não podia ser melhor urdida pela mente do homem. Pois aqui, como bem assinala Teilhard de Chardin, está o reconhecimento de que na Criação de Deus, e mais especificamente, na humanidade, se desenvolve um plano de construção cósmica no qual o homem não é, como se já pensou, o centro nem a finalidade, mas sim, um eixo privilegiado de evolução. Quer dizer, o universo não existe para servir o homem, mas sim o homem para construí-lo e dar-lhe uma orientação. Não se trata de negar as teses antropocentristas e antropomorfistas que colocam o homem como “medida” de todas as coisas como ingenuamente pensavam os humanistas do passado, mas sim de reconhecer um novo humanismo, que sem destronar o homem da sua importância no processo de construção da obra de Deus, o coloca no seu devido lugar: o de uma função bem definida nesse processo.
Porque ao cultivar a terra o homem tornou-se o responsável pela existência da Árvore da Vida. Expulso da sua condição primitiva de inocência inconsciente, onde a própria natureza o alimentava sem que ele precisasse dar nada em troca, ele agora tem que concorrer para produzir esses frutos. Tornou-se Senhor do bem e do mal. Da caça, da pesca, da coleta dos frutos da terra ─ estado paradisíaco que Jesus descreve em seu discurso como aquele em que o Pai do Céu nos sustenta ─ à agricultura, à domesticação e à criação de animais, à industrialização e outras conquistas civilizatórias, a humanidade depende agora, da sua própria ação para sobreviver. E assim, o homem, que antes cultuava a Mãe-terra Deméter com sacrifícios de sangue para que ela lhes prodigalizasse seus frutos, hoje deve oferecer-lhe o sacrifício do seu trabalho e dar-lhe por fim, o seu próprio corpo como semente para que ela continue a sustentar a Árvore da Vida.

Autor: João Anatalino
Notas
[1] – Dudley Wright – Os Ritos e Mistérios de Elêusis – Madras,2004
[2] – Os Ritos de Elêusis eram realizados em duas etapas: anualmente, no santuário de Agras, no mês de fevereiro eram realizados os “Pequenos Mistérios”. E de cinco em cinco anos, em Elêusis, eram realizados os “ Grandes Mistérios”.
[3] – Dudley Wright – Os Ritos e Mistérios de Elêusis, citado p. 24
[4] – Gênesis, 3:22;23

Fonte:
https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2016/08/17/a-arvore-da-vida-e-os-antigos-misterios/

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Cerimónia de iniciação e Iniciação


Como é sabido, a admissão na Maçonaria ocorre através de uma Cerimónia de Iniciação do interessado. Através dessa Cerimónia, o interessado adquire formalmente a condição de maçom. Mas adquire em que termos? É maçom enquanto continuar a integrar uma Obediência maçónica, ou a aquisição dessa qualidade é vitalícia, isto é, perdura mesmo que a pessoa em causa abandone a Maçonaria ou dela seja expulsa ou excluída?

Os defensores da primeira alternativa consideram que a admissão na Maçonaria pressupõe a aceitação das regras vigentes na mesma, designadamente na Obediência em que ocorre a integração, e  que essas regras, consubstanciadas normalmente em regulamento, estatuto ou equivalente conjunto de normas, estipulam que aquele que abandone a Maçonaria ou dela seja expulso ou excluído perde a qualidade de maçom. Quem estiver abrangido por qualquer destas situações será um ex-maçom.

Os defensores da segunda alternativa contrapõem que esta é uma visão puramente administrativa da questão, írrita porque a Maçonaria não se pode nem deve reduzir a uma estrutura administrativa, antes é uma organização iniciática. E o princípio iniciático impõe que quem foi iniciado, iniciado está e nunca deixará de estar, independentemente da sua situação burocrática ou administrativa, da sua ligação ou falta dela a uma estrutura maçónica. Conforme pontua René Guénon, numa citação proporcionada recentemente por um Irmão sabedor:

 "... as organizações iniciáticas diferem profundamente das associações profanas, às quais elas não podem ser assemelhadas ou mesmo comparadas seja de que modo for; quem se retira ou é excluído de uma associação profana não tem mais nenhum laço com ela e volta a ser exatamente o que era antes de fazer parte dela; pelo contrário, a ligação estabelecida com caráter iniciático não depende em nada de contingências tais como uma demissão ou uma exclusão que são de ordem simplesmente "administrativa", como já dissemos, e apenas afetam as relações exteriores; e se estas últimas se situam todas na ordem profana, onde uma associação não tem nada mais a dar aos seus membros, elas são pelo contrário na ordem iniciática, um meio simplesmente acessório, e de todo desnecessário, relativamente às realidades interiores, únicas que verdadeiramente importam." 

E, mais adiante, em nota associada:

 "... exemplo mais simples e mais vulgar no que diz respeito às organizações iniciáticas: é absolutamente inexato falar de um "ex-Maçom", como se faz correntemente; um Maçom demissionário ou mesmo excluído não fazendo mais parte de qualquer Loja nem de nenhuma Obediência não fica menos Maçom por isso; queira-o ele ou não o queira, isso nada altera; e a prova é que, se ele vier depois a ser "reintegrado" não é iniciado de novo..."  (In "Aperçus sur L'Initiation", Editions Traditionnelles, pag. 113 e 114. Paris, 1977)   

Ambas as posições têm aspetos que considero corretos e pontos que não merecem a minha adesão. É para mim claro que uma Iniciação não tem o mesmo restrito significado de uma adesão a qualquer associação ou coletividade, automaticamente extinta por vontade do próprio ou da entidade a que se aderiu. Mas também coloco reservas ao entendimento de que uma cerimónia de iniciação "cria" um maçom, que permanecerá maçom até ao dia de sua morte, contra ventos e marés, mesmo que não o queira e ainda que não se comporte como tal. A Iniciação não é uma simples adesão ou inscrição numa agremiação, mas também não tem, a meu ver, qualidades mágicas que transformem alguém para todo o sempre, mesmo que o não queira ou, decididamente, recuse comportar-se como é suposto fazê-lo quem se transforme.

