Em Loja, o Aprendiz Maçon não tem
direito ao uso da palavra.
Esta frase, sendo
substancialmente verdadeira, não espelha, porém, correctamente a realidade. A
mesma ideia, correctamente formulada, expressa-se pela seguinte frase: em Loja,
o Aprendiz Maçon beneficia do direito ao silêncio e cumpre o dever do silêncio.
O Aprendiz Maçon não usa da
palavra em Loja, não porque se lhe não reconheça capacidade para tal (pelo
contrário: o Aprendiz foi cooptado para integrar a Loja, pelo que se lhe
reconhece valor), não porque se lhe atribua um estatuto inferior aos restantes (mais
uma vez, pelo contrário: o Aprendiz tem um estatuto de plena igualdade com os
restantes obreiros e é um importante pólo de atenção da Loja, que tem como uma
das suas mais importantes tarefas a sua formação), mas porque o cumprimento de
um período de silêncio é considerado imprescindível para o seu processo de
aperfeiçoamento.
O silêncio do Aprendiz em Loja é
importante por, pelo menos, três razões: a defesa do próprio Aprendiz, a
focalização da sua atenção para a simbologia de que se vê rodeado e a demarcação
de prioridades no seu processo de aperfeiçoamento.
Em primeiro lugar, estando o
Aprendiz Maçon confinado ao silêncio, nada tem de dizer, sobre nada tem que
opinar, nenhuma posição lhe é exigida. O silêncio a que é confinado funciona,
desde logo, como um meio de defesa, de protecção, do mesmo.
O Aprendiz Maçon está a efectuar
um processo de integração num grupo novo, com regras específicas, com uma
ligação inter-pessoal forte. Desejaria, porventura, ter uma atitude proactiva
de se dar a conhecer, de intervir, de mostrar o seu valor. Mas não precisa: que
tem valor, já todo o grupo o sabe - por isso o aceitou no seu seio -, o
conhecimento advirá, nos dois sentidos, com o tempo e a naturalidade dos
contactos entre todos. O Aprendiz Maçon está num processo de mudança de
paradigma quanto à forma de estar social. Os valores apreciados nos meios
profanos não serão os mesmos que são preferidos entre os maçons. Na Maçonaria
não se busca eficiência, produtividade, riqueza, estatuto, etc.. Na Maçonaria
valoriza-se a força de carácter, o reconhecimento das próprias imperfeições, o
desejo de melhorar, a ponderação, o respeito pelo outro, a tolerância, a
paciência, etc.. Seria injusto para o Aprendiz maçon que, vindo das realidades
do mundo profano, está ainda em processo de adaptação aos objectivos do método
maçónico de aperfeiçoamento, deixá-lo expressar opiniões que, a breve trecho,
mudará, exprimir conceitos que, desejavelmente, abandonará, em suma, actuar
como está habituado a actuar no mundo profano, para logo verificar que errou e
que o seu erro foi publicamente exposto.
Todo o processo de aprendizagem é
um processo de tentativa-erro-correcção. O aperfeiçoamento pessoal é um
processo também com estas características. Errar é normal. Será, porventura,
até necessário. Os maçons experientes sabem-no. Mas quem está a soletrar as
primeiras letras do novo alfabeto de valores só com o tempo o verificará. Não
necessita de errar publicamente e, porventura, sentir-se diminuído com isso.
Tempos virão em que será muito útil, para si e para os demais, que expresse a
sua opinião, que colabore, que intervenha. Enquanto está na fase de
aprendizagem, o que se espera dele é que aprenda, que se situe, que se
concentre em si próprio, não na imagem que gostaria de transmitir para os
demais.
