A vida não é cruel para quem a começa entre os vivos. Mimada por sua mãe, a criança não manifesta senão a alegria de viver; do instinto, ela reivindica seu direito à vida, que parece não lhe ser dada senão para permitir que goze dela sem reservas. A juventude ensina, todavia, que nem tudo é encanto na vida que está longe de nos ser outorgada gratuitamente. A necessidade, para cada um, de ganhar sua vida não tarda a se impor. A despreocupação infantil não dura senão um tempo, porque, rapidamente, a vida nos instrui de suas rudezas e, desde que nos tornemos fortes, ele exige que aprendamos a suportar as durezas da existência: mostrar-se covarde diante da dor é confessar-se indigno de viver.
A Iniciação, — ensinando a Arte de Viver,— concebeu torturas infligidas a título de provas no curso das iniciações primitivas. A resistência à dor física não se impõe mais no mesmo grau na vida civilizada, pois o místico moderno não está mais exposto ao menor tratamento cruel; todavia, ele deve esvaziar certo cálice que lhe é apresentado.
Ele não contém nem veneno nem droga que provoque perturbações psicofisiológicas, mas água fresca e pura, reconfortante para o neófito que acaba de sofrer a prova do fogo. É a beberagem da vida, doce como o leite materno para quem experimenta seus primeiros goles. Mas de que maneira tal líquido se torna subitamente amargo, para voltar depois à sua primitiva doçura, quando o bebedor se decide a esvaziar até o fim o cálice fatal? Beber, malgrado a amargura, é aceitar estoicamente os rigores da vida. O hábito nos alivia as penas e as dores que aprendemos a suportar. Quando o sofrimento nos torna fortes, a amargura se nos faz doce, pois que ela nos confere vigor e saúde, temperando nosso caráter.
Os ritualistas superficiais imaginaram uma sorte de julgamento de Deus relacionado ao juramento do Iniciado, a amargura a fazer alusão ao remorso que dilaceraria seu coração, se ele se tornasse perjuro. Outros se contentam em dizer: “Essa bebida, por sua amargura, é o emblema das aflições inseparáveis da vida humana; a resignação aos decretos da Providência unicamente pode abrandá-las”.
A lição é menos elementar. O místico purificado leva aos seus lábios o cálice do Saber Iniciático, no qual sua inteligência abebera-se de uma nova vida, isenta das brutalidades profanas. Concebendo uma existência de doçura em meio a irmãos que sonham apenas em ajudá-lo em todas as coisas, o neófito sente-se feliz e satisfaz-se com uma água deliciosa; a reflexão, porém, revela-lhe as responsabilidades que ele assume em razão de seu avanço espiritual. O ignorante que não compreende o sentido da vida pode abandonar-se ao egoísmo; vivendo apenas para si, ele não se coloca a serviço da Grande Obra, e nada há a se lhe reprovar, se, respeitando os outros, ele leva uma honesta existência profana. De outro modo exigente mostra-se a vida iniciática: ela impõe o devotamento, o esquecimento de si, a constante preocupação com o bem geral. A preocupação com o outro angustia a alma generosa que sofre as misérias humanas; querendo aliviá-las, o filantropo expõe-se a não ser compreendido. Seus conselhos são mal interpretados; a multidão imputa-lhe todas as calamidades. Ele é então maldito, perseguido, no mínimo, cruelmente desprezado: é a amargura que ele bebeu a grandes goles.
A ingratidão incompreensiva não saberia, porém, desencorajar o Iniciado; ele a prevê, e nem por isso prossegue menos com sua obra de abnegação. A calúnia não o alcança; ele se fixa com perseverança na realização do bem. Que lhe importam as gritarias maldosas e as críticas injustas? Sem cessar preocupado em fazer o melhor, ele aperfeiçoa seus métodos, tudo isso tirando partido da ingratidão de sua tarefa. Seu heroísmo encontra sua recompensa: vivendo para o bem, o sábio vive no bem. A cólera dos maldosos não o atinge mais, porque ele se eleva acima do mal cometido por outrem.
O ser que entra na vida contrai com esta um pacto que comporta encargos. Quem pretende não retirar da vida senão encantos não tem consciência das obrigações contraídas; recriminações, temores, cóleras contra os rigores da vida testemunham incompreensão. A vida é maternal e quer que nos tornemos fortes, de onde seus processos educacionais, contra os quais somos estúpidos ao nos revoltarmos. Sejamos bons escolares, aplicados em aproveitar as lições da vida. Armados de valentia, afrontemos dor, decepção, martírio, não temamos nada e caminhemos com firmeza diante daquilo que nos espera. Essa tática fará muitas vezes recuar o inimigo, assegurando-nos a vitória sem combate. A coragem ameniza as dificuldades: dar provas dela, nesta vida, é, na convicção dos fiéis de Ishtar, merecer o amor da deusa que não se dá senão aos valentes. Para ser amado pela vida, não é bastante se deixar fascinar por seus encantos; ela não se liga senão aos heróis que por ela afrontam a amarga luta pela existência e consagram-se à realização de grandes coisas. Já que a vida se identifica com o trabalho, amar dignamente a Vida é amar o Trabalho e trabalhar com zelo por amor aos vivos.
Seguremos com firmeza o cálice da amargura, decididos a esvaziá-lo até o fim: nós assim teremos a surpresa de fazer retornar à sua primitiva doçura a beberagem da vida.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.
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