domingo, 29 de dezembro de 2013

A MORTE

Então Almitra falou, dizendo: "Gostaríamos de interrogar-te a respeito da Morte."
        E ele disse:
        "Quereis conhecer o segredo da morte.
        Mas como poderíeis descobri-lo se não o procurardes no coração da vida?
        A coruja, cujos olhos, feitos para a noite, são velados ao dia, não pode descortinar o mistério da luz.
        Se quereis realmente contemplar o espírito da morte, abri amplamente as portas de vosso coração ao corpo da vida.
        Pois a vida e a morte são uma e a mesma coisa, como o rio e o mar são uma e a mesma coisa,
        Na profundidade de vossas esperanças e aspirações dorme vosso silencioso conhecimento do além;
        E como sementes sonhando sob a neve.
        Assim vosso coração sonha com a primavera.
        Confiai nos sonhos, pois neles se ocultam as portas da eternidade.
        Vosso temor da morte é semelhante ao temor do camponês quando se encontra diante do rei, e este estende-lhe sua mão em sinal de consideração.
        O camponês não se regozija, apesar do seu temor, de receber as insígnias do rei?
        Contudo, não está ele mais atento ao seu temor que à distinção recebida?
        Pois, que é morrer senão expor-se, desnudo, aos ventos e dissolver-se no sol?
        E que é cessar de respirar senão libertar o hálito de suas marés agitadas, a fim de que se levante e se expanda e procure a Deus livremente?
        É somente quando beberdes do rio do silêncio que podereis realmente cantar.
        É somente quando atingirdes o cume da montanha que começareis a subir.

        É quando a terra reivindicar vossos membros que podereis verdadeiramente dançar."

