Este texto foi originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 22 de setembro de 2010 Três homens decidiram deslocar-se a uma grande cidade, uma daquelas cidades que todos desejamos conhecer, com história, dimensão, vida, monumentos, museus, teatros, cinemas, enfim, uma metrópole moderna. Todos eles dispunham de tempo e meios para por lá ficarem um mês e todos eles iam decididos a fazer a "viagem da sua vida" e a ficar a conhecer aquela cidade o mais profundamente possível. Esses três homens eram, como é natural, diferentes e cada um preparou e realizou a expedição à sua maneira.
O primeiro homem, chamemos-lhe Visitante, contratou através
da sua agência de viagens os serviços do melhor operador turístico da cidade,
que lhe preparou meticulosamente a estada. Chegado a essa cidade, o Visitante
tinha preparado um completo programa de trinta dias de visitas guiadas a tudo o
que a cidade de melhor tinha para oferecer aos seus visitantes. Foi uma visita
inesquecível! O Visitante foi guiado pelos melhores museus da cidade, onde lhe
foram mostradas as mais significativas obras de arte que aí havia e as mesmas
foram explicadas, enquadradas histórica e artisticamente. Foi guiado nas visitas
aos mais relevantes monumentos, sendo-lhe chamada a sua atenção para o seu
significado histórico, os detalhes da sua construção, a sua utilização nos dias
de hoje. O operador reservou-lhe bilhete para assistir ao melhor espetáculo da
cidade, proporcionou-lhe um guia para o conduzir pelas mais esconsas vielas da
Cidade Antiga, pelos mais pitorescos recantos, pelos mercados mais tradicionais,
apresentando-o a interessantes pessoas que ali viviam ou trabalhavam. Também ao
Visitante foram mostradas as mais deslumbrantes paisagens da cidade e
proporcionados demorados e agradáveis passeios nos mais agradáveis parques e
jardins ali existentes. Claro que foi conduzido também às melhores, mais
concorridas, completas e diversificadas zonas comerciais da cidade, onde o
Visitante pôde admirar a maior variedade de objetos e bens de consumo e adquirir
o que lhe interessou adquirir. Visitou a Universidade e as Bibliotecas, guiado
por um culto guia que o operador contratou para o efeito. Visitou o Parlamento e
os mais emblemáticos edifícios onde funcionavam os representantes políticos da
urbe e do país, ouvindo as explicações de um guia especializado, que o
esclareceu sobre as circunstâncias e a prática política ali vigentes.
Maravilhou-se com a grandiosidade dos edifícios religiosos, enquanto ouvia as
informações e explicações proporcionadas pelo guia especialista em Arte Sacra
que o operador turístico contratou para o efeito. Enfim, foram trinta dias de
algum cansaço, muitas visitas, muitos conhecimentos novos para digerir, mas foi
realmente uma viagem extraordinária! No regresso, o Visitante pensava na melhor
forma de elucidar os seus conterrâneos sobre as maravilhas, as riquezas, as
belezas, que existiam naquela deslumbrante metrópole.
O segundo homem, designemo-lhe por Viajante, preparou e
realizou a sua viagem de forma muito diferente. Não contratou os serviços de
qualquer operador turístico, dispensou excursões e visitas guiadas. Preparou a
sua viagem lendo tudo o que conseguiu descobrir sobre a cidade, a sua história,
os seus monumentos e locais de interesse, as suas gentes. E mal desembarcou na
cidade e se instalou no hotel escolhido, lançou-se numa contínua exploração da
cidade. Também visitou, mas por si só, museus. Não viu tudo. Não teve ninguém
que lhe chamasse a atenção para as melhores obras. Mas viu o que antecipadamente
lera que era importante ver, apreciou demoradamente aquilo de que gostou, passou
mais brevemente pelo que achou menos significativo. Também visitou e fotografou
os monumentos da cidade, descobrindo ângulos curiosos, vestígios do passado
interessantes. Falou com os guardas dos monumentos e descobriu curiosas e
picarescas histórias, do passado e do presente, por eles contadas. Perguntou aos
habitantes locais que espetáculos interessantes havia e acabou por ir ver um par
de espetáculos que não constavam dos circuitos turísticos, que o elucidaram
sobre a genuinidade das gentes daquela terra. Vagabundeou pela Cidade Antiga e
ali se perdeu horas esquecidas, recanto aqui, conversa acolá, absorvendo a
atmosfera da cidade e da sua história e da sua vida. Provou o que se vendia nos
mercados, comeu as comidas típicas da cidade, confraternizou à roda de uns copos
com genuínos habitantes da cidade, apercebeu-se dos seus anseios e desilusões,
das suas alegrias e tristezas, do seu labor e do seu ócio. Passeou por
agradáveis jardins, observando as brincadeiras das crianças e nelas se
intrometendo. Conheceu muita gente, conversou, ouviu histórias interessantes,
soube onde adquirir as mais genuínas coisas da cidade ao melhor preço, visitou
fábricas e locais de trabalho, escolas e locais de culto. Em descontraída manhã
de domingo, ousou mesmo jogar com um grupo de jovens o desporto preferido na
cidade e - claro! - perdeu... Falou com taxistas e polícias, vendedores e
ardinas e artesãos e comerciantes, enfim embrenhou-se no coração da cidade,
misturou-se com as suas gentes, viu e visitou a cidade e tudo o que de bom e
bonito ela tinha pelos olhos dos seus habitantes. Quando findou o tempo que
tinha reservado para aquela visita, o Viajante quase se sentia um novo habitante
daquela urbe, dela partia com alguma pena. Na sua máquina fotográfica, tinha
mais fotografias de pessoas do que de monumentos, mas cada imagem de cada pessoa
recordava-lhe um momento único, uma história curiosa, um episódio pitoresco. Na
viagem de regresso, pensava de si para si que ficara mesmo a conhecder a cidade
e as suas gentes e que talvez fosse interessante elucidar os seus conterrãneos
como se vivia naquela importante urbe.