O entendimento de René Guénon, que muitos seguem, na minha modesta opinião insere-se numa tradição e visão religiosa cristã que - quer queiramos, quer não - influencia o pensamento europeu desde há séculos e séculos. Nos seus trechos acima transcritos, onde se escreve "Iniciação" poderia , com as devidas alterações, escrever-se, por exemplo, "batismo" e tirar-se a mesma conclusão... Na tradição religiosa cristã, a integração na comunidade cristã ocorre pelo batismo e perdura até à morte - independentemente de o batizado ser, muitas vezes, um infante destituído ainda da capacidade de formar e expressar qualquer vontade sobre o assunto. E, parafraseando Guenon, também um cristão batizado que se converta a uma outra religião, se porventura se reconverter ao cristianismo não é batizado de novo - sinal de que o batismo cria um cristão para todo o sempre e independentemente de vontades e vicissitudes...

Em matéria religiosa, ainda posso entender que ao batismo se associe essa natureza transformadora indestrutível. Tenho, porém, muita dificuldade em aceitar, sem reservas, idêntica natureza transformadora indestrutível à Cerimónia de Iniciação.

Claro que uma organização iniciática difere profundamente das associações profanas. Claro que a Cerimónia de Iniciação é bem mais e bem mais profunda do que o preenchimento de uma ficha de adesão e uma decisão de aceitação de um novo "associado".

Mas considero errado dizer-se que quem se submeteu a uma Cerimónia de Iniciação maçónica fica automaticamente constituído maçom - e para toda a vida, suceda o que suceder, faça o que fizer, decida o que decidir.

Chamo à colação um exemplo histórico que penso permitirá ilustrar as minhas reservas:

"Num documento da Maçonaria, assinado por Egas Moniz, comprova-se que Agostinho Lourenço terá sido membro de uma loja maçónica, em 1914. As mesmas figuras que comparecem com ele, como o médico Ramon Nonato La Féria, na ocasião de uma cerimónia maçónica, testemunhada pelo jornal O Século, em 1931, serão perseguidas pela polícia que ele dirige, meia dezena de anos depois." (in http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/2016-07-17-O-anjo-negro-de-Salazar).

O sinistro e temível Capitão Agostinho Lourenço, todo-poderoso criador e diretor da PVDE, antecessora da PIDE, foi iniciado maçom! Anos depois disso, maré política virada e influente prócere do regime de Salazar, ilegalizada que foi a Maçonaria, não teve problemas em perseguir os seus antigos Irmãos. Devemos continuar, em nome da via iniciática, a considerar este personagem como continuando a ser maçom, e não um ex-maçom, quando se dedicou, ao serviço do seu senhor político a perseguir os que outrora considerara seus Irmãos? Para mim, não restam quaisquer dúvidas: aquele personagem não passou de, inequivocamente, um infeliz erro de casting...

É, para mim, claro que a Cerimónia de Iniciação não tem artes mágicas para transformar um profano num maçom. Nem todos os que se submetem à Cerimónia de Iniciação são verdadeiramente Iniciados. A Cerimónia de Iniciação (ver, neste blogue, A Iniciação (I) e A Iniciação (II)) é, a meu ver, essencialmente um catalisador que propicia a mudança e transformação daquele que a ela se submete, no sentido de passar de um profano a um vero Iniciado. Mas essa transformação ou é feita no próprio pelo próprio, ou não há Cerimónia que lhe valha...

Assim, e resumindo, a minha posição sobre este assunto é: um maçom verdadeiramente Iniciado é, sim, um maçom para toda a vida - e não haverá ventos nem marés nem vicissitudes nem vontades que mudem isso, porque, se foi verdadeiramente Iniciado, foi transformado e comportar-se-á em conformidade. Normalmente, não sairá, nem será excluído ou expulso. Se sair de uma Obediência, ou dela for excluído ou mesmo expulso, se foi verdadeiramente Iniciado e transformado, continuarei a considerá-lo como tal - e, se calhar, o problema será da estrutura que o afastou... Mas não basta ter passado por uma Cerimónia de Iniciação para ser verdadeiramente Iniciado. E aqueles que, embora tendo-se submetido a uma Cerimónia de Iniciação, não lograram - porque não quiseram, ou simplesmente porque não foram capazes - transformar-se a si próprios não me merecem o reconhecimento como Iniciados. Saindo, sendo excluídos ou expulsos, são simplesmente ex-maçons e, afinal, impropriamente, assim designados, porque não passaram de erros de casting...

No fundo, no fundo, ambas as posições têm a sua razão. O que importa é distinguir entre simplesmente passar por uma Cerimónia de Iniciação e ser verdadeiramente Iniciado. Aqueles serão ex-maçons, porque no fundo nunca foram maçons. Estes merecem sempre o nosso reconhecimento como tal, porque nunca desmerecerão da transformação que tiveram.

Disse. Não sei se bem, se mal. Mas disse e dito está!

Rui Bandeira
http://a-partir-pedra.blogspot.com.br/2016/08/cerimonia-de-iniciacao-e-iniciacao.html

Brilhante o Rui, como sempre!