In "O Profeta" - GIBRAN KHALIL GIBRAN

sábado, 28 de dezembro de 2013

MITO E MAÇONARIA - UMA NECESSIDADE BEM ATUAL

A maçonaria, como toda instituição normativa, faz largo uso, em seu processo pedagógico, dos mitos. O mito, a exemplo da parábola, é instrumento eficaz na transmissão de idéias e valores considerados importantes e eram ambos, na Antigüidade, quase que exclusivos como estratégias discursivas de edificação moral.
Na maçonaria, o mito central é o da morte de Hiram Abif, sendo que a história da construção do Templo de Salomão serve-lhe, ao mesmo tempo, de preâmbulo e de contexto. Por isso, à evolução gradual do maçom correspondem as sucessivas transformações do mito, num processo dialético de crescimento onde o mesmo mito engendra novas e sucessivas visões de mundo, formando uma espiral ascendente.
Desde os primórdios da humanidade, o ser humano atém-se menos aos fatos e mais aos “significados” a ele associados. Essa tendência tem duas funções importantes num mundo que é um estranho desafio à compreensão humana: apazigua as emoções e dá sentido às ações.
Enquanto que o conhecimento científico se baseia em argumentos calcados em fatos e provas que pouco se importam com o sentimento humano, apelando para a razão, o mito tem sua veracidade baseada apenas na “aceitação” e na “coerência”. Daí resultarem essas duas formas de conhecer o mundo: a científica, denominada paradigmática, e a segunda, denominada narrativa*.
Embora diferentes, as duas formas de compreender o mundo são complementares, pois enquanto a primeira busca “a verdade”, a segunda busca uma explicação coerente e satisfatória às pessoas. A ciência pode criar critérios que distingam o bem do mal, a vida da morte; só a lenda e o mito podem nos inclinar a um ou a outro, pois organizam em torno de uma idéia toda uma constelação de crenças, sentimentos e imagens que induzem atitudes e comportamentos.
Algumas histórias que narram a origem do Universo, da vida e do homem, tornaram-se mitos coletivos e representam já o conjunto de verdades metafísicas das sociedades.
A ênfase maior da educação ocidental, tanto formal quanto informal, é na valorização do conhecimento científico, donde se compreende porque todo cartomante quer ser “professor” e toda doutrina esotérica se diz “ciência” do ocultismo. Em nossa sociedade, o que não é “científico” não é digno de crédito.
Mas como a visão científica de mundo não dá sentido aos desejos, nem explica os dramas e sofrimentos humanos, atende ao lado racional do homem, mas deixa em completa carência seu lado emocional. E esse é tão importante quanto o outro no equilíbrio psíquico (...senão mais!).
Na vã esperança de encontrar significado para sua vida pelo uso e abuso da linguagem racional, o homem moderno vive conflitos cada vez mais insuportáveis. Esse fato, se não é causa eficiente, é importante variável interveniente na explicação do surto de movimentos e seitas “irracionais” que se multiplicam ad-infinito nos dias de hoje; também, no outro extremo, ajuda a explicar o niilismo e ceticismo exacerbados do homem moderno.
Neste último século, muitos e importantes estudiosos do homem, como Karl Jung, Mircea Eliade, Joseph Campbell, vêm alertando para a importância de integrar a visão científica, racional, linear, com o modo narrativo, mítico, para que se possibilite uma nova harmonização da consciência humana.
Que o espírito humano não evoluiu no ritmo e velocidade da ciência e da tecnologia, é fato indiscutível. Numa época onde os sintomas de intoxicação da racionalidade são tão visíveis; onde os critérios da inteligência emocional já são considerados mais importantes que o quociente intelectual da racionalidade; temos que repensar os valores relativos que atribuímos às formas de percepção do mundo e da realidade.
Por isso, há algum tempo, por razões pessoais e profissionais, venho pensando a questão do mito. Além de ser instrumento pedagógico fundamental na Maçonaria, se constitui tema instigante em nossa época, tão orgulhosa de seu racionalismo e de sua tecnicidade.
A teoria de Max Weber do "desencanto" da sociedade moderna – no sentido da secularização e racionalidade crescentes – vem tendo hoje sua contraprova na descoberta dos mitos modernos – que, por fazerem parte de nosso caldo cultural são mais difíceis de serem percebidos –, que modelam idéias e comportamentos de indivíduos, grupos e inclusive organizações econômicas. 16 A resistência ainda encontrada em relação aos mitos, fruto de uma sociedade que fez o corte cartesiano 17 entre as coisas do espírito (emoções, intuição, transcendentalidade) e as coisas da matéria (racionalidade científica, praticidade, fruição), desvaloriza o mito no "mercado das idéias".
Esse meu interesse pelo tema foi recentemente reativado por um excelente artigo da psicóloga Alessandra F. Carreira 18, que, conquanto tenha por objeto o "mito individual" numa abordagem psicanalítica, renovou minha vontade de voltar ao tema com um tratamento novo e enriquecido por citações que reforçam a linha de raciocínio que venho há tempos perseguindo quanto à função do mito na Maçonaria. Lévi-Strauss 19 afirma que o mito é um sistema que se relaciona concomitantemente com o passado, o presente o futuro, pois, apesar de descrever um fato que ocorre num momento definido do tempo, é como se transmitisse não esse fato, mas uma estrutura. Essa estrutura, que é a lógica dominante da narrativa, é que se repete continuamente no mito.
Dessa forma, o mito é uma "história" que tem simultaneamente tanto uma função sincrônica (não-histórica, relacionando elementos de forma a transmitir uma mensagem) quanto diacrônica (histórica, inserida num período de tempo determinado).
Por nos colocar simultaneamente diante de uma narrativa que nos apresenta uma descrição de um fato aparentemente histórico e de uma lógica ("mensagem") que o ultrapassa, Rocha 20 coloca que o mito não é passível de interpretação, mas exige uma interpretação.
Os estruturalistas já haviam apontado nos fenômenos sociais essa possibilidade de mudança contínua dentro da permanência da mesma estrutura (algo como "as coisas mudam para que permaneçam sempre como estão").
O mito permite, por essa sua condição de temporalidade-atemporalidade, uma sucessão de interpretações que produzem uma evolução em espiral, isto é, variando-se a narrativa sempre em torno do mesmo eixo se vai evoluindo no sentido de níveis de percepção cada vez mais amplos. Enfatizando a "estrutura" e não os "fatos" narrados, Campbell 21 nos diz que o mito é a verdadeira história, pois ele não pretende descrever um fato histórico verdadeiro, mas deseja fazer alusão a uma verdade que, de outra forma, seria inenarrável, pois pareceria apenas "um mito", no sentido usual de "uma mentira". É a mesma opinião de Boyer 22, que, citando Lacan, nos diz que "(...) essa ficção mantém uma relação singular com alguma coisa que está sempre por trás dela e da qual ela porta, realmente, a mensagem formalmente indicada, a saber, a verdade. (...) A verdade tem uma estrutura, se podemos dizer, de ficção".
II
Essa "defesa" teórica do mito, como portador de uma mensagem significativa, não nos exime, contudo (talvez até nos obrigue a), de enfrentarmos uma questão extremamente importante, que a esta altura já deve estar na mente do leitor: mas em função de que o mito, uma narrativa de fatos históricos visivelmente inconsistentes, é aceita por uma coletividade de homens que se pretendem "racionais" e "modernos"?
Para compreender esse aparente paradoxo, temos que tratar separadamente os dois substantivos envolvidos na questão: "homens" e "coletividade".
A essência do Homem (ser humano) é sua dialeticidade, seu caráter eminentemente histórico. O ser humano não é um "Ser", mas um "Vir a Ser". O ser humano está em constante construção, e se define mais pelo caminho que pelos objetivos (os quais, diga-se de passagem, estão sempre além). Dado isso, sua estrutura existencial e a do mito são isomórficas: seu "Ser" é simultaneamente definido pelo passado, pelo presente e pelo futuro (e, acrescentaríamos, pelo transcendente), apresentando tanto um aspecto de permanência quanto de mudança. Se a descrição dos fatos históricos concretos, acontecidos, realizados, falam dos feitos humanos, de seus produtos, o mito, com sua intangibilidade, fala da e à própria essência do humano.
Falar de coletividade, por seu turno, implica uma abordagem sociológica, do ser humano enquanto ser gregário, parte de uma História que é coletiva e que contorna sua história individual assim como as margens de um rio contornam suas águas, orientando seu fluxo.
A História do Ocidente é a História da evolução social do modo de produção capitalista, que, para resumir ao que nos interessa, tem acentuado dois processos que, aparentemente distintos, se produzem, reproduzem e reforçam mutuamente: a ideologia da individualização (ilustrada pelo incentivo ao consumo individual e ao narcisismo, pela valorização individual no trabalho, pela política de diferenciação salarial, pelo enfraquecimento das organizações sindicais, etc.) e pela separação entre o trabalhador e o produto final de seu trabalho, que faz com que não nos reconheçamos mais naquilo que produzimos (ao contrário dos mestres artesãos, por exemplo).
A resultante desses dois processos é um sentimento de separação da coletividade, de nãopertinência, de isolamento, um sentimento de que o social não é uma responsabilidade nossa.
Como ser essencialmente social, contudo, o ser humano, pela necessidade de pertencer à comunidade, fica com um "furo" existencial, um vazio, um profundo sentimento de solidão, que gera uma necessidade profunda de re-ligar-se ao coletivo, de re-pertencer à comunidade. Aliás, re-ligação é a origem etimológica da palavra religião.
Não é essa a base de onde a propaganda consumista tira sua força: "Torne-se diferente. Compre o que todo mundo compra"?.
Pertencer à Ordem, satisfaz uma série dessas carências psicossociais criadas pela evolução histórica do capitalismo: nosso sentimento de solidão; nosso sentimento de des-pertinência; a secularização de nossos valores, que nos separou da fonte transcendente de explicação de nossas existências; nosso sentimento de pequenez, por nos sentirmos indivíduos isolados frente a organizações econômicas, sociais e culturais cada vez mais poderosas; e outras razões mais pessoais que podem ser acrescentadas ad infinitum.
Essa necessidade psicossocial de religar-se, de tornar a pertencer, é satisfeita pela adesão ao grupo - à Loja, como instância concreta de participação, e à Ordem, como instância simbólica de Poder.
Mas isso, por si só, não explica o porquê de, entre tantas ofertas, optarmos por essa ligação específica. Aí aparece a importante função desse duplo caráter (imanente e transcendente, histórico e a-histórico) do mito. O mito que com-partilhamos, no nível narrativo, por ser também "um segredo", tanto nos identifica (nos dá uma identidade) quanto nos distingue (nos faz diferentes e - se isso não ofender ninguém - nos dá um certo sentimento de superioridade).
No nível da Verdade que ele contém - verdade efetivamente misteriosa, pois que nos introduz, pela Iniciação, numa senda que nos compromete com uma busca que envolverá nossa vida toda, em níveis cada vez mais profundos, dos quais os três Graus simbólicos são apenas pálidas representações - ele atende à nossa necessidade de transcendência, pois "explica" o porquê do sentimento de perda que experimentamos, a "perda da sabedoria ancestral", a "nossa" perda do paraíso.
Nesse sentido, o mito que nos une torna-se nosso "Graal", nossa "pedra filosofal", e talvez por isso (por buscar uma Verdade racional e transcendente) tenhamos esse sentimento de que a Maçonaria é uma "religião laica", ou "uma racionalidade mística", ou a "religião natural" que atraiu antigos e modernos.
III
Nesta altura de nossa reflexão, chegamos à terceira, mas não menos importante, questão: se vincularmos a Maçonaria à questão sociológica de uma sociedade que se des-humaniza de forma tão evidente por razões morais, políticas e econômicas as mais diversas, a Maçonaria faz parte do problema ou da solução?
Encontramos a resposta na própria filosofia que se desenvolve a partir da busca da Verdade que a Ordem vem secularmente fazendo. O caráter dialético dessa filosofia, que se impõe em nossas Instruções, nas pesquisas e nas reflexões sobre a Ordem, deriva como conseqüência necessária do caráter dialético de sua base: o mito. Não é isso (só para não nos alongarmos em mais argumentos) para o que se alerta quando refletimos sobre "o perigo" do número Dois, ou sobre como o Um que se revela Dois tem sua síntese (e superação) no Três?
Se nos deixamos seduzir por um dos termos da proposição, o aspecto da satisfação de nossas necessidades psicossociais, sentindo-nos "justificados" e "satisfeitos", então estamos a um passo de nos tornarmos adeptos do "narcisismo coletivo" que acentua o quanto somos seres "especiais", detentores de uma verdade que os pobres profanos desconhecem. Aí, desconhecedores do conteúdo, nos satisfazemos com as formas, e idolatramos os símbolos (inclusive medalhas e diplomas) – isto é, tomamos a representação como se fosse o objeto que ela representa.
Cultivaremos a "alienação" – uma falsa explicação da realidade, falsa porque toma a imagem pelo objeto e confunde a essência com a aparência. Não percebemos que, entre os buscadores sinceros da Verdade, "nem todos os que estão são e nem todos os que são estão". Como conseqüência, dividimos o mundo de forma maniqueísta entre bons (nós) e maus (os profanos), entre puros (nós) e impuros (os profanos), e (heresia das heresias maçônicas) criamos um novo fundamentalismo. Com essa opção, fazemos parte do problema, pois apenas acentuamos o mal que desejamos eliminar: a inconsciência da unidade do Humano, que não admite separações ideológicas, sejam elas econômicas, políticas ou religiosas. Isso talvez explique parte das "desilusões", do "absenteísmo", e do apego orgulhoso aos "feitos" e aos "heróis" de nosso passado – apego que pode ser legítimo, se não transformar esses feitos e esses heróis de "exemplos" em "medalhas" 23. Se, por outro lado, nos conduz à Verdade que o "segredo" do mito, com sua dialeticidade pretende nos transmitir: que somos parte d'A Verdade, por mais que a desconheçamos, e isso faz de nós uma Unidade (o que não exclui as diferenças naturais), seres com compromissos coletivos e universais (nossa filosofia tem resistido aos séculos porque transmite essa parcela da Verdade, não só nas linhas e entrelinhas das Instruções, como no Ritual, nas Iniciações e nos símbolos); que, como corolário dessa proposição, toda ideologia que pretenda romper com essa unidade é sectária e des-humana e, como tal, tem que ser combatida.
Que, como conseqüência dessas proposições, temos um compromisso de engajamento ao processo de re-humanização do mundo, compromisso que nos obriga a – mesmo que como indivíduos "estejamos" vinculados a uma religião ou a um partido – uma postura teleológica que nos faz adotar valores que estão sempre acima e além dos partidos e das religiões, nos unindo no respeito fraterno às diferenças individuais, culturais, políticas e religiosas; então estaremos contribuindo para o processo de desalienação do ser humano, para a realização (mesmo que utópica) da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, e aí, sim, faremos parte da solução e não do problema.
In Pedra por Pedra - Francisco Cezar de Luca Pucci

Bibliografia:
16 ZIEMER, Roberto. Mitos Organizacionais. São Paulo: Atlas Editora, 1996.
17 A hipótese de que tal cisão se deve a Descartes ainda está por ser demonstrada.
18 CARREIRA, Alessandra Fernandes. O Mito Individual como Estrutura Subjetiva Básica. Revista Psicologia Ciência e Profissão, nº 3, 2001, p. 58.
19 LÉVI-STRAUS, C. (1970) Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro. In: CARREIRA, Alessandra Fernandes, op. cit.
20 ROCHA, E. (1991) O Que é Mito. São Paulo: Brasiliense. In: CARREIRA, Alessandra Fernandes, op. cit.
21 CAMPBELL, Joseph. (1991) O Poder do Mito. São Paulo: Editoria Palas Athena.
22 BOYER, P. (1977) O Mito no Texto. In: NASCIMENTO C.A.R. do. Atualidade do Mito. São Paulo: Livraria Duas Cidades. Citado em: CARREIRA, Alessandra Fernandes, op. cit.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A ABERTURA DE UMA LOJA NO PRIMEIRO GRAU

Uma das características do Ritual maçônico que mais surpreende aos homens pensadores e imaginativos é que as frases tão simples e claras, que quase parecem familiares, despertem como por magia idéias na alma e a aguilhoem para que busquem seu caminho às apalpadelas entre as palavras, como se essas fossem portas que conduzissem a outro mundo longínquo, mundo espaçoso, cheio de maravilhas, mistério e realidade.
Dissipou-se mais engenho em inventar interpretações das sentenças pronunciadas na cerimônia da abertura do que em nenhuma outra parte do Ritual. Estas perguntas e respostas produzem a impressão – impressão que a familiarização contribui para tornar mais profunda - de que se trata de grandes coisas em preparação, de que se chama à existência poderosas forças e que se vão revelando segredos ocultos e empreendendo momentânea ação. Já a primeira frase: - que consiste de sete palavras (coisa bastante notável) - nos chama a atenção, imediatamente, como toque de clarim que revela o esquema introdutório dos fundamentos da Franco-Maçonaria. "Irmãos, uní-vos a mim para abrir a Loja". Esta é a chamada do V.'.M.'., o Chefe eleito e aceito, o representante do Altíssimo. Por meio dela se afirma a Fraternidade, convida-se à cooperação, anuncia que vai realizar-se um ato e que vai se levar a cabo a Abertura de uma Loja, isto é, desse corpo integral de que cada Ir.'. constitui uma parte. 
Entre as diversas interpretações que se tem dado à abertura da Loja, nos propomos que se eleja uma só: a de "microcosmos" do homem individual ou maçom. Trataremos de relacionar a cada Of.'. e  Ir.'. com algum elemento claramente definido da estrutura psicológica humana, e de dar a cada frase da cerimônia de abertura, uma significação apropriada à disciplina de cada poder e faculdade do homem, a fim de que este possa preparar-se para empreender qualquer ação.
Se realizarmos o nosso propósito com finalidade, não só veremos que existe uma relação fácil de descobrir entre cada Of.'. da Loja e os elementos que constituem a natureza complexa do homem (que consta de corpo, alma e espírito), senão que cada palavra da cerimônia pode ser aplicada de maneira a que o maçom há de encontrar-se em si mesmo, antes de levar a cabo uma empresa e chamar suas forças à existência, para estar em condições de realizar seu trabalho com  são  juízo, com força inteligente e com a beleza de um hábil obreiro.
Tão perfeito é o sistema bosquejado que se pode aplicar a todos os grandes e pequenos atos individuais, por  exemplo: ao governo de um reino ou à redação de uma carta; para ajudar a amigo, ou para resolver um problema, para dar uma conferência, ou sustentar uma conversação, ou para formar um plano de trabalho a realizar um dia, em uma hora ou em um momento.
Em algumas Lojas se observam certas cerimônias preliminares, como a de entrar no Templo em procissão e acender as luzes. Esta cerimônia significa nosso afastamento das lutas do  mundo externo, a situação de cada faculdade em seu lugar adequado e a entrada de uma atitude ou atmosfera espiritual, da qual exclui o ar vulgar das ocupações mundanas. Elas nos recordam o inesgotável depósito de poder espiritual do qual podemos deduzir, se quisermos. Sabedoria infinita, Força onipresente e Beleza que resplandece pelo Universo inteiro.
Para poder fazer uma apresentação mais completa de nossa tese, vemo-nos obrigados a recorrer à Ciência psicológica do Oriente, porque esta é a analise mais completa e aperfeiçoada do caráter psicológico do ser humano; embora a psicologia Ocidental vá se aproximando rapidamente da antiga e primorosa classificação Oriental, não está bastante definida para servir...alheia a nosso propósito. E...conhecer as análises budistas e hinduístas...usadas no Ocidente, dando também os termos sânscritos em benefício dos estudantes habituados a seu emprego. Podemos fazer o seguinte quadro de nossas correspondências:           



Observe-se a principal diferença existente entre o P.'.M.'.I.'. e os demais OOf .'. da Loja; ela consiste em que o primeiro representa o   atual, o realizado e completo, e os demais o que existe potencialmente. O P.'.M.'.I.'. representa o que o homem fez e os demais OOf.'. o que eles podem fazer. Passemos agora a examinar cada uma das perguntas e respostas da cerimônia de Abertura:
Vimos já que as palavras de abertura pronunciadas pelo V.'.M.'., “IIr.'., uní-vos a mim para abrir a Loja”, constituem uma invocação do Mestre de Sabedoria, a todos os poderes e faculdades que possui o homem, para que o ajudem no trabalho que vai realizar. Depois o Mestre volta-se para a Mente criadora, projetadora ou geradora ou imaginadora de formas e de linhas de conduta, e lhe pergunta: - “Qual é o primeiro de vossos deveres em L.'.?”, o qual responde aquela, que consiste em - ”assegurar-se de que o T.'. está a coberto de profanos”. O  M.'. instrui a Mente para que cumpra seu dever; a Mente transmite a ordem ao Cérebro e este  último, após certificar-se de que o Corpo físico se "encontra no lugar que lhe corresponde", manifesta que o T.'. está a coberto de profanos.
Poderiam escrever-se muitos volumes acerca do trabalho da porta da Loja, que se descreve como o primeiro e constante dever de toda Loja pertencente à Franco-Maçonaria. Um dos aspectos deste trabalho consiste no segredo, porém deixemos isso de lado e limitemo-nos à FUNÇÃO do Guarda Externo do Templo, como representante do Corpo físico.
Enumeremos, para começar, os fatores externos dos deveres do Porteiro:

1º - permanece na parte exterior da porta do Templo;

2º - vai armado com uma e.'.;
  
3º - há de impedir a entrada de intrusos e profanos;

4º - cuidará de que os CCand.'. entrem convenientemente preparados.

