O gentleman que no século XVII era aceito como Freemason devia gratificar cada um de seus iniciadores com um par de luvas brancas. A Maçonaria moderna modificou esse uso, invertendo-o: as luvas são oferecidas pela Loja ao novo iniciado, para lembrar-lhe de que as mãos de um Maçom devem permanecer sempre puras.
Na Inglaterra, eles se atêm a esse único par de luvas destinado a completar o traje maçônico do neófito. Os Maçons do continente tiveram a idéia de fornecer um segundo par de luvas, não mais masculinas, mas femininas. A mulher, não sendo admitida nos mistérios da Franco-Maçonaria, nossos galantes ancestrais experimentaram remorso: eles quiseram remediar o ostracismo imposto, associando com delicadeza as damas à iniciação maçônica. Elas não devem ser instruídas nos detalhes de nossos segredos, mas convém fazer-lhes conhecer o objetivo que persegue a Franco Maçonaria. É mais importante ainda associá-las à Grande Obra do aperfeiçoamento moral que é aquela dos Iniciados. Como? Em lhes confiando a honra dos Maçons. Todo homem purificado, digno de iniciação, admira a mulher em razão de suas qualidades morais; ele aprecia a beleza física, mas coloca acima desta uma beleza mais nobre, inalterável, independente de acidentes exteriores. Entre as mulheres, ele deve encontrar uma que mereça mais particularmente sua estima, e cuja influência se esforça por sofrer. É a ela que ele enviará o par de luvas, para com isso homenagear a mulher que ele mais estima. Essas luvas têm o valor de um talismã: mostrá-las ao Maçom desencorajado, tentado a abandonar-se às fraquezas das naturezas vulgares, é lembrar-lhe sua dignidade de Iniciado. Suas mãos jamais devem estar sujas. A mulher da qual ele quer conservar a estima vela por ele; sob sua influência tutelar ele não saberia decair.
A iniciação feminina jamais teve, até agora, seus mistérios formais, com ritos transmitidos através dos tempos. Nenhuma tradição nos ensina a iniciar nossas companheiras de vida, sem a ajuda das quais nós não podemos realizar progressos decisivos na via de nossa purificação. Tentativas foram feitas para transformar nossas contemporâneas em maçonas. Esse título não é feliz: jamais existiram construtoras,e pretender iniciar a mulher na arte de construir, — que é essencialmente masculina, — aparece como um contra-senso. Isso é incontestável na Maçonaria dita “operativa”; mas, em nossa qualidade de Maçons “especulativos”, não deveríamos abrir as Lojas à mais graciosa metade do gênero humano? Os tradicionalistas respondem não, e eles estão com a verdade. A mulher não tem lugar em Loja, meio exclusivamente masculino. É irracional fazer-lhe sofrer provas que visam ao desenvolvimento da masculinidade, quando, em boa lógica, a Iniciação feminina não pode perseguir senão que o desabrochar da pura feminilidade. A dificuldade encontra-se resolvida pela aplicação de um ritual feminino, visando a feminizar as provas? A Maçonaria de adoção fez o melhor nesse sentido, mas, malgrado sua boa vontade, ela está condenada a não ser senão a contrafação masculina. Um clube masculino feminizado, não realizando, de maneira alguma, o ideal de uma organização própria a agrupar mulheres para mantê-las associadas e permitir-lhes aplicar o gênio feminino na realização da Grande Obra humanitária. Esse gênio não vem a reboque do homem; ele segue sua própria inspiração, para criar aquilo que a humanidade não saberia inventar.(sic)*
Os Maçons do século XVIII foram melhor inspirados que aqueles do XIX, quando, abstendo-se de chamar a mulher para a Loja, resolveram fazer-lhe homenagem com um simbólico par de luvas. A eleita de cada iniciado não é ela distinta da multidão frívola das filhas de Eva? Aquele que sofreu as provas não se torna apto a discernir a mulher de elite digna da suprema homenagem que ele possa render-lhe? De que servem as afetações da iniciação feminina? A mulher que recebeu as luvas de um Maçom não se torna uma “Maçona”, uma companheira de oficina: ela permanece a dama religiosamente admirada.(sic)*
Quando Goethe, iniciado a 23 de junho de 1780 em Weimar, dispôs de suas luvas em favor da Senhora de Stein, ele a fez observar que esse presente, ínfimo em aparência, tinha a particularidade de não poder ser oferecido senão uma só vez na vida. Nada saberia ultrapassar o valor de semelhante doação, se ela for feita, não levianamente, mas em conseqüência de uma escolha judiciosa e maduramente refletida.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.
*Consideremos que esta obra foi publicada em 1932, mas em pleno século 21 não há mais que se considerar nada.
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