domingo, 22 de setembro de 2013

A VERDADE EM AÇÃO

Nestes dois artigos de Zero Hora deste domingo, 22/09/2013, temos duas visões sobre o mesmo tema: caberiam ou não os embargos infringentes na ação do mensalão no STF? Uma bela oportunidade para conhecermos um pouco mais sobre justiça.



Artigo| A curva fora do ponto

22 de setembro de 20130
O ministro
desempatador
jogou o
Judiciário
no poço
do descrédito
PERCIVAL PUGGINA*
A decisão do STF que beneficiou com novo julgamento os réus mais bem apadrinhados do mensalão levou-me a uma crônica de Eça de Queiroz. O texto é de outubro de 1871. Falava-se em uma estrada de ferro para ligar Portugal à Espanha e se conjeturava, em Lisboa, sobre as receitas que proporcionariam os espanhóis atraídos pelas belezas e delícias da terrinha. Escreveu, então, o mestre lusitano: “A companhia dos caminhos de ferro, com intenções amáveis e civilizadoras, nos coloca em embaraços terríveis: nós não estamos em condições de receber visitas!”.
Tampouco nós, brasileiros, estamos em condições de as receber. A leitura dos jornais deveria ser feita a portas fechadas, com as persianas corridas, para nosso constrangimento não ser visto. Passamos da fase em que havia certa estética nos escândalos. As bocas formavam redondos “ós” e as mãos caíam em desolada consternação. Lia-se a respeito com pruridos de honra ultrajada. Hoje, centenas de escândalos mais tarde, a vergonha fez-se de todos. É nacional. Quanta vergonha! Não, não estamos em condições de receber visitas!
A credibilidade do Supremo Tribunal Federal exalou longo e enfermo suspiro. Exalou-o de modo audível enquanto Celso de Mello, visivelmente faceiro, naquele estilo em que as palavras parecem extravasadas de um compêndio de gramática, pronunciava seu voto sobre a admissibilidade dos embargos infringentes no curso da Ação Penal 470. Ah, as citações latinas de Celso de Mello! Enquanto as disparava, corretas e certeiras, o ministro feria de modo doído e grave as sadias expectativas nacionais.
Luis Roberto Barroso, pouco antes de ocupar a vaga aberta pela aposentadoria de Ayres Britto, observou que o julgamento do mensalão fora um ponto fora da curva na história das decisões do Supremo. Com isso, o ministro expressou sua convicção de que, ou a curva estava errada em todos os seus pontos (o conjunto das ações penais anteriormente julgadas), ou o julgamento do mensalão fora um erro. A sociedade brasileira, em sua imensa maioria, pensa de outro modo. Eu sei, muito bem, que os ministros do STF não devem molhar o dedo na boca e erguê-lo ao ar para captar os ventos da opinião púbica antes de emitirem seus juízos. A função do Judiciário não é essa. Mas…

***
Mas cinco respeitáveis e experientes ministros tinham convicção diferente (compare-os com o que você pode observar sobre aqueles a quem ele acompanhou com o decisivo voto que proferiu). Mas foi afirmado muitas vezes no plenário, sem sofrer contestação: “O Supremo nunca julgou duas vezes o mesmo caso”. Mas, ao votarem pela admissibilidade dos embargos infringentes, os ministros inovaram. E resolveram fazê-lo, coincidentemente, no mais escandaloso processo judicial da história, processo em que constam como réus expressivas figuras da República. Mas a porta que abriram amplia o infinito sistema recursal brasileiro, tornando ainda mais inconclusos e procrastináveis os julgamentos de réus endinheirados. Mas o ministro desempatador jogou o Judiciário no poço do descrédito, com consequências que se multiplicarão no tempo, em milhares de outros casos. O resultado foi uma curva fora do ponto, se entendermos como “ponto” o justo e novamente frustrado anseio dos cidadãos que apenas querem ler os jornais, janelas abertas, sem se envergonharem de suas instituições.
*Escritor

Artigo| Teletubbies em luto

22 de setembro de 20130
marcosRolimMARCOS ROLIM *
marcos@rolim.com.br
Os réus do mensalão
serão punidos.
O PT verá o processo
contaminar a
eleição presidencial
Um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito é o duplo grau de jurisdição. Ninguém está obrigado a concordar com ele. Há quem não concorde, inclusive, com o Estado Democrático de Direito. Os tigres, como se sabe, preferem a ditadura, serviram a ela e a veneram reservadamente. Já se disse que o voto do ministro Celso de Mello foi uma lição de Direito. Mais do que isso, foi um voto constrangedor para quem saiu distribuindo certezas antes de se fazer perguntas simples. Na semana passada, os ministros Barbosa e Fux sustentaram que a lei 8.030 de 1990 havia derrogado os embargos infringentes. Celso de Mello lembrou que o presidente Fernando Henrique enviou projeto ao Congresso propondo o fim daquele recurso em 1998 e que esta proposição foi recusada pelo Parlamento com o apoio do PSDB e do PFL (hoje DEM). Se o governo formulou projeto pretendendo o fim dos infringentes no STF e o Congresso recusou a medida, então como sustentar que o recurso não tinha previsão legal? E como o ministro Gilmar Mendes não mencionou o fato se ele próprio auxiliou a redação do PL quando era Advogado-Geral da União? Interessante também que ele tenha dito aos jornalistas que poderia “indicar uma pizzaria” para o mensalão. Não se lembrou de dizer isto quanto mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas ou o médico Roger Abdelmassih, este último acusado de estuprar dezenas de pacientes e que aproveitou a liberdade concedida para escapulir do país. Com relação a Dantas, aliás, o STJ considerou que as provas colhidas na operação Castelo de Areia eram ilegais, porque começaram com uma denúncia anônima (!). Não houve indignação na mídia, nem escândalo no Brasil diante do absurdo. É que o pessoal é muito seletivo. Quando Joaquim Barbosa acusou Levandowsky de fazer “chicana”, uma intervenção que diz algo importante sobre o primeiro e nada sobre o segundo, o fato foi amplamente noticiado e, como regra, sem reparos. Batman, fomos informados, seguia atento aos vilões que ameaçam Gothan City. Mas quando o ministro Marco Aurélio, propositalmente, enrola uma sessão do Supremo para que ela seja encerrada sem o voto de desempate de Celso de Mello, com o objetivo explícito de fervê-lo por uma semana no chamado “clamor popular” não houve quem considerasse a conduta uma chicana. O ministro Marco Aurélio, aquele que considera a ditadura um “mal menor”, chamou o ministro Luis Roberto Barroso de “novato”. Os tigres gostaram da grosseria. No STF, entretanto, não há novatos e Barroso foi, entre todas as indicações feitas na última década, a que mais parece se adequar às exigências de uma Corte Suprema.
Os réus do mensalão serão punidos. O PT verá, ainda, o processo contaminar a eleição presidencial e terá que responder a um tema para o qual nunca teve resposta. O que não está claro é se a justiça terá dado um passo verdadeiro para o fim da impunidade aos poderosos. Enquanto isto, atrizes da novela “Amor à Vida” publicam no Instagram fotos “de luto pelo Brasil” em protesto contra a decisão do STF. No que foram seguidos pelo casal Xanddy e Carla Perez. Todos contra os infringentes. Para a consciência teletubbie, claro, Gothan City está entregue aos malfeitores e o primeiro deles chama-se Direito.
* Jornalista

Nenhum comentário: