Um grande sábio disse certa vez que o arrancar de uma flor na terra afeta uma estrela distante. Essa afirmativa poderia parecer improvável, mas é verdadeira e refere-se à unidade inata de toda existência e sua íntima conexão em todos os níveis. Uma harmonia infinita na Natureza estende-se das menores formas de vida, ou microrganismos, aos maiores sistemas estelares e galáxias do universo. Essa ordem natural assegura que cada forma de manifestação de vida tem seu lugar e papel apropriados na evolução da vida até sua plenitude.
De modo semelhante, o biólogo vienense do início do século XX, Raoul France, afirma que todo o mundo vegetal vive responsivo ao movimento da terra e de seu satélite, a lua, e ao movimento dos outros planetas do nosso sistema solar. Diz, ainda, que será provado que as estrelas e outros corpos cósmicos do universo afetam o reino vegetal. Toda a vida está unida por sutis laços de afinidade, e, portanto, qualquer movimento numa extremidade do espectro afeta a outra extremidade. Os campos mórficos de Rupert Sheldrake fazem eco a esse tema antigo de interconexão, sugerindo que experiências artísticas são realizadas no inconsciente de toda a humanidade.
Em toda parte, no processo de evolução, há interligação e interdependência entre várias espécies de vida. A acácia, por exemplo, recruta o serviço de proteção de certas formigas e recompensa-as pagando-lhes com néctar pela proteção contra outros insetos e animais arborícolas. Nesse relacionamento entre a acácia e as formigas há um auxílio mútuo e elas mantêm a harmonia da Natureza. As plantas, segundo Raoul France, são capazes de intenção: elas conseguem, de um modo misterioso, esticar-se em direção àquilo que desejam ou buscam. É possível ver esse movimento nos bosques onde plantas espiralam para cima através da mata densa para captar a luz do sol. Para obter o auxílio adequado, elas se enroscam em torno das árvores e crescem juntas.
As muitas espécies de vida que evoluem na terra agem de acordo com as limitações de suas formas e de seus instintos naturais. Referindo-se à grande inteligência que guia essa evolução A Luz da Ásia afirma:
Um poder que constrói, destrói, e constrói novamente,
governa todas as coisas de acordo com a regra.
Da virtude, que é beleza, verdade, e uso:
De modo que todas as coisas fazem bem aquilo que serve ao Poder,
e mal aquilo que atrapalha; ademais, o verme faz bem,
obediente à sua espécie;
faz bem o falcão que carrega a presa sangrando para seu filhote.
Cada espécie comporta-se instintivamente segundo suas necessidades. Quando o leão mata a presa, ele o faz em busca de alimento e não devido à malícia, e uma vez cheio o estômago, não tem razão para matar até a próxima refeição. Existem, no entanto, casos excepcionais no reino animal, de animais comportando-se contrariamente à sua natureza instintiva. Nos parques de caça do Quênia, havia uma leoa que recebeu o nome de 'Kamunyak', que significa 'a abençoada' no idioma Masai, pois ela repetidamente adotava jovens cervos e lhes dava proteção. A leoa não os feria, e eles andavam com ela daqui para ali sem mostrar qualquer sinal de medo. Esse é um exemplo de consciência animal que progrediu muito além de sua espécie, manifestando amor e compaixão.
Existe uma harmonia natural entre as muitas espécies; assim sendo, elas se auxiliam umas às outras. Por exemplo, algumas variedades de pássaros pousam sobre grandes animais como os rinocerontes e proveem serviço comendo os carrapatos de seus corpos. No seu livro Kinship with all Life, o autor Allen Boone escreve a respeito de experiências humanas com animais e diz que é possível estabelecer genuíno relacionamento com eles. Num experimento particular, o autor registra sua extraordinária experiência com uma mosca doméstica com a qual foi capaz de estabelecer comunicação. Ele diz: 'Se você quiser aprender o segredo do reto relacionamento, procure apenas o bem, que é o divino, nas pessoas e nas coisas, e deixe o restante para Deus'.
