sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O ETERNO RETORNO


“ E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"- 
                                                                                           Nietszche- Gaia Ciência.

Segundo Hawking, o universo pode ter várias histórias prováveis. Isso quer dizer que existem vários planos de existência, onde as mesmas coisas podem estar acontecendo de maneira diferente. Assim, num desses universos, Jesus pode não ter sido crucificado, Júlio César não foi assassinado, a Alemanha ganhou a guerra., Tiradentes não foi enforcado, o Titanic chegou à Nova Iorque e Jack, o Estripador, não foi um serial killer, mas sim um grande filântropo que fundou asilos, construiu hospitais e deu abrigo a milhares de sem-teto, ao invés de estripar prostitutas nos becos escuros da Londres vitoriana. 
Isso nos dá asas para muita imaginação. Mas não estamos falando de fantasias, mas sim de ciência. Tudo isso é provável matematicamente. Com essa idéia podemos imaginar um mundo sendo construindo em diversas etapas, como num álbum de desenhos. Faz-se um modelo e vai-se modificando os traços até chegarmos a algo que definitivamente nos agrade. Ou então como na produção de um desenho animado, em que a ação dos personagens provém de uma série de desenhos concatenados, superpostos um ao outro para criar uma ilusão de movimento. 
Num desenho animado tudo é possível. Não existe previsibilidade nem possibilidade impossível. É o mundo do princípio da incerteza, segundo o qual não podemos saber o que vai acontecer no futuro porque jamais conseguiremos determinar onde e quando as partículas de energia que formatam o universo estarão no momento seguinte à nossa observação. Isso também é física e não fantasia. Nem filosofia. 

A física moderna fala de um tempo imaginário que se alonga indefinidamente no espaço. É como uma cobra serpenteando suas ondas pelo nada cósmico. Nessa concepção (que é tida como científica) a história se desenrola em superfícies fechadas. Cada partícula do universo desenvolve uma história diferente, embora os personagens sejam os mesmos em cada uma delas. É como se tivéssemos uma quantidade inimaginável de astronaves atiradas no espaço, todas tripuladas pelos mesmos tripulantes. São os mesmos personagens, mas cada uma dessas naves está construindo uma história diferente. 
Uma história assim é uma história que nunca acaba porque tudo recomeça infinitamente. 
Isso é assim porque todos os corpos são redondos no espaço cósmico. E na matéria também tudo é granular, tudo tem forma esférica. Imaginemos se a terra não fosse redonda, não houvesse a lei da gravidade e nós chegássemos ao fim dela. O que aconteceria? Nós cairíamos dela. Nos perderíamos no espaço infinito. Mas ela é redonda. Então, ao invés de cair, nós continuamos dando voltas ao redor dela. Por isso é que nada termina, mas sempre recomeça.

Nietszche imaginou um mundo onde tudo se repete infinitamente: é o mundo do eterno retorno. Essa idéia pressupõe que ele é feito de ciclos que se alternam numa eterna repetição. Nesse sentido, vida e morte, criação e destruição, saúde e doença, beleza e feiúra, bondade e maldade, não são realidades opostas e contrárias umas às outras, como a sabedoria ocidental, baseada na ética judaico-cristã, deduziu. São ciclos naturais, vitais e necessários, para que o universo se construa e sobreviva em condições de eterno equilíbrio. Dessa forma, segundo Nietszche, não haveria bem e mal, nem Deus e Diabo travando uma queda de braço pelo controle do mundo, mas apenas duas forças necessárias e complementares atuando com igual potência para manter a vida do universo em constante equilíbrio. Assim, não temos que ficar escolhendo entre um e outro, mas apenas reconhecer a existência dessa lei e acompanhar a sua tendência. 
Interessante essa intuição. Os cientistas a representam através de ondas. Dizem que toda a matéria do universo é feita de energia, que ora se apresenta como onda, ora como partícula. Se olharmos para o desenho de uma onda de energia, veremos que ela tem uma crista e uma depressão. Quer dizer, ela sobe e desce, sobe e desce.... Já os esotéricos a representam como uma cobra que engole o próprio rabo.

 
                                                    
Nietszche pode ter se inspirado na visão científica da energia ondulante para desenvolver o estranho conceito do eterno retorno. Sua intuição pressupõe que todo o universo é uma imensa onda de energia onde as cristas e as depressões se alternam com infinita regularidade. Duvido que ele fosse tão execrado pela intelectualidade cristã se dissesse que Deus é uma Onda Infinita de Energia que se espalha pelo nada cósmico, formatando toda a realidade manifesta. Afinal, isso é o que os cientistas dizem que Ele é. Pura Energia. Ninguém ousa execrar um cientista. Só o que fazem é contestá-lo com outra teoria melhor. Aliás, essa foi a diferença entre Giordano Bruno e Galileu. Galileu era cientista. Foi preso e contestado , mas não foi condenado á fogueira. Ninguém tinha autoridade para isso. Giordano Bruno era filósofo. Foi preso e queimado numa fogueira, porque ele só tinha idéias e nenhuma equação para provar suas intuições.
Nietszche não era físico e sim filósofo. Ele não queria entender como o universo é construído, mas sim o que o ser humano tem a ver com tudo isso. E como todo filósofo (e toda filosofia), ele não encontrou essa resposta. Como era mais crente que os demais filósofos, morreu tísico e louco num nosocômio. 
Mas isso não importa. A ciência também não tem essa resposta. Pelo menos até agora. E acredito que jamais a terá. O principio da incerteza, que a própria ciência descobriu, nos garante que a mente humana nunca chegará a esse resultado. Daí tanto faz que o universo seja uma onda de energia com cristas e depressões ou uma serpente que engole o próprio rabo. Também pouco importa saber se mundo é feito de ciclos que se repetem infinitamente, ou se é um processo que é montado a cada momento com novos desenhos, sempre buscando uma conformação ideal que nunca acontece.
Nós só precisamos de um dia para viver, uma noite para dormir, um ontem para recordar e um amanhã para sonhar. Tudo que daí passa é filosofia. Ou ciência, que afinal são as mesmas coisas.
......................................................................................................................................................................
Dos livros: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm, Assim Falava Zaratustra, São Paulo, Hemus, 1979- Gaia Ciência- Circulo do Livro- São Paulo, 1976
HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo. São Paulo, Círculo do Livro, 1998.
― O Universo Em uma Casca de Nóz- ARX, São Paulo, 2002

João Anatalino

Nenhum comentário: