Diálogo entre Exu e Oxalá
O céu e a terra fundiam-se no
horizonte distante, parecendo uma coisa só, como se não houvesse separação
entre o mundo espiritual e o material, a consciência individual e a cósmica.
Sentado sobre uma pedra em uma enorme
montanha, de cabeça baixa e olhos apenas entreabertos, Exu observava o fenômeno
da natureza e refletia sobre o seu interminável trabalho.
Como é difícil a humanidade – pensou
em certo momento – parece nunca estar satisfeita, está sempre querendo mais e,
em sua essência egoísta desarmoniza tudo, tudo... Tudo que era para ser tão
simples acaba tão complicado.
Com os olhos habituados a enxergar na
escuridão e na distância, Exu observou cada canto daqueles arredores. Viu
pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades
premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita
normalidade. Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos.
Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de
maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição. Exu suspirou.
Todos
os dias somos expostos a um bombardeio de informações. A maioria delas,
infelizmente, sobre coisas desagradáveis. São tantas que temos dificuldade de
guardá-las na memória. São os escândalos do senado e da câmara... O mensalão...
Os atos secretos... Operação Satiagraha... Operação Rodin... As passagens
aéreas dos deputados vendidas a particulares... Familiares usando telefones
celulares da câmara em viagens... Deputados estaduais cobrando diárias dormindo
na sua casa... Vereadores apresentando projetos de interesse de particulares...
Falsos cursos para vereadores encobrindo viagens de turismo... Hospitais
lotados... Pessoas esperando meses – quando não anos, por uma consulta no SUS...
Buracos em rodovias fazendo aniversário. Trânsito caótico... Sistema coletivo
parado nas horas de pico. Sistema de esgoto sem tratamento despejando toneladas
de sujeira todos os dias nos rios... Escolas públicas de péssima qualidade.
Prédios de escolas caindo aos pedaços... Servidores públicos mal pagos e
desmotivados... Estradas estaduais desaparecendo... Etc,etc,etc. Tudo isto
apenas no âmbito público. E no âmbito privado será que é diferente?
No
âmbito privado podemos citar a sonegação de impostos generalizada – justificada
pela péssima atuação de nossos governos... O desrespeito ao meio ambiente... O
desmatamento desenfreado na Amazônia... Na mata atlântica... A matança de
peixes nos rios por despejo de produtos tóxicos sem tratamento... O entupimento
do sistema de esgoto pluvial por acumulo de lixo que jogamos na rua... O uso
abusivo de embalagens... A participação fraudulenta de empresas em
licitações... O oferecimento de propina a funcionários públicos... O
desrespeito às leis de trânsito... O vantagismo de toda espécie... O furar a
fila do ônibus... O ocupar os assentos dos idosos e gestantes, etc, etc, etc.
Quando
nos propomos a fazer esta palestra pensávamos na distância que nos separa entre
o que achamos que é o correto e aquilo que praticamos. Mesmo tendo pouco tempo
de experiência no trabalho com a assistência da Choupana, pudemos notar que
mesmo aqui, um espaço dedicado ao nosso relacionamento com o sagrado, mesmo
aqui praticamos atos que na sua natureza não diferem daqueles que enumeramos há
pouco. Infelizmente, há pessoas que na busca de alguma vantagem são capazes de
mentir, de burlar as regras da casa, de forçar situações que colocam
trabalhadores em atrito uns com os outros. Outros deixam lixo jogado pelo chão,
jogam bitucas de cigarro em qualquer lugar, colam chicletes nos bancos. Alguns
chegam a ficar furiosos por estarem na frente ou atrás no número das fichas.
Pensando
em todos estes fatos ruins enumerados, cheguei a uma conclusão: tem alguma
coisa errada conosco. Será que nós teremos algum amparo nas nossas pretensões e
necessidades que apresentamos à espiritualidade agindo desta forma?
Lembro
que na palestra que o Norberto apresentou antes de nossa segunda sessão de Exus
ele falou muito sobre MERECIMENTO. Que todos nós trazemos uma carga cármica de
outras encarnações para trabalhar nesta encarnação visando a nossa evolução.