O professor J. C. Bose, o grande cientista do século XIX, citando os antigos sábios da Índia, disse com relação a isso: 'Aqueles que veem apenas o Um em todas as multiplicidades cambiantes deste universo pertencem à Verdade Eterna – e a ninguém mais, e a ninguém mais'. Como disseram os antigos sábios da era dos Upanishades, em seus escritos, a Natureza sussurra-nos de muitas maneiras e através de muitos meios. O cultivo da sensibilidade para se experienciar a vibração e a harmonia da vida é a estrada que leva à percepção. A consciência humana perdeu muito de sua sensibilidade sob a influência do materialismo.
Existe um relato interessante da resposta dada pelo Chefe Indígena Seattle ao governo dos EUA quando este se ofereceu para comprar as terras da tribo. Ele respondeu:
Nós somos parte desta terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs;
o veado, o cavalo, a grande águia, estes são nossos irmãos. Os cumes rochosos, os sulcos nos
prados, o calor do corpo do pônei e do homem – tudo pertence à mesma família.
Os rios são nossos irmãos, eles mitigam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas, e
alimentam nossos filhos. Se vos vendermos nossa terra, deveis lembrai-vos de ensinar a vossos
filhos que os rios são nossos irmãos, e vossos; e deveis doravante dispensar aos rios a gentileza
que dispensaríeis a qualquer irmão.
Nessa mensagem do grande Chefe é sugerida uma maneira de vida na qual existe harmonia com toda a existência e percepção da beleza da Natureza. Uma reflexão sobre nossos valores atuais indica que estamos muito distanciados da harmonia da Natureza e consequentemente, há muito sofrimento no mundo. O uso excessivo que atualmente se faz dos recursos da Natureza alcançou níveis tão perigosos que seu frágil equilíbrio está ameaçado. A perversão começa com a raça humana que, por sua ganância e por seu, egoísmo, é responsável pelo estado em que a terra, sua vegetação e as várias outras espécies de vida, se encontram.
O princípio de Fraternidade Universal sem qualquer distinção, não apenas como um ideal pelo qual se deve aspirar, mas como uma realidade na Natureza, precisa ser compreendido. A afirmação de que 'o arrancar de uma folha afeta uma estrela distante' põe em foco a responsabilidade que assumimos por todas as nossas ações. Será que nossas ações contribuem para a criação de harmonia ou de desarmonia no mundo? O estado de percepção faz brotar as sutis motivações da mente.
A mente humana divide e diferencia entre o que ela identifica como o eu de um lado, e os outros de outro. Ela acentua e perpetua as diferenças, em vez de ver a unidade inerente da existência. A percepção permite à pessoa observar suas (da mente) verdadeiras operações.
O precondicionamento da mente faz com que o processo de pensar funcione ao longo de sulcos pré-estabelecidos. Ela categoriza e diferencia de muitas maneiras. Ao lidar com outras pessoas, introduz a separação com base em casta, credo, e assim por diante. Ela também funciona com autoimportância, depreciando os outros como não sendo importantes. O movimento na mente é tão sutil que, a não ser que a pessoa desenvolva atenção e percepção, não é notado. Ela possui habilidade para convencer que está livre de qualquer tipo de distinção como raça, religião, sexo etc., mas a observação atenta põe em foco as motivações por trás de suas ações. O eu se manifesta de muitas maneiras ao lidar com o mundo ao seu redor. Com a percepção surge a aceitação de que as distinções existem na mente e que têm de ser enfrentadas.
