quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A LOJA

Uma aurora intelectual indecisa em sua palidez precede em nós a aurora rutilante que faz clarear o dia. Chamados a ver a Luz, contentamo-nos com entrevê-la,quando ela nos é mostrada em Iniciação. O que se oferece à vista do neófito livre da venda é o espetáculo do mundo, do qual a Loja é a imagem reduzida. Ele não pode duvidar, se relacionar isso às dimensões simbólicas do santuário onde está admitido, porque a Loja, — é-lhe ensinado, — estende-se do Oriente ao Ocidente, do Meio-Dia ao Setentrião e do Zênite ao Nadir. Nela reflete-se, pois, a imensidade do Cosmos, como se o concebível em grau maior repercutisse no constatável a menor. Primeira lição discreta que, moralmente, limita-se a sugerir a universalidade da Franco Maçonaria. Em nome das dimensões da Loja, o Maçom é chamado à ordem, caso faça eco de preocupações mesquinhas. Os iniciados reúnem-se para aportar seu concurso à Grande Obra que é eterna como o Progresso e sem limites em sua aplicação. Tendo a construir um imenso Templo, os Maçons não prostituem sua Arte, sujeitando-a às necessidades profanas; eles têm, neles mesmos, a reformar, o Homem que é universal em sua essência.
Instruído das dimensões da Loja, o Aprendiz constata que ela é iluminada, simultaneamente, por três grandes luzes e três pequenas. As grandes são representadas por candelabros colocados no Oriente, Ocidente e Meio-Dia do quadrilongo: são os pilares espirituais do edifício maçônico; a tradição atribui-lhe os nomes de Sabedoria, Força e Beleza. Avaro de palavras, o moderno hierofante limita-se a indicar: a Sabedoria concebe, a Força executa, a Beleza ornamenta. Cabe àquele que  viu a Luz resolver o enigma. Para colocá-lo no caminho, chama-se sua atenção sobre as pequenas luzes figuradas pelo Venerável Mestre da Loja e seus dois Vigilantes.
Entregue às suas reflexões, o Aprendiz compreende que a concepção de uma idéia deve preceder a ação realizadora, que é preciso  pensar com justeza para agir bem,de onde a Sabedoria fixando o plano na execução do qual a Força desdobra sua energia; mas a ação não é sábia se ela não for bela; a idéia não é justa se ela não se realizar com Beleza.
A Sabedoria do Venerável Mestre da Loja é aquela do arquiteto que dirige o trabalho construtivo. Seu papel é intelectual; ele sonha como artista, a fim de dar, na imaginação, corpo às aspirações dos construtores. Ele não inventa segundo sua fantasia individual, porque se aplica em concentrar o gênio de todos. Logo, a Sabedoria da qual ele se faz o intérprete não é a sua, mas aquela da Arte; ela é conforme a de todos os Mestres da Obra, escolhidos antes dele para dirigir o trabalho comum. É, pois, uma Sabedoria especializada, modesta e verdadeiramente sábia em sua ambição limitada: conceber corretamente o executável não implica em qualquer onisciência. Cada um pode aspirar à sabedoria que lhe é necessária para bem se dirigir na vida; o Iniciado não solicita qualquer outra e, a partir daí, adere à Suprema Sabedoria. 
O 1º Vigilante rege a Força, em razão de ele fazer observar a disciplina em Loja. É ele quem repreende os retardatários e controla a assiduidade; ele exige que cada um esteja em seu posto e cumpra sua tarefa. Se fosse levado a explicar-se, insistiria sobre a necessidade de coordenar os esforços. Individualmente, somos impotentes; apenas o trabalho coletivo presta-se à realização de grandes coisas: associemos, pois, nossas energias à vista da realização de uma única Grande Obra. A Força está em nós, do mesmo modo que  a  Sabedoria; mas não nos tornamos verdadeiramente fortes senão quando nos aplicamos ao trabalho com constância e regularidade.
Não é bastante se agitar com zelo para satisfazer às exigências da Arte. Agitação  não  é sinônimo de trabalho: quando trabalhamos, entendemos produzir, modificar, transformar, fazer melhor; ora, o que melhor realiza uma harmonia mais perfeita traduz-se em obra de Beleza. O 2º Vigilante é o esteta da Loja, porque ele ensina a bem trabalhar, a construir solidamente sob todos os aspectos; ele sabe que, mesmo materialmente, nada que não seja belo é durável: a admiração faz respeitar a obra do puro artista. Este não aplica, aliás, toda sua Força senão a serviço da Beleza que entusiasma. Trabalhando com amor, ele não atenta para suas penas, que retornam em prazer. Uma deusa o inspira, encorajando e recompensando seus esforços. Essa foi, para os construtores cristãos da Idade Média, a Virgem Celeste, personificação da pura idealidade, Rainha de Beleza, diante da qual eles se prosternavam como que perante a suserana da Arte. Nossa Senhora tornou-se seu título de glória, título que nenhum Iniciado contemporâneo renega, consciente do significado profundo do ternário: Sabedoria, Força e Beleza.
Sobre esse trinômio baseia-se uma religião discreta, anterior às idolatrias que seduzem as massas. Ela não se formula em dogmas, mas cada um pode a ela converter-se, escutando falar em si mesmo seu próprio espírito. É a Religião dos Iniciados, da qual a Loja é o santuário mudo. As Luzes grandes e pequenas aí esclarecem aquele cuja visão espiritual não está obstruída pela venda profana, mas, enquanto esta venda não cai, as Luzes da Maçonaria brilham em vão nas trevas que as obscurecem. É então que os Maçons que não souberam depositar seus metais nem sofrer espiritualmente as provas erigem em Grande Luz da Maçonaria o livro sagrado de uma religião recente, mostrando, dessa sorte, um desconhecimento absoluto dos princípios fundamentais da Arte Real. A Bíblia é respeitável, preciosa e digna de um estudo atento; mas é em seu próprio coração que o Iniciado deve aprender a decifrar a palavra sagrada, não em textos redigidos para a instrução das massas.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

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