Que o carma que produzimos pode ser superado pelo MERECIMENTO, de tal sorte que
nesta ou em outra encarnação estejamos numa situação melhor. Mas, com este nosso
agir, estamos merecendo o quê? Nós temos consciência disso? Se temos, por que
não agimos diferente? Se sabemos em teoria o que deve ser feito e o que não
deve, por que insistimos numa prática que não leva ao MERECIMENTO?
Eu
não gosto de ficar falando apenas sobre coisas ruis e então vou propor uma
reflexão sobre algumas coisas que podemos fazer para nos mudar.
Antes
de qualquer coisa, temos que ter CONSCIÊNCIA do que nos acontece e do porque
estas coisas nos acontecem. Então, vamos fazer algo muito prático. Vamos nos
dividir em quatro partes: o que nós pensamos; o que nós sentimos; o que nós
falamos e o que nós fazemos. Estas são afinal as formas pelas quais nos
relacionamos com a realidade.
O que nós estamos pensando?
Nós
todos temos ouvido falar do poder do pensamento. A física quântica teoriza que
o que existe só existe a partir da ação pensante de alguém, cumprindo a máxima
hermética de que o universo é mental. Não há dúvida de que o pensamento cria,
para o bem o para o mal, o que vai nos acontecendo individual e coletivamente.
Mas vamos tratar mais do dia-a-dia. Nós acordamos e imediatamente o nosso
pensamento voa: os compromissos do dia, os problemas a serem resolvidos na
família e no trabalho. Somos uma máquina de pensar. O grande problema é que
esta máquina de pensar tende a se voltar para as coisas negativas, para os
riscos que corremos, nossos medos, nossas preocupações, nossas necessidades não
atendidas, nossas dificuldades, etc, etc, etc. De tal sorte que passamos a
maior parte do nosso tempo com pensamentos negativos. E isso é geral: a
humanidade passa a maior parte do tempo assim. E o pensamento cria. A realidade
acaba materializando nossos pensamentos.
Não
importa se acreditamos nisso ou não: é uma lei. Certa vez li uma frase que me
chamou a atenção: “Não importa o que você pense: você sempre tem razão.” E é
isso mesmo que quer dizer: o que nós pensamos acaba virando realidade para nós.
Você pensa: Veja a realidade como anda: violência, maldade, vícios... Como vou
acreditar em Deus? Pronto: você tem razão. Deus para você não vai existir. Você
mesmo criou esta realidade e vai vivê-la. Tudo dá errado comigo, não consigo um
emprego, uma namorada ou namorado, na minha vida nada da certo. Pronto: você
tem razão. Para você nada vai dar certo. Que coisa séria! Estou sempre doente,
fraco, sem força, coitado de mim. Pronto: você tem razão. Você é e será um
coitado.
Então
o que podemos fazer se essa é a realidade do que pensamos? O simples: vamos
mudar. Vamos buscar ocupar nossa mente com coisas boas para querer. Vamos ler
bons livros, ouvir boa música, ir ao cinema ver bons filmes, namorar, viajar,
passear, dançar, estudar e nos instruir, atividades enfim que mudem a
polaridade do nosso pensamento. É fácil? Não, não é fácil. Dá certo? Pode crer
que dá muito certo. Nossa mente vai para onde a levamos. Nós somos os
condutores do nosso pensamento e da nossa vida.
E o que nós estamos sentindo?
Para
tratar do que estamos sentindo vou voltar à física quântica e ao filme “Quem
somos nós.” Neste filme foi demonstrado que nosso corpo tem uma usina de
produtos químicos que nos fazem sentir coisas. Nós pensamos que estamos com
fome. Imediatamente é produzida no hipotálamo uma química que é injetada na
corrente sanguínea e que chega às células de nossos órgãos, tecidos, músculos, produzindo
um sentimento: fome, saudade, medo, alegria, tristeza. A criação de um padrão
mental acaba viciando nossas células e, em conseqüência, o nosso corpo.
