sexta-feira, 19 de julho de 2013

TEORIA E PRÁTICA

Diálogo entre Exu e Oxalá
O céu e a terra fundiam-se no horizonte distante, parecendo uma coisa só, como se não houvesse separação entre o mundo espiritual e o material, a consciência individual e a cósmica.
Sentado sobre uma pedra em uma enorme montanha, de cabeça baixa e olhos apenas entreabertos, Exu observava o fenômeno da natureza e refletia sobre o seu interminável trabalho.
Como é difícil a humanidade – pensou em certo momento – parece nunca estar satisfeita, está sempre querendo mais e, em sua essência egoísta desarmoniza tudo, tudo... Tudo que era para ser tão simples acaba tão complicado.
Com os olhos habituados a enxergar na escuridão e na distância, Exu observou cada canto daqueles arredores. Viu pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita normalidade. Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos. Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição. Exu suspirou.
Todos os dias somos expostos a um bombardeio de informações. A maioria delas, infelizmente, sobre coisas desagradáveis. São tantas que temos dificuldade de guardá-las na memória. São os escândalos do senado e da câmara... O mensalão... Os atos secretos... Operação Satiagraha... Operação Rodin... As passagens aéreas dos deputados vendidas a particulares... Familiares usando telefones celulares da câmara em viagens... Deputados estaduais cobrando diárias dormindo na sua casa... Vereadores apresentando projetos de interesse de particulares... Falsos cursos para vereadores encobrindo viagens de turismo... Hospitais lotados... Pessoas esperando meses – quando não anos, por uma consulta no SUS... Buracos em rodovias fazendo aniversário. Trânsito caótico... Sistema coletivo parado nas horas de pico. Sistema de esgoto sem tratamento despejando toneladas de sujeira todos os dias nos rios... Escolas públicas de péssima qualidade. Prédios de escolas caindo aos pedaços... Servidores públicos mal pagos e desmotivados... Estradas estaduais desaparecendo... Etc,etc,etc. Tudo isto apenas no âmbito público. E no âmbito privado será que é diferente?
No âmbito privado podemos citar a sonegação de impostos generalizada – justificada pela péssima atuação de nossos governos... O desrespeito ao meio ambiente... O desmatamento desenfreado na Amazônia... Na mata atlântica... A matança de peixes nos rios por despejo de produtos tóxicos sem tratamento... O entupimento do sistema de esgoto pluvial por acumulo de lixo que jogamos na rua... O uso abusivo de embalagens... A participação fraudulenta de empresas em licitações... O oferecimento de propina a funcionários públicos... O desrespeito às leis de trânsito... O vantagismo de toda espécie... O furar a fila do ônibus... O ocupar os assentos dos idosos e gestantes, etc, etc, etc.
Quando nos propomos a fazer esta palestra pensávamos na distância que nos separa entre o que achamos que é o correto e aquilo que praticamos. Mesmo tendo pouco tempo de experiência no trabalho com a assistência da Choupana, pudemos notar que mesmo aqui, um espaço dedicado ao nosso relacionamento com o sagrado, mesmo aqui praticamos atos que na sua natureza não diferem daqueles que enumeramos há pouco. Infelizmente, há pessoas que na busca de alguma vantagem são capazes de mentir, de burlar as regras da casa, de forçar situações que colocam trabalhadores em atrito uns com os outros. Outros deixam lixo jogado pelo chão, jogam bitucas de cigarro em qualquer lugar, colam chicletes nos bancos. Alguns chegam a ficar furiosos por estarem na frente ou atrás no número das fichas.
Pensando em todos estes fatos ruins enumerados, cheguei a uma conclusão: tem alguma coisa errada conosco. Será que nós teremos algum amparo nas nossas pretensões e necessidades que apresentamos à espiritualidade agindo desta forma?
Lembro que na palestra que o Norberto apresentou antes de nossa segunda sessão de Exus ele falou muito sobre MERECIMENTO. Que todos nós trazemos uma carga cármica de outras encarnações para trabalhar nesta encarnação visando a nossa evolução. Que o carma que produzimos pode ser superado pelo MERECIMENTO, de tal sorte que nesta ou em outra encarnação estejamos numa situação melhor. Mas, com este nosso agir, estamos merecendo o quê? Nós temos consciência disso? Se temos, por que não agimos diferente? Se sabemos em teoria o que deve ser feito e o que não deve, por que insistimos numa prática que não leva ao MERECIMENTO?
Eu não gosto de ficar falando apenas sobre coisas ruis e então vou propor uma reflexão sobre algumas coisas que podemos fazer para nos mudar.
Antes de qualquer coisa, temos que ter CONSCIÊNCIA do que nos acontece e do porque estas coisas nos acontecem. Então, vamos fazer algo muito prático. Vamos nos dividir em quatro partes: o que nós pensamos; o que nós sentimos; o que nós falamos e o que nós fazemos. Estas são afinal as formas pelas quais nos relacionamos com a realidade.
O que nós estamos pensando?
Nós todos temos ouvido falar do poder do pensamento. A física quântica teoriza que o que existe só existe a partir da ação pensante de alguém, cumprindo a máxima hermética de que o universo é mental. Não há dúvida de que o pensamento cria, para o bem o para o mal, o que vai nos acontecendo individual e coletivamente. Mas vamos tratar mais do dia-a-dia. Nós acordamos e imediatamente o nosso pensamento voa: os compromissos do dia, os problemas a serem resolvidos na família e no trabalho. Somos uma máquina de pensar. O grande problema é que esta máquina de pensar tende a se voltar para as coisas negativas, para os riscos que corremos, nossos medos, nossas preocupações, nossas necessidades não atendidas, nossas dificuldades, etc, etc, etc. De tal sorte que passamos a maior parte do nosso tempo com pensamentos negativos. E isso é geral: a humanidade passa a maior parte do tempo assim. E o pensamento cria. A realidade acaba materializando nossos pensamentos.
Não importa se acreditamos nisso ou não: é uma lei. Certa vez li uma frase que me chamou a atenção: “Não importa o que você pense: você sempre tem razão.” E é isso mesmo que quer dizer: o que nós pensamos acaba virando realidade para nós. Você pensa: Veja a realidade como anda: violência, maldade, vícios... Como vou acreditar em Deus? Pronto: você tem razão. Deus para você não vai existir. Você mesmo criou esta realidade e vai vivê-la. Tudo dá errado comigo, não consigo um emprego, uma namorada ou namorado, na minha vida nada da certo. Pronto: você tem razão. Para você nada vai dar certo. Que coisa séria! Estou sempre doente, fraco, sem força, coitado de mim. Pronto: você tem razão. Você é e será um coitado.
Então o que podemos fazer se essa é a realidade do que pensamos? O simples: vamos mudar. Vamos buscar ocupar nossa mente com coisas boas para querer. Vamos ler bons livros, ouvir boa música, ir ao cinema ver bons filmes, namorar, viajar, passear, dançar, estudar e nos instruir, atividades enfim que mudem a polaridade do nosso pensamento. É fácil? Não, não é fácil. Dá certo? Pode crer que dá muito certo. Nossa mente vai para onde a levamos. Nós somos os condutores do nosso pensamento e da nossa vida.
E o que nós estamos sentindo?
Para tratar do que estamos sentindo vou voltar à física quântica e ao filme “Quem somos nós.” Neste filme foi demonstrado que nosso corpo tem uma usina de produtos químicos que nos fazem sentir coisas. Nós pensamos que estamos com fome. Imediatamente é produzida no hipotálamo uma química que é injetada na corrente sanguínea e que chega às células de nossos órgãos, tecidos, músculos, produzindo um sentimento: fome, saudade, medo, alegria, tristeza. A criação de um padrão mental acaba viciando nossas células e, em conseqüência, o nosso corpo. Viciamos na comida, nos antidepressivos, na bebida, no sexo, nas novelas, no futebol, etc. Então o que eu posso fazer para mudar essa situação? Mudar meus pensamentos. A partir do momento que meus pensamentos estão vibrando no positivo serei capaz de quebrar este círculo vicioso e meus sentimentos corresponderão aos meus pensamentos: sentimentos positivos se positivos os pensamentos, sentimentos negativos se negativos os pensamentos. É físico, é lei.
E o que nós andamos falando e fazendo?
Bem! O que nós pensamos e sentimos acaba se expressando na realidade através do que nós falamos e fazemos. Se tivermos bons pensamentos, teremos bons sentimentos. E nossas palavras e ações serão da mesma natureza que estes pensamentos e sentimentos.
Então qual é o ideal? O ideal é que consigamos que haja uma correspondência entre o que pensamos, o que sentimos, o que falamos e o que fazemos.  Se conseguirmos minimamente esta correspondência, seremos pessoas equilibradas, maduras e sadias. O que acontece quando não há esta correspondência? Nós vamos de alguma forma pagar o preço: enxaquecas, pequenas doenças, problemas emocionais, profissionais, vícios, etc. Lembrando sempre que o caminho começa em nós. “Então cuidemos bem dos nossos pensamentos, porque eles se transformarão em sentimentos; cuidemos bem dos nossos sentimentos, porque eles se transformarão em palavras; cuidemos bem de nossas palavras, porque elas se transformarão em ações; cuidemos bem de nossas ações, porque elas se transformarão em hábitos; cuidemos bem de nossos hábitos porque eles marcarão o nosso caráter; cuidemos bem de nosso caráter, porque ele determinará o nosso destino.”
É bom lembrar o seguinte pensamento: “nos preocupemos mais com o nosso caráter do que com a nossa reputação, pois a nossa reputação é o que os outros pensam de nós e o nosso caráter é o que realmente nós somos.”
Pensemos também sobre algo muito importante. Como nós agimos normalmente quando recebemos de outra pessoa uma notícia – para não dizer fofoca – que trata quase sempre sobre o caráter ou a falta de caráter de alguém? Como nós falamos mal dos outros facilmente. Como coisas que nem sabemos se são verdadeiras circulam como se verdade fossem. Por que essa nossa facilidade em espalhar a maldade, a desgraça, a difamação, sem o menor pudor?
Neste sentido, uma prática pode também ser bastante útil no nosso dia-a-dia: o uso das três peneiras de Sócrates. Quando alguém vier lhe falar sobre um assunto que não é bom, sobre a vida alheia, use as três peneiras. Primeira peneira: o que é tratado é verdade? Você tem certeza? Absoluta?  Segunda peneira: o que é tratado é bom? Faz bem a alguém? Se o assunto sobreviveu às duas peneiras iniciais, aplique-lhe a terceira peneira: o assunto em questão é útil para o quê? Resumindo, não sejamos veículos de coisas ruins, de maldades, de injustiças. Utilizemos o nosso precioso tempo na vida com o que é bom, bonito, verdadeiro, útil. Tratemos-nos bem para que o mundo nos trate da mesma forma. Vamos dar o exemplo. Vamos MERECER o que buscamos, pois o MERECIMENTO é o motor da evolução. É a união da teoria com a prática.
Do “Diálogo entre Exu e Oxalá.” Pelo Templo Tião D'angola e Boiadeiro Sete Porteiras.
Então, companheiro Exu, não temos porque lamentar. A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos trabalho a realizar. A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de “direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda. Apenas contemplar as mazelas dos corações humanos não irá auxiliá-los em nada. Sou a luz que guia os olhos da humanidade e você é o movimento que não a deixa estática. Se pararmos por um segundo sequer, atrasaremos em séculos e séculos o progresso da raça humana, que tanto depende de nós.

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