Por outro lado, o facto de o
Aprendiz maçon estar confinado ao silêncio, permite-lhe focalizar a sua atenção
para tudo o que o rodeia, para tudo o que se passa, para tudo o que é dito -
sem necessidade de responder! A experiência mostra-nos que, muitas vezes, não
damos a atenção que deveríamos dar a situações, a acções, a declarações, porque
estamos em simultâneo a pensar na resposta que vamos dar à situação, à acção, à
declaração. O Aprendiz Maçon, com o seu direito ao silêncio, está eximido de
responder, de opinar. Não tem assim de desviar a sua atenção para preparar a
sua resposta. Pode e deve concentrar toda a sua atenção no que se passa,
meditar sobre o seu significado, errar ou acertar, emendar o erro ou confirmar
o acerto, em suma, ver (ver mesmo, não apenas olhar...) os símbolos, procurar
compreendê-los e atribuir-lhes significados, utilizar esse conhecimento para
sua própria melhoria.
O silêncio do Aprendiz
permite-lhe, finalmente, pensar, depois reflectir e seguidamente meditar. E
pensar, reflectir e meditar é o principal trabalho que tem a fazer. Porque só
assim verá para além do óbvio, só assim despertará para o desconhecido, só
assim se virará do exterior para o interior de si mesmo. E só assim poderá
descobrir que tudo o que verdadeiramente importa já o tem, dentro de si. Basta
que o encontre, que o utilize, que o aceite, que o desfrute!
A prioridade do maçon é ele
próprio. O trabalho do maçon é melhorar, aperfeiçoar-se. Tudo o que de bom o
maçon faça tem como objectivo esse aperfeiçoamento. A solidariedade é um meio
de aperfeiçoamento. A fraternidade é um meio de aperfeiçoamento. O
comportamento tolerante é um meio de aperfeiçoamento.
O importante está dentro de si.
Tudo o que é exterior, incluindo a riqueza, posição social, reconhecimento dos
demais, só tem valor na medida em que se repercuta positivamente no interior de
cada um.
O Aprendiz Maçon vai, em
silêncio, conhecer e aprender o significado de muitos símbolos. Vai, em
silêncio, assistir a rituais e procedimentos. Vai, em silêncio, assistir a
debates e verificar como se podem debater opiniões contrárias de modo
civilizado, profícuo e satisfatório. Mas vai, sempre com o auxílio do silêncio,
que há-de vir a compreender que não foi uma imposição, antes um benefício,
sobretudo surpreender, apreender e compreender que o primeiro grande objectivo
do maçon, o primeiro grande passo para se aperfeiçoar, a primeira ferramenta
para descortinar o significado da Vida e da sua existência, é CONHECER-SE A SI
MESMO.
E esse conhecimento de si mesmo
não se obtém falando para os outros, conversando, discursando, palrando,
opinando.
Esse conhecimento de si mesmo
adquire-se lentamente, às vezes dolorosamente, sempre buscando
persistentemente, apenas em diálogo consigo mesmo.
O silêncio do Aprendiz Maçon -
quanto mais cedo este o perceba, melhor! - só existe perante os demais. Na
realidade, o silêncio do Aprendiz mais não é do que um ensurdecedor diálogo
consigo próprio, uma discussão que o que tem de bom trava com o que tem de mau,
uma conversa com a criança que nos esquecemos de ser, com o adulto ponderado
que, às vezes, deixamos para trás de nós próprios, com o experiente e sabedor
ser que, de qualquer forma, o decurso do tempo mostrará que existe em nós, nós
é que, muitas vezes, não damos por ele e não nos damos ao trabalho de inquirir
se ele existe.
É no silêncio que o Aprendiz
Maçon vai amaciando as asperezas da pedra bruta que é ele próprio. O silêncio
do Aprendiz Maçon é o primeira prenda que a Loja lhe dá. Deve o Aprendiz Maçon
utilizá-la como uma ferramenta. Se a utilizará bem ou mal, ele próprio - e só
ele - o avaliará!
Rui Bandeira
Fonte:
http://www.a-partir-pedra.blogspot.com.br/2007/11/o-silncio-do-aprendiz.html
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