Viciamos na comida, nos antidepressivos, na bebida, no sexo, nas novelas, no
futebol, etc. Então o que eu posso fazer para mudar essa situação? Mudar meus
pensamentos. A partir do momento que meus pensamentos estão vibrando no
positivo serei capaz de quebrar este círculo vicioso e meus sentimentos
corresponderão aos meus pensamentos: sentimentos positivos se positivos os
pensamentos, sentimentos negativos se negativos os pensamentos. É físico, é
lei.
E o que nós andamos falando e
fazendo?
Bem!
O que nós pensamos e sentimos acaba se expressando na realidade através do que
nós falamos e fazemos. Se tivermos bons pensamentos, teremos bons sentimentos.
E nossas palavras e ações serão da mesma natureza que estes pensamentos e
sentimentos.
Então
qual é o ideal? O ideal é que consigamos que haja uma correspondência entre o
que pensamos, o que sentimos, o que falamos e o que fazemos. Se conseguirmos minimamente esta
correspondência, seremos pessoas equilibradas, maduras e sadias. O que acontece
quando não há esta correspondência? Nós vamos de alguma forma pagar o preço:
enxaquecas, pequenas doenças, problemas emocionais, profissionais, vícios, etc.
Lembrando sempre que o caminho começa em nós. “Então cuidemos bem dos nossos
pensamentos, porque eles se transformarão em sentimentos; cuidemos bem dos
nossos sentimentos, porque eles se transformarão em palavras; cuidemos bem de
nossas palavras, porque elas se transformarão em ações; cuidemos bem de nossas
ações, porque elas se transformarão em hábitos; cuidemos bem de nossos hábitos
porque eles marcarão o nosso caráter; cuidemos bem de nosso caráter, porque ele
determinará o nosso destino.”
É
bom lembrar o seguinte pensamento: “nos preocupemos mais com o nosso caráter do
que com a nossa reputação, pois a nossa reputação é o que os outros pensam de
nós e o nosso caráter é o que realmente nós somos.”
Pensemos
também sobre algo muito importante. Como nós agimos normalmente quando
recebemos de outra pessoa uma notícia – para não dizer fofoca – que trata quase
sempre sobre o caráter ou a falta de caráter de alguém? Como nós falamos mal
dos outros facilmente. Como coisas que nem sabemos se são verdadeiras circulam
como se verdade fossem. Por que essa nossa facilidade em espalhar a maldade, a
desgraça, a difamação, sem o menor pudor?
Neste
sentido, uma prática pode também ser bastante útil no nosso dia-a-dia: o uso
das três peneiras de Sócrates. Quando alguém vier lhe falar sobre um assunto
que não é bom, sobre a vida alheia, use as três peneiras. Primeira peneira: o
que é tratado é verdade? Você tem certeza? Absoluta? Segunda peneira: o que é tratado é bom? Faz
bem a alguém? Se o assunto sobreviveu às duas peneiras iniciais, aplique-lhe a
terceira peneira: o assunto em questão é útil para o quê? Resumindo, não
sejamos veículos de coisas ruins, de maldades, de injustiças. Utilizemos o
nosso precioso tempo na vida com o que é bom, bonito, verdadeiro, útil.
Tratemos-nos bem para que o mundo nos trate da mesma forma. Vamos dar o
exemplo. Vamos MERECER o que buscamos, pois o MERECIMENTO é o motor da
evolução. É a união da teoria com a prática.
Do “Diálogo entre Exu e Oxalá.” Pelo
Templo Tião D'angola e Boiadeiro Sete Porteiras.
Então, companheiro Exu, não temos
porque lamentar. A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos
trabalho a realizar. A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão
muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de
“direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda.
Apenas contemplar as mazelas dos corações humanos não irá auxiliá-los em nada.
Sou a luz que guia os olhos da humanidade e você é o movimento que não a deixa
estática. Se pararmos por um segundo sequer, atrasaremos em séculos e séculos o
progresso da raça humana, que tanto depende de nós.
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