Representando o Porteiro, o Corpo físico, que é o elemento mais exterior da personalidade, não cremos que seja difícil compreender o motivo de sua permanência fora do Templo, posto que, não se possa permitir a entrada no recinto do Templo nada que pertença à personalidade, nem os apetites e desejos do corpo. Tem se dito acertadamente que, assim como as vestes exteriores e os chapéus devem ser retirados e, deixados fora da Loja, assim também, deve cada Ir.'. abandonar seus sentimentos pessoais à porta do Templo.
Não devemos, porém, nos satisfazer unicamente com excluir do Templo as influências indesejáveis, já que o  Guarda  Externo é um Ir.'. M.'.M.'. e um Of.'. da Loja. Ainda que pareça desterrado de seus IIr.'. que se encontram no interior do T, nenhuma L.'. está completa se carece dele, uma vez que o primeiro dever de todo G.'. I.'. do T.'. é procurar que ele se encontre em seu posto. Sem ele não se pode abrir a L.'. e, se ele deixa de cumprir o seu dever, o trabalho daquela sessão perde sua efetividade. O Porteiro não deve abandonar, nem por um só instante, seu posto, há de estar sempre alerta e pronto para ação. Jamais embainhará sua e.'.. Para manejar esta com eficiência, deverá possuir qualidades genuínas: vigilância, prontidão, força, habilidade, decisão instantânea, valor e infatigabilidade.
Cremos que a significação de tudo isso é bem evidente em nossa análise psicológica. Em todo o trabalho que empreendermos, nosso primeiro dever constituirá em vemos se possuímos as condições físicas que a obra requer. As boas intenções, os elevados propósitos e as nobres resoluções não têm utilidade alguma, a menos que se possuam os meios materiais para se poder efetivá-los. A pedra de toque da vida aplicar-se-á sempre no plano físico. A Maçonaria não consiste tão só em alta filosofia e exaltada ética, senão que, além disso, é essencialmente prática. Os fundamentos espirituais do Amor fraternal, da Caridade e da Verdade, hão de ter suas contrapartes físicas no plano material.
O cuidado aplicado ao setor individual constitui  um aspecto importante do labor do Guarda Externo do T.'.. A deficiência da saúde do corpo pode ser não só uma influência indesejável, como, além disso, que a obra das demais faculdades percam sua efetividade. A debilidade corporal, a negligência, a preguiça, a lentidão, a covardia e a falta de destreza podem tornar ineficaz a vigilância ou diminuir a eficiência da obra. Bem disse um grande Instrutor oriental: “o primeiro  passo que se há de dar no caminho que conduz ao NIRVANA é o de possuir uma perfeita saúde física”.
Assim, pois, o Porteiro (Corpo  físico) fisicamente considerado, representa a atividade física, a qual depende em grande parte da saúde do corpo. Como o Porteiro não deve intrometer-se, nem ser obstáculo, esta função se cumpre melhor quando se goza de perfeita saúde. O corpo, fiel servidor de seu dono - a Mente, atua tanto mais perfeitamente quanto menos consciência de sua existência tem o homem.
Porém, ainda temos de levar a coisa mais adiante e considerar que o Porteiro representa todos os aspectos físicos de nossas empresas. Em toda a parte da obra, o primeiro e constante cuidado deverá se concentrar nos materiais e aplicações físicas. O artesão precisa de materiais para seu comércio e de instrumentos de trabalho, e não existe prova melhor de ser um bom trabalhador do que a de ter em  ordem seus instrumentos, dos quais, o mais importante é seu próprio corpo.
Portanto, todo o verdadeiro M.'. deve providenciar para que as ferramentas, sistemas, projetos e aparatos físicos dos quais vá necessitar, sejam os mais perfeitos possíveis e estejam bem cuidados. E só quando haja cumprido estes requisitos, é quando estará em condições de empregar suas faculdades, proveitosamente, na obra maçônica que há de realizar.
Permita-se-nos que saiamos um pouco do tema do Guarda Externo do T.'. ou Porteiro externo, para dizer que o dever imediato do V.'.M.'. é o de assegurar-se de que todos os IIr.'. que se achem no T.'. sejam MM.'., coisa que se comprova imediatamente.
A aplicação psicológica disso é evidente. É necessário que nos começos de toda empresa provemos, nos compenetremos e nos demos conta de quais sejam nossos sentimentos, motivos e pensamentos, com o objetivo de constatar se são dignos de quem é  maçom, se obedecem à reta lei do e.'. e se são puros e imaculados os distintivos dos Franco-Maçons.
Depois o V.'.M.'. pergunta quais são os três  OOf.'. principais, como se chamasse à existência as forças que lhe correspondem, e que são: a Vontade que procura, a Força impulsionadora, a Mente que concebe os planos de ação e a Sabedoria que guia. Estes três OOf .'. ocupam cadeiras de presidência e representam os princípios estáticos do homem, mananciais do poder e não os veículos que transformam a energia em ação.Para este último propósito, cada um deles tem um Of.'. auxiliar que é móvel e dinâmico, tem liberdade para mover-se pelo assoalho da L.'. e obedece aos mandatos das Presidências: a Sabedoria dirige a razão (1º Diác.'.); a Verdade dá energia ao desejo (2º  Diác.'.) e a Mente estimula o cérebro (Cob.'. I.'.) à ação.
Voltando novamente a tratar do Porteiro, e havendo já falado da primeira parte de seu dever, quiçá nos seja proveitoso examinar a função que exerce quando cuida de que os ”CCand.'. estejam convenientemente preparados”. Ao mesmo tempo em que mantém afastados os intrusos, há de conservar alertas as avenidas dos sentidos, de tal forma que as novas impressões e o novo conhecimento ou experiência, entrem, quando estejam “convenientemente preparados”. Em relação a isto, é interessante saber que podemos aplicar cada um dos detalhes da preparação do Cand.'. à maneira de como deveríamos receber os novos fatores e considerações, depois de um detido exame, e pô-los à prova e aplicá-los ao trabalho maçônico.
Portanto, devemos despojá-los de toda a idéia de lucro pessoal; devemos cegá-los, para que, em vez deles nos dirigirem e nos torcerem, sejamos nós que o façamos. Uma vez que separemos todas as traves e obstáculos, devemos preparar-nos para aplicá-los, potentemente, à ação. Com o coração puro, temos de nos preparar a aplicá-los ao serviço dos que tenham necessidade de simpatia ou ajuda, ainda que com o risco de que nossos esforços encontrem como resposta, a ingratidão, a hostilidade ou a incompreensão. Devemos ansiar por oferecer tudo quanto possuímos, dobrando os joelhos para reverenciar ou para fazer humildes serviços, e mantendo-nos todo o tempo em contato com a Mãe Terra, duro leito rochoso da ação prática; devemos nos preparar para aplicar todo o nosso poder ao objetivo que tenhamos em vista, desafiando todos os perigos, até mesmo a morte.
O passo seguinte dado na cerimônia de Abertura, em relação ao Cob.'. I.'. ou cérebro, consiste em descrever a função do cérebro que é a vida do corpo, isto é, em admitir princípios conhecidos e dispensar os que sejam desnecessários, assim como em dar as boas vindas, com as devidas precauções, a novas idéias e flamantes conhecimentos. O Cobridor Interno vem a ser o servente da mente (2º Vig.'.), segundo diz o Ritual; lição bastante fácil de compreender, embora nem sempre se possa aplicar com facilidade. Nem todos os Maçons podem converter seu cérebro em servo obediente à mente, porque, às vezes, aquele se rebela contra esta, arrastando-a consigo. Observe-se de passagem que, segundo o sistema oriental, a Mente Superior governa o fluxo do Prana ou Vitalidade, com que se quer dar a entender que a direção da saúde corporal se radica na Mente, como muitas escolas do pensamento proclamam atualmente, quiçá errando em algo.
Os deveres do 1º Diác.'. e do 2º Diác.'. que se descrevem em suas respostas um pouco desconcertantes, e que seja dito de passagem, não parece que se cumprem nas cerimônias atuais, têm um alto interesse psicológico. Cremos conveniente estudá-las juntas.
O  1º Diác.'., que representa o intelecto ativo e raciocinador, a consciência normal em estado de vigília, há de levar as mensagens e comunicações da Sabedoria à Vontade. Esta última representada pelo 1º Vig.'., é quem procura a Força impulsionadora para a realização da obra, energiza o seu servente ou mensageiro (2º Diác.'.) ou o Desejo, que, por sua vez, transmite a ordem ao 2º Vig.'. (ou a Mente Criadora), que é quem recebe os planos de realização da empresa.
A manifestação que o 2º Diác.'.  há de ver se “cumpriram as ordens pontualmente”, refere-se ao fato de que o Desejo é insistente e se mantém ativo - poderíamos dizer quase agressivo - até que a Mente tenha aceitado a ordem e formulado um plano para executá-la.
Similarmente a Mente inferior, a Razão, representada pelo 1º Diác.'., “espera a volta do 2º Diác.'.”, isto é, que a consciência normal vigílica permaneça em estado de espera, na expectativa, até que o Desejo se satisfaça e cesse sua atividade, ao haver alcançado o seu propósito.
Uma vez definido desta torna os fatores inferiores, dinâmicos ou ativos, verifica-se uma notável  mudança na fraseologia, pois o V.'. M.'. dirige-se aos elementos estáticos superiores, representados pelos VVig.'. e lhes pede uma explicação raciocinada.
No Ritual descreve-se o lugar que ocupa o 2º Vig.'. ou Mente Criadora, dizendo que assinala o Sol em seu  meridiano, ou seja, o ponto mais elevado que este astro ocupa no céu. Isto parece indicar que o nível superior de consciência a que pode chegar o homem no primeiro grau é o da Mente Superior. Mais ainda, que a Inteligência Suprema há de dirigir o homem como o Sol ao dia; e assim como os movimentos deste astro servem para chamar os homens ao trabalho e ao descanso e vice-versa, do mesmo modo, a Inteligência Suprema determina o momento em que os homens hão de atuar e quando devem abandonar  a ação, quando hão de trabalhar e quando podem jogar. Só quando a Inteligência e não o Desejo ou a Vontade dirige e governa, é quando se tira proveito e prazer, isto é, e quando o  homem pode ser, ao mesmo tempo eficiente e feliz.
E passando a tratar do  1º Vig.'. - a Vontade - que representa o término do dia, o Sol poente, saiba-se que quando o  V.'. M.'. - ou a Sabedoria, o Ego reinante da consciência íntegra - ordena, a Vontade extrai da L.'. a força motriz e desta forma dá fim à empresa. Porém isto não se realiza senão quando cada Ir.'. ”tenha cumprido seu dever”, ou seja, depois de haver exercitado plenamente todas as faculdades e poderes e de haver feito todo o possível.
E por último, o Ritual diz que o V.'. M.'. - ou a Sabedoria - representa o Sol nascente, o manancial da Luz, a origem da consciência. Em cada um de nós existe um  M.'., ainda que não tenhamos consciência disto; o M.'. que é o Ego da consciência, o Governador e o verdadeiro mandatário de nossas vidas e de nossas ações. Este Ego supremo é quem abre a Loja e quem nos põe a trabalhar "empregando e instruindo os IIr.'. na Franco-Maçonaria", isto é, dirigindo e empregando nossas faculdades no Ofício da vida.
O V.'. M.'. - ou a Sabedoria - já chamou à existência a todas as suas faculdades subordinadas e definiu a tarefa que corresponde a cada uma delas; porém, antes de dar começo aos trabalhos, a consciência se dirige ao Supremo Arquiteto, para reconhecer que unicamente d’Ele é de onde procede toda a Sabedoria, toda a Força e toda a Beleza. E por isto recita uma prece, pela qual pede que a obra iniciada com método e ordem se encaminhe harmoniosamente para sua pacífica conclusão. Na conhecidíssima fórmula "todas as faculdades apóiam esta prece e determinam que assim seja".
O V.'. M.'. declara agora aberta a L.'. em nome do G.'.A.'.D.'.U.'., dando a entender com isto, que todas as suas faculdades e poderes estão alertas e prontos à ação, presteza que se indica por meio do sinal que fazem todos os IIr.'. neste momento.
A descida do último P.'.M.'. ou do Orad.'. para abertura do L.'. da  L.'.(Bíblia) e a exposição especial do e.'. e do c.'. significam que todo o conhecimento passado e toda a experiência se transportam ao campo da ação, para seu futuro emprego; que a Sabedoria acumulada dos séculos, tal como se encontra escrita na Bíblia, está depositada na L.'. e que os eternos símbolos do e.'. e do c.'. se encontram ante nossos olhos para regular nossas ações e, manter-nos dentro dos devidos limites para com todos os homens. Também  se nos recorda que tudo quanto somos e conhecemos procede unicamente de Deus, única origem da luz e da vida, e que toda a ação não é senão manifestada pelo Verbo de Deus.
Esta é uma interpretação simples e elementar da abertura da L.'. dos Franco-Maçons no primeiro Grau, a qual se verifica de tal forma que sua majestade, sua dignidade, sua invocação ao Supremo e o melhor que há em cada um de nós, é seu estímulo para que tratemos de divisar por detrás do externo véu das palavras e das formas, esse secreto mundo interno de coisas, do qual não são senão transitórios e fugazes efeitos, todos estes elementos de nossa vida externa não se percam nem desmereçam, apesar de que a cerimônia se repita continuamente.
Em conclusão, resumamos brevemente a abertura em termos da presente interpretação psicológica. Antes de empreender uma obra, seja qual for a sua magnitude, o maçom concentra suas forças e se coloca na devida atitude e ambiente, recordando a infinita Beleza, Força e Sabedoria, donde pode extrair, se quiser, os  materiais que necessite para integrar-se a si mesmo. Logo, aperfeiçoa dentro do possível, todas as condições físicas necessárias à empresa; examina e prova seus motivos para ver se são puros e imaculados. Ao eliminar cuidadosamente todas as influências indesejáveis e indignas, abre a porta de sua natureza para dar entrada, depois de detido exame, a todos os materiais ou conhecimentos novos que lhe possam servir para realizar a obra.
O Ego Supremo emite o seu mandato, o qual por meio da consciência normal de vigília se transmite à Vontade, a qual lhe dá seu impulso que, por sua vez, se converte em urgente desejo; em continuação a Mente imaginativa concebe um plano de Beleza que translada ao cérebro e ao corpo para que o levem a cabo.
De maneira que todos esses atos são dirigidos pela Vontade e seu impulso se deriva dela; porém, emanam do Ego Supremo ou Sabedoria. No entanto, o maçom deve sempre ter presente que tudo quanto ele é procede unicamente de Deus, seu Senhor, porque, como as Escrituras cristãs citadas no Ritual dizem com palavras que não se podem parafrasear sem destruir sua beleza, em Deus radica a única inspiração. "Suas são a primeira e a última palavra e o princípio e o fim de toda a ação é com Deus, é a ação do mesmo Deus".
In "A Magia da Maçonaria" - Arthur Powell