Krishnamurti afirma que somos responsáveis pelo estado em que o mundo se encontra porque pensamos em termos de raça, religião, casta etc. O indivíduo torna-se responsável pelos problemas enfrentados pelo mundo. Por nossas ações enviamos ondulações através do universo e perturbamos a harmonia quando elas não são de auxílio. É, portanto, um truísmo que o arrancar de uma flor afete uma estrela distante. Quando olhamos para as muitas questões que a humanidade geralmente enfrenta, deveria surgir em nossas mentes a pergunta quanto à nossa responsabilidade em contribuir para tais problemas. Certa vez na Índia perguntaram a Krishnamurti sobre a verdadeira causa da morte prematura do Mahatma Gandhi. Sua resposta foi:
Os eventos mundiais não são incidentes sem relação entre si; estão relacionados. A verdadeira
causa da morte de Gandhi está em você. A verdadeira causa é você. Pelo fato de ser comunalista,
você encoraja o espírito de divisão através da casta, através da ideologia, através das diferentes
religiões, seitas, líderes.
Aqui estão resumidos alguns dos problemas que se opõem ao espírito de Fraternidade Universal. A reflexão profunda certamente trará à nossa atenção muitas dessas condições das quais sofremos todos. A estrada que leva à percepção é reconhecer essas tendências dentro de nós e negá-las, dissociando-nos delas. Os objetivos da Sociedade guiam-nos com clareza.
Outra importante questão com que se depara a humanidade é sua total alienação da Natureza. Certamente que a fraternidade a que nos referimos não está restrita apenas aos seres humanos. Se os animais, as árvores e outras formas de vida não forem considerados de maneira compassiva, então, a verdadeira fraternidade não existe.
A Mãe Natureza não tem recebido a consideração devida da raça humana. A derrubada de enormes áreas florestais, a mineração excessiva, a poluição de rios e mares resultaram na extinção de muitas formas de vida. A harmonia da Natureza é perturbada e como consequências resultantes temos mudança de clima, tsunamis e terremotos.
Estarão os valores da sociedade moderna baseados puramente no progresso material? Os seres humanos foram condicionados a acreditar que cada vez mais bens materiais são desejáveis e que isso lhes trará felicidade. No entanto, não é bem assim, como muitas pessoas descobriram após muito sofrimento. A competição excessiva que influencia muitas pessoas e faz com que aspirem por cada vez mais riqueza não traz em seu bojo nem a felicidade nem o contentamento.
Existe a necessidade de se reavaliar os valores da sociedade materialista atual e reverter a um modo mais natural de vida que permitiria ao homem religar-se à Natureza. O Chefe Indígena Seattle expressou a realidade do moderno modo urbano de viver quando disse que não havia lugar na cidade para se ouvir o som das folhas que se abrem na primavera, ou o som do zumbido das asas dos insetos. O ruído e a tagarelice da vida moderna alienam o homem da Natureza.
A apreciação da beleza inata da flor, do rio, da montanha etc. restabelece elos com a Natureza. Existe uma bela história de um escultor de uma aldeia já acostumada com o cinzelar, o martelar e o desbastar. Mas certo dia foi diferente. No lugar de um enorme bloco de pedra, havia agora uma deusa viva, bela e brilhante, banhada na luz suave do sol matinal. Os aldeões estavam maravilhados e surgiu a pergunta: Como você sabia que ela estava escondida aí dentro?' O escultor sorriu com um olhar distante e disse: 'Porque eu a via aí dentro'.
Perceber a vibrante energia oculta, o desabrochar da consciência, nos animais, nas plantas e até mesmo nas pedras, aparentemente inertes e inconscientes, é a estrada que leva à percepção. Compreender os modos infinitos de expressão da Natureza e ver a consciência manifestando-se em tudo é harmonizar-se com toda a vida.
Autor: Bhupendra R. Vora
Extraído de: The Theosophist – Nov. 2010 – Publicado na revista TheoSophia
Tradução: Edvaldo Batista de Souza, Loja Kut Humi, Salvador, BA
Fonte:http://lojateosoficadharma.blogspot.com.br/2016/01/arrancar-uma-flor-afeta-uma-estrela.html
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