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A CHAMADA DA MAÇONARIA

Todo aquele que sente os ideais do Franco-Maçonaria deve ter se perguntado, alguma vez, por que esta Ordem o atrai, e o que nela o retém. Em realidade, somos muitos os que fazemos esta pergunta continuamente e formulamos respostas que não afetam senão as bordas do problema, porque sempre há um elemento que se nos escapa: algo intangível e indefinido que podemos localizar, definir ou analisar, apesar de que é absolutamente real, de que está definido de um modo perfeito, e que existe, sem dúvida alguma, algo que exerce inconfundível sedução; algo que, ao mesmo tempo em que acalma o homem interior, aumenta-o em grau extraordinário algo misterioso, sedutor e estimulante; que nos impele perpetuamente para diante, como finito impulso para um infinito objetivo.
Mais notável, entretanto, é que, muito tempo antes de sabermos o que é, na realidade, a Franco-Maçonaria (que, não obstante, sentimos no fundo de nosso coração), já nos damos conta disso. Pois, ainda que a maioria dos candidatos à Maçonaria tenha uma ideia vaga e geral de que esta é digna de respeito e creem que é uma venerável instituição que inculca elevados ideais relativos à vida, não lhes é possível saber muito mais acerca desta associação. Pouco ou nada pode saber o profano de suas cerimônias, embora saiba que estas existam. Não obstante, a absoluta ignorância dos ensinamentos e métodos da Franco-Maçonaria – não é obstáculo para que os homens se iniciem em sua Fraternidade.  Tão pouco explica o problema, a cínica afirmação de que à atração que os homens sentem pela Ordem, se deve mera curiosidade, pois quase todos os MM sabem, por experiência própria, que isto não é verdade.
Em todas as demais coisas costumamos olhar, antes de dar um salto e procuramos nos informar antes de dar um passo definido ou lançar-nos a alguma empresa. A mais elementar prudência nos aconselha que averiguemos em que consiste a instituição a qual desejamos nos aderir, ou o plano que havemos de seguir. Não obstante, pouco ou nada podemos saber de antemão a respeito da Franco-Maçonaria, pois até os mesmos MM seriam as últimas pessoas do mundo a revelar algo referente a eles ou à sua instituição. Apesar de tudo isso entra em sua Fraternidade convencido, plenamente, de que não vai por mau caminho, e nos submergimos nas trevas sem sentir escrúpulos nem timidez, respondendo a uma chamada interior que não sabemos explicar nem compreender.
Ainda mais; sabido é que nenhum homem sensato é capaz de opinar sobre os assuntos da corrente da vida, antes de haver feito um detido exame.  Pois bem, quando se trata da Franco-Maçonaria, ocorre o contrario, porque todo costumou ter uma ideia favorável e preconcebida de nossa Ordem que e a que nos induz a penetrarmos nela. Isso prova que a Franco-Maçonaria tem um selo característico que a diferencia de todas as demais coisas do mundo, mesmo antes que dê começo nossa vida maçônica.
No entanto, antes de sondarmos profundamente este fator misterioso e intangível que constitui o coração e a entranha da atração que nos impulsiona para a Maçonaria, é conveniente que passemos revista a uns quantos dos demais aspectos desta atração, cujo isola- mento e exame não são difícil fazer.
O ritual simples, dignificado e belo, já desapareceu quase por completo do mundo moderno.  É certo que a Igreja Católica e a alta Igreja Anglicana conservam ainda grande parte do ritual. Na vida cívica, subsistem ainda algumas cerimônias, como as de abertura do Parlamento, coroações, jubileus, inaugurações de está tuas e algumas outras, porém estes acontecimentos são relativamente escassos, além disso, nada há em sua natureza que forme parte da vida regular do cidadão corrente. Com efeito, durante muitas gerações, a crescente influência do materialismo procurou eliminar de nossa vida as cerimônias, como se tratasse de uma superstição. 
Não cabe dúvida de que esta tendência é sã e boa, enquanto impedem que os homens tomem parte em cerimônias ritualísticas que, não tendo senão aparato externo, não se baseia em nenhuma realidade interna, nem se fundamentam no que, nos tempos primitivos, recebia o nome de magia e se considerava como a chamada, para que estudassem as forças mais ocultas e internas da natureza, e os seres pertencentes a um mundo distinto do nosso.  
No entanto, é indubitável que quase todo o mundo abriga um secreto amor pelas cerimônias ou o ritual. Prova disso é a adesão do povo a certas instituições, como por exemplo, a extravagante e desconcertante guarda de corpos, as procissões do Lorde Maior, as perucas dos Juízes e coisas deste estilo. O entusiasmo pelas exibições históricas, assim como os caprichosos vestidos que as mães idealizam para seus filhos, e a perene fantasia do traje dos jovens e dos anciãos, são outros tantos exemplos deste irreprimível amor pelas cerimônias. Este é, indubitavelmente, um dos principais atrativos que tem a Maçonaria para a maioria de seus iniciados. Há na vida moderna tanto bulício, tanta precipitação, tanta barafunda, tanta indecência, tanta o atividade, tanta insistência pelos direitos próprios, tão pouca consideração pelos sentimentos alheios e tão pouca dignidade ou cortesia que brota espontaneamente de bondosos corações, que nos causa extraordinário prazer, o fato de entrar na atmosfera tão oposta das Lojas, onde reina a dignidade e a ordem em vez da indigna inquietude a que estamos acostumados no mundo externo. Maravilhoso tônico para os nervos fatigados pela tensão da vida ordinária e a entrada no recinto de uma Loja maçônica, onde tudo é quietude, ordem e paz; onde cada cargo da Oficina e cada irmão têm o seu lugar fixo e o seu dever prescrito; onde ninguém usurpa as funções alheias, onde uma vez que tenha sido eleita ou determinada à forma do drama, todos cooperam harmoniosamente e de bom grado, para levar a cabo as cerimônias, de tal forma que, se crie o ambiente que algum dia há de caracterizar até mesmo o mundo externo, quando os homens cessem sua disputa, aprendam a lição da fraternidade, e cooperem para a suprema Vontade da evolução, a fim de ordenar todas as coisas, bela, forte e sabiamente. 
  Também é agradável o gozo estético que produz o tomar parte em uma cerimônia bem dirigida, em que todos os irmãos, não só tenham estudado intensamente os atos e palavras que lhes correspondem, mas também, que compreendam sua significação e ponham o melhor de sua alma em tudo quanto façam ou digam. A própria disposição da Loja, a ordenada e digna colocação das colunas, os Oficiais e suas insígnias especiais que enfeitam a assembleia com pinceladas de cores agradáveis, a situação das Luzes e todas as demais coisas adjuntas com as quais estamos familiarizados, contribuem para formar “um tout ensemble” que conforta a vista, agrada aos sentidos, apraz à mente, satisfaz à natureza religiosa e, ao mesmo tempo em que contrasta com a maioria, com a maior parte de nossa vida diária, e uma esperança para o porvir do nosso mundo. 
  Outro elemento de grande beleza que move todo aquele que sente a poesia e a música, é o esquisito ritmo de eufonia de nosso antigo ritual, cujas palavras e frases não há igual na literatura inglesa com exceção da Bíblia e das obras de Shakespeare. O antigo provérbio inglês de que “uma coisa bela proporciona gozo eterno” pode aplicar-se às simples e profundas palavras de nosso ritual, porque, apesar de serem ouvidas continuamente, todos os anos, nas diferentes cerimônias, nunca perdem seu atrativo, nem cansam, nem envelhecem; melhor, sua beleza, sua majestade, sua significação, aumentam à medida que nos familiarizamos com elas que são verdadeira prova de suprema literaturas de satisfação ética e de religioso significado. 
  Quão admirável é a tradição de que as palavras de nosso ritual hão de repetir-se sem acrescentar, omitir nem alterar nada, porque, a maioria das sentenças; foram redigidas de torna tão perfeita que, qualquer variação romperia sua sonoridade e corromperia sua significação. 
  A formosura da linguagem contra boa tanto com os demais fatores para que as palavras do ritual os produzam intensa impressão. Estes amplos e profundos ensinamentos não devem seu poder a sutilezas metafísicas nem a análises filosóficas, nem a sua novidade intrínseca, senão melhor, à sua simplicidade, concisão e universalidade. Propriedade comum de os sistemas religiosos conhecidos e a identidade dos preceitos éticos, não obstante, o método de apresentação às antigas verdades de moral e de amor fraternal, assim como a franqueza, a restrição, a grandeza e verdadeira sinceridade do ritual maçônico, com seu transcendental significado, fazem com que estes ensinamentos nos pareçam sempre novos, vividos, inspiradores e práticos. 
   Muitos intelectuais modernos que acha m curas, estreitas e anticientíficas as ideias de certas ortodoxias religiosas, aceitam com verdadeira complacência e carência absoluta de dogmas teológicos e de outros gêneros de que se jacta a Maçonaria. Grande parte dos pensadores de cultura média reconhece a fraternidade, aceitam, uma lei ética e um código moral baseado na fraternidade; porém não deriva esta de preceitos religiosos externos, senão dos ditames de seus corações e da inata benevolência que sentem por seus camaradas. A Franco-Maçonaria expõe estes ensina mentos com tanta universalidade e catolicidade, que os homens pertencentes a qualquer dos credos assim como os que não aceita m nenhum podem aceitá-los sem escrúpulos, reconhecendo-os como norma de verdade que eles conhecem por experiência interna, sem necessidade de apoio de muletas teológicas. 
   Além disso, já não é possível negar que nos tempos modernos existe muita gente que não professa uma fórmula definida de crença religiosa, quiçá, porque está convencida, de que não pode aceitar honradamente os credos que satisfaziam os homens ao passado. A necessidade de expressão de fé religiosa que esta gente experimenta sem podê-lo evitar e que todos sentimos praticamente, pode satisfazer-se em grande parte com a sinceridade simples da ética maçônica e sua declaração de fraternal benevolência. 
 O conjunto desta ética, verdadeiro coração e nervo da Franco-Maçonaria, constituem a palavra Fraternidade, a palavra sem par em todos os idiomas. Se o maçom a aceita sem evasivas, equívocos nem reservas mentais de nenhuma espécie, alcançará o pleno desenvolvimento maçônico; porém, se a rechaça, não terá direito de penetrar no sagrado recinto do Templo ainda que ostente o mais elevado dos graus. A fraternidade é para o maçom o que a luz do sol é para os seres vivos; e, assim como a luz do sol pode dividir-se em infinitos matizes e cores, e seu poder transmutar-se em incontáveis forças e manifestações de vida, assim o espírito de Fraternidade resplende no coração do homem, pode iluminar sua natureza e inspirar suas ações de modos tão infinitos como as areias do mar e tão diversos como as flores do campo. O espírito fraternal é tão penetrante como o éter existente em todas as formas de matéria, porque se infunde em toda a vida do franco-maçom, iluminando-a com sua Sabedoria, sustentando-a com sua Força e fazendo com que sua Beleza se irradie até os confins mais longínquos da terra.
 Os homens seguidamente se veem obrigados a agir sob normas éticas de nível inferior às que desejariam por inumeráveis razões. Os motivos a que se deve este estado de coisas são sutis e complexos.  Assim, por exemplo, muitos temem que sua bondade se tome por debilidade ou a sua generosidade por sentimentalismo. Outros têm medo de que se acredite que são mais virtuosos que seus camaradas e, violentando suas ideias e emoções,  não  desenvolvem a virtude que sentem pulsar em seu  coração. Muitas vezes os homens não se atrevem  a  realizar  um  ato  virtuoso  em  público,  porém experimentariam  grande  alegria  se  pudessem  realizá-lo sem que ninguém se inteirasse dele. 
 A    Franco-Maçonaria proporciona aos    homens deste gênero – dos quais há muitos no mundo  - um  meio de  expressão  seguro  e  secreto.  O  fato  de  que  a  Loja esteja a   coberto   de   profanos  - o   que    constitui   o primeiríssimo e constante dever de todo o franco-maçom -  dá  uma  sensação  de  segurança  e  de  reserva,  pois impede que possa penetrar os olhares do  mundo externo e proporciona ao maçom a  oportunidade de "soltar" as rédeas que lhe restringem e de ser seu eu real, esse Eu Superior que teme apresentar-se livre e francamente, em todas as partes,  menos nos sagrados recintos do Templo, onde os homens confiam nele e lhe chamam de Irmão. Porque o nome de Irmão é altamente mágico. 
 Assim como  “todo o  mundo é um  cenário e todos os  homens  são  comediantes”,  assim  o  maçom  tem  que representar um papel em sua Loja, na qual pode tirar a falsa  máscara que, forçosamente, há de levar no mundo  e  colocar  a outra  muito  mais  nobre de  maçom.  E desta maneira, ao mesmo tempo em que se regozija de  que o modo de  maçom  lhe  permita  falar  e  agir  como  muitas vezes  -  houvesse  desejado  fazer  no  mundo, se tivesse atrevido,  encontra  em  sua  Loja  tal  oportunidade  para manifestar  qual  a  verdadeira  natureza  de  seu  ser  que, raríssimas vezes, poderia encontrá-la em outra parte. De maneira que o elemento de ficção, associado a algo de caráter dramático, torne possível que o homem real seja, por uns momentos, aquilo que pretendia ser. 
 Deve haver  muitos MM que anelam a chegada de um dia em que seja possível sentir e agir no mundo externo do mesmo modo como o fazem na Loja, e em que as normas  desta seja m as do  mundo. A  bondade, a tolerância, a benevolência e a amizade mútuas, a cortesia e a ajuda, a camaradagem e a fidelidade são os verdadeiros elementos de  nossa  obra  na  Loja, são  os fundamentos do Templo que, cimentados  na  virtude,  há de ser erigido pela Ciência, cada vez com maior Sabedoria. Porém, estas coisas não podem existir mais que  parcialmente no mundo, porque  o  coração  dos homens é ainda duro e a ignorância lhes cega. Por isto, termos  de  cerrar  à  força nossas Lojas,  para  evitar que suas  sagradas  coisas  sejam  maculadas  e  que  seja manchada a alfombra do Templo. 
 O ideal da Maçonaria constitui um fator imenso na vida  de  todo  o  verdadeiro   maçom,  porque  se  enraíza mais profundamente do que qualquer  “sprit de corps” e é o espírito  mesmíssimo da vida.  Para o  maçom, a Ordem e uma Divindade que não pode ser  maculada jamais com a mais leve mancha, é uma estrela eterna, um imóvel sol dos  céus,  um  centro  do  qual  não  pode  afastar -se,  a menos que seja falso consigo mesmo. 
 Quanta  poesia  encerra  o  nome  da  Ordem!  Os homens  têm  sentido  através de  todas  as  épocas  sua ideologia   em   todos   os   países   do   mundo   têm   feito cerimônias semelhantes às que fazemos agora e às que os filhos dos nossos filhos ensinarão a seus descendentes. A celebração dos ritos maçônicos remonta à noite dos tempos pré-históricos. As cerimônias da  qual  as  nossas  se  derivam,  foram  celeradas  por homens de  todas  as  raças  e  centenas  de idiomas  e dialetos, em cli mas escalonados desde o tórrido Equador até  os  pólos  gelados,   na  cidade,  bosque,  e m  férteis planícies  e áridos  desertos  e  sobre  as  montanhas mais altas e os vales mais profundos. A Franco-Maçonaria tem existido  onde  quer  que  hajam  vivido  os  homens  e suas eternas tradições e “landmarks” tem sido transmitidos de geração em geração, enlaçando o passado com o presente, e este com o futuro em uma humana solidariedade e ligando     tudo em uma indissolúvel umidade  com  o  GADU  que do centro traçou  as  linhas em  que   temos  de  construir   seu   Sagrado   Templo  e ordenou a seus fiéis obreiros que trabalhassem nele  para completar a obra de Suas Divinas Mãos. 
  A poesia da Franco-Maçonaria sobrepuja todas as outras  poesias;  porque  estas  são  temporais  e  fugazes, enquanto que aquela não tem em  conta o transcorrer do tempo, nem as mutações modificam  em  nada  seus antigos e imutáveis  fundamentos (landmarks). Que mistério  encerra  isto?  Que   mistério  se  oculta  por  trás destas  singelas e profundas   cerimônias?  Pode  alguém satisfazer  satisfatoriamente  esta  pergunta ?  Será  algum homem capaz  de dar uma resposta satisfatória antes de chegar a ser  mais que homem e de ler estes verdadeiros ss dos quais unicamente ouvimos em nossas lojas os segredos substituíveis? 
  Assim retorna mos como sempre a esse misterioso e  intangível  elemento  que  nos  prende  com garra  mais poderosa que a do leão; e este elemento que  constitui a verdadeira razão para que os  homens se façam Franco-Maçons  e  que  “uma  vez  que  alguém  seja  franco-maçom, o seja para sempre!”  Cada segredo comunicado  é  o  prelúdio  de  ulteriores  segredos;  cada novo  toque  não   é,  em  realidade  senão  as  chaves  de passe  que  nos  abre  a  porta  de  regiões  cada  vez  mais próximas  do  coração  ocultam,  de  que  se  sustenta  o esoterismo da Franco-Maçonaria. 
  Todos os diversos ele mentos de que temos falado em particular, dizendo que fazem chamamentos isolados ao maçom, não são mais que os instrumentos individuais que formam uma orquestra;  considerada em si a grande sinfonia  é  mais  sublime  que  todas  as  partes  apesar  de que  a  harmonia  combinada  destas  é  a  que  a  torna audível. Ela nos murmura coisas que nenhum instrumento  do  mundo  pode  expressar,  a  não  ser  em fragmentos, em sucessões de notas que interpretem na terra,  sub metidas  às  leis  do  tempo  e  do  espaço,  as melodias do céu, as quais só os celestes ouvidos podem escutar em toda sua íntegra. 
  Antes  de  nos  fazemos  Franco-Maçons,  devemos sentir   um   leve   rumor  que,  infiltrando-se  através  dos espessos muros da Loja cerrada, desperte esses tênues estremecimentos  melódicos  em  nossos  corações.  Isto  é o que aviva esse secreto estímulo que nos arrasta para o esquadro,   onde   nosso   primeiro   passo   é   dado   em ignorância, se bem que tendo a certeza interna de que a luz   há   de   chegar  com  toda  a  segurança.  Enquanto damos os nossos primeiros passos secretos, descobrimos  muitos,   elementos   agradáveis   no   Ritual maçônico que nos produzem  estranho assombro e tanta satisfação  que,  jamais  nos  arrependeremos,  de  haver posto  a  proa  para  a  aventura.  As  magníficas  frases antigas,  a  dignidade  e  a  harmonia  dos movimentos, da cor  e  da  eufonia,  comprazem  aos  sentidos  e  às  almas dos  homens  fatigados  pela  tensão  e  peIa distração das coisas mundanas. A ampla e singela filosofia  de vida, a simples declaração de fraternidade,  a ética de fidelidade e amizade, a verdade sem dogmas, a religião sem seita, a  reverência  sem  sacrifícios  da  dignidade,  o  amor  sem sentimentalismo; todos estes são  elementos importantes a contribuírem para despertar a Maçonaria no coração do Maçom.   E   o   gosto   de   viver   em um   ambiente   de fraternidade,  a  oportunidade  de  livrar-se  da  armadura que, por necessidade, há de vestir o homem nos campos de luta do mundo exterior da Loja, o livre intercâmbio de sentimentos fraternais, sem temor às más inteligências e repulsas,  constituem, também, valiosos  elementos  da chamada Maçonaria. 
         Alguns  dos  fatores  que   unem  o  Maçom  com  a Ordem  através  de  laços  que  nada  pode  romper,  nem afrouxar,  são  as  seguintes:  uma  troca  de  máscara,  um novo papel a aprender, um pretexto que e nosso secreto ideal, um  conhecimento antecipado do futuro que temos a certeza de chegar um dia,  uma homenagem gloriosa a uma sublime Divindade, uma submersão no mais grandioso sonho que  o  mundo tem  conhecido,  um  laço secreto que nos  ume  com  todas  as  classes  de homens que  a  terra  produziu  e   uma  tradição  mais  antiga  e venerável que todas as havidas e por haver. 
  Porém,  que  é  a  chamada  em  si?  Todas  estas coisas  não  são  senão  nomes  e  acessórios:  qual  é  a substância  de  que  todas  elas  são  sombras?  Que  coisa há na selva  virgem que chama os seres selvagens? Que são essas sagradas coisas que murmuram as montanha ao ouvido do  homem, das alturas, de forma tão silenciosa e tão sonora, que apaga o estrépito dos demais cânticos da Terra;  essas coisas que o mar sussurra ao marujo; o deserto  ao  árabe;  o  gelo  ao  explorador  dos  pólos; as estrelas ao  astrônomo; a sã filosofia ao observador e os materiais do ofício ao artesão? 
  No homem existe algo que é mais que o homem, o qual se  chama a Franco-Maçonaria. Esta chamada vem do  mais  santo  e  maior  que  nele  existe,  ao  que  só  ele poderá conhecer, quando se converta no Mestre da Loja de  sua   própria   natureza,   quando  chegue  a  ser  ele mesmo. Assim  como o golpe do malhete, que o M dá, repercute  em  todo  o  T,  encontrando  eco  no  ocidente, sul e noroeste e transpassando até mesmo os muros da L  para  chegar  ao   mundo  externo,  assim  também,  a Franco-Maçonaria lança uma chamada  aos mais recônditos  santuários  do  sacratíssimo ser humano;  uma chamada  que  há  de  ser  respondida,  que  não  admite rechaço,  que  lhe  ordena  voltar-se para enfrentar a Luz. Assim  como  todos  os  irmãos  respondem  à  ordem  do M pelo  s,  assim  responde  o  homem  à  chamada da Franco-Maçonaria, ainda que não conheça em que esta consiste,  e  responde  com  sua  vida.  Ele  não pode fazer outra   coisa   que   obedecer;   abandonar   a   empresa   e morrer; ele deve responder e prosseguir na eterna busca da palavra perdida, que não  é  nenhuma palavra, porém algo que está oculto no c. 
  De maneira que, a chamada da Franco-Maçonaria é  complexa  e  múltipla,  ao mesmo tempo em que é simples e única. Na Franco-Maçonaria existem muitas coisas  que hão  de  acalmar  os  anelos  dos  corações humanos, e, no entanto, a Franco-Maçonaria em si, isto é, em sua esplêndida perfeição,  é uma coisa que nunca poderá  encher-nos  até transbordar,  até que o  homem deixe  de  ser  homem,  para  converter-se  em  um  Ser Divino, o que há de ocorrer seguramente, na consumação dos tempos.
        A  Franco-Maçonaria  é  virtude  e  ciência, ética  e filosofia, religião e fraternidade; porém , nenhuma destas coisas, por si só,  é ela. Não há multidão de células que possa fazer um organismo vivo, nem galáxia de estreIas que  possa  formar  um  cósmos,  nem raios de luz que possam fazer um sol. Do mesmo modo, nenhum agrupamento de elementos de beleza ou de fraternidade pode fazer a  Franco-Maçonaria;  esta  cria  todas essas coisas,  dá   ao  ser   muitos  pontos  de  perfeição,   mas continua  sendo   um mistério  que  se  pode  descrever perpetuamente, porém jamais se explicar. A isto se deve que a chamada da  Maçonaria seja o que  é, e que nós a amamos,  porque  o homem é  também  um  ser  que  se pode descrever perpetuamente, porém, jamais, explicar-se. De  modo  que,  na  Franco-Maçonaria,  o  homem  se busca   a   si   mesmo,   e   através de   seus   mistérios   e cerimônias, "Júpiter faz aceno a Júpiter".

In "A magia da Maçonaria" – Arthur Powell - 1924

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

RITUAIS DE INICIAÇÃO

Vou repetir uma verdade cantada e decantada: o Homem é um animal ritualista e simbólico. Entre todos os rituais, religiosos ou sociais, que são culturalmente criados, os de Iniciação são, a meu ver, os mais importantes. Por que? Creio que porque são rituais limítrofes, que nos obrigam à reflexão sobre a vida e a morte, e o quanto esses conceitos inseparáveis têm a ver com o sentido de nossa existência.
Mesmo no nível social, a “passagem de ano” na vida escolar, o “vestibular”, o “debutar”,o “casamento”, a “primeira comunhão”, são momentos fortes da existência humana que a sociedade valoriza tanto a ponto de criar “complexos” de emoções e comportamentos em torno deles, para que venham a ser momentos de reflexão e de marca em nossa caminhada.
São os rituais, que envolvem preparativos materiais e emocionais, que mobilizam os grupos e, finalmente, têm seu clímax (e sua morte) na comemoração coletiva. Émile Durkheim, o fundador da Sociologia, diz que os ritos são momentos de efervescência coletiva destinada a suscitar, manter ou fazer renascer certos estados mentais nos grupos, que são socialmente importantes para sua existência.
Esta observação de Durkheim remete, cedo ou tarde, a uma das questões centrais das Ciências Humanas: a relação entre o individual e o coletivo. O debate entre voluntaristas e coletivistas, e as tentativas de conciliação entre essas posições, é tão antigo quanto a filosofia. As “provas” acumulam-se em ambos os lados, nos demonstrando que a questão está longe de ser satisfatoriamente resolvida. Debate que pode ser levado até o plano metafísico da relação entre o Homem e o Universo.
Na Maçonaria simbólica, passamos por três grandes Iniciações, marcando o ingresso em cada um de seus graus. Os nomes especiais de Elevação e Exaltação acentuam o caráter evolutivo dessas Iniciações, onde se pressupõe que cada etapa é “superior” à precedente.
São interessantes esses nomes. Elevação indica que há alguém a ser elevado e, portanto, alguém que o elevará. É a passagem para o segundo grau. O nome indica alguém que ainda está sendo conduzido, embora já esteja sendo premiado seu progresso. Já Exaltação, a passagem para o grau de Mestre, indica um reconhecimento. Alguém está sendo “aclamado” por ter atingido uma posição muito especial. A Exaltação não comemora uma “condução”, mas uma “recepção”. É como dizer: parabéns, você chegou aqui.
Mas o que significa esta “independência”, esse não estar mais sendo conduzido? Que “marca” este momento de efervescência quer imprimir nesse Companheiro?
Creio que a celebração do Mestrado pretende retomar aquela velha relação entre o individual e o coletivo. O ritual não pretende uma discussão teórica e nem uma solução científica para a questão. O ritual é o meio pelo qual uma “sociedade” celebra uma solução interior, subjetiva, no nível da individuação (no sentido de tornar-se um ser pleno, não no de individualizar-se), um momento dificilmente alcançado pela maioria, que pretende celebrar um Mestre na arte de viver (e, por isso, na de morrer).
Cada vez que participo de um ritual de Exaltação, me vem à mente a imagem da árvore. Cada um de seus galhos e cada uma de suas folhas ou flores, “vivem” suas vidas “individualmente”. Umas folhas cairão, outras não. Umas secarão, outras não. Algumas flores serão polinizadas, outras não. Algumas tomarão mais chuva ou sofrerão mais o efeito dos ventos. Alguns galhos serão quebrados, outros não.
A folha que vive e a que morre aparentemente não têm nada a ver uma com a outra. Estão
“inconscientes” das existências conjuntas. Mas a árvore é o conjunto de galhos e folhas e flores.
Quando pego uma folha aparentemente isolada, digo “é uma folha de amoreira” ou “é uma folha de pessegueiro”. Assim como, quando vejo uma criança, a reconheço apenas “como filho da Joana” ou “neto do Joaquim”. Que seria da folha sem galhos e flores e raízes? Que seria do indivíduo sem família, sem bairro, sem sociedade?
Para mim, essa foi a grande lição de três mais cinco anos de trabalho na pedra. Essa foi a marca que recebi. Só se é Mestre quando não mais se sente a necessidade de alguém que nos conduza; quando as verdades não são ditadas por terceiros; quando as emoções não são recalcadas por conceitos alheios (preconceitos); quando se sabe, finalmente, “que nada se sabe” – como dizia Sócrates – e por isso se é sábio. Ah, terrível dialética!
Isso não significa, em absoluto, que não necessito mais do outro, de seu saber, de sua experiência, de seus exemplos. Ao contrário: significa que agora eu posso tornar esse saber, essa experiência e esses exemplos uma coisa minha, adequados à minha realidade, julgados por minha experiência.
Quem fala as palavras alheias, repete os comportamentos alheios e vive a procurar os caminhos alheios para seguir, só pode descobrir, ao fim de uma existência perdida, que apenas procurou ser “outro” e deixou de desenvolver o que era seu. Esse, infelizmente, não conheceu a Exaltação, seja na Maçonaria, seja no trabalho, seja na igreja, seja na vida.
In Pedra por Pedra - Francisco Cezar de Luca Pucci

sábado, 14 de dezembro de 2013

O CONHECIMENTO DE SI PRÓPRIO

Um homem disse: "Fala-nos do Conhecimento de Si Próprio."
E ele respondeu, dizendo:
"Vossos corações conhecem em silêncio os segredos dos dias e das noites.
Mas vossos ouvidos anseiam ouvir o que vossos corações sabem.
Desejais conhecer em palavras aquilo que sempre conhecestes em pensamento.
Quereis tocar com os dedos o corpo nu de vossos sonhos.
E é bom que vós o desejeis.
A fonte secreta de vossa alma precisa brotar e correr, murmurando, para o mar;
E o tesouro de vossas profundezas ilimitadas precisa revelar-se a vossos olhos.
Mas não useis balanças para pesar vossos tesouros desconhecidos;
E não procureis explorar as profundidades de vosso conhecimento com uma vara ou uma sonda.
Porque o Eu é um mar sem limites e sem medidas.
Não digais: "Encontrei a verdade." Dizei de preferência: "Encontrei uma verdade."
Não digais: "Encontrei a senda da alma." Dizei de preferência: "Encontrei a alma andando em meu caminho."
Porque a alma anda por todos os caminhos.
A alma não caminha numa linha reta nem cresce como um caniço.

A alma desabrocha, tal um lótus de inúmeras pétalas."
Gibran Khalil Gibran - O Profeta