O terceiro homem, refiramo-lo por Turista, antes de viajar,
comprou um guia de viagem relativo à cidade, consultou-o e assinalou meia dúzia
de monumentos a visitar, viu quais os restaurantes recomendados, anotou as mais
agradáveis esplanadas. Escolheu cuidadosamente o hotel onde ficaria. Chegado à
cidade, instalou-se no hotel e tratou de descobrir os serviços que
proporcionava. Reservou um dia para utilizar o SPA, comprou umas horas de
consumo de Internet, para que, diariamente, ou quase, reservasse um pedaço do
dia a ler as notícias do seu país. Contratou, para determinado dia, uma visita
guiada à cidade, daquelas de autocarro aberto com guia de microfone, que vai
debitando informações sobre o que se vai vendo. Visitou descansamente a cidade.
Viu os monumentos que selecionara, calma e descontraídamente. Comeu em todos os
restaurantes que referenciara. Passou agradáveis fins de tarde em sossegadas
esplanadas. Passeou quando lhe apeteceu, olhando para onde o seu olhar caía,
falando com quem o acaso colocava perto de si, ouvindo os ruídos ou músicas que
a sorte e o local proporcionavam, cheirando aqu o perfume de flores, ali o odor
de comida. Enfim, descansadamente viu o que quis ver, visitou o que lhe agradou
visitar. Descansou e andou, parou e avançou. Voltou aos locais que mais lhe
agradaram. Nem sequer passou por onde não lhe interessava. No regresso,
satisfeiro e repousado, começou a germinar na sua mente algo que decidiu
partilhar com os seus conterrâneos.
Caro leitor, faça agora uma pausa, pense e decida de si para
si: qual dos três agiu melhor? E qual o pior?
A minha opinião é que nenhum foi melhor ou pior do que os
demais. Cada um viu a cidade da e pela forma que a ele mais lhe convinha. Todos
tiraram proveito da estada. Certamente proveitos diferentes - mas isso não é
melhor nem pior, apenas diferente!
O Visitante, de regresso a casa, escreveu um exaustivo guia
de viagem sobre a cidade, pelo qual os seus conterrâneos quase podiam saber tudo
o que havia a saber sobre ela, mesmo antes de lá chegarem. O Viajante escreveu
um livro de viagem, que retratou, com grande fidelidade, como era, como vivia, o
que sentia, a gente daquela cidade. As suas impressões, os seus relatos
permitiram a quem leu esse livro saber como é realmente, por dentro, essa cidade
e como são os seus habitantes, mesmo antes de lá irem. O Turista, esse,
regressado da sua despreocupada, descansada e nada exaustiva viagem... escreveu
um romance passado naquela cidade. Quem o leu, admirou, além da qualidade da
escrita e da trama da história, a forma como daquelas páginas se desprendia,
leve mas sensivelmente, a atmosfera da cidade.
Que tem isto que ver com Maçonaria? Releia, caro leitor, o
meu último texto sobre os Altos
Graus. O Visitante simboliza o maçom que decide percorrer os Altos Graus,
fazer a sua viagem apoiado no guia. Tudo aprende, certinho, direitinho. Compensa
a falta de espontaneidade com a qualidade e quantidade do saber que recolhe. O
Viajante simboliza o maçom que opta por seguir o seu caminho por si, fazendo a
sua busca desenvolvendo ele as noções que aprendeu no seu percurso até à sua
Exaltação como Mestre Maçom. Não tem a sua viagem tão organizada, tão completa,
mas vive intensamente a sua busca. Não recolherá talvez a quantidade de
ensinamentos passível de ser recolhida numa viagem organizada, mas recolheu o
que lhe interessa e, no que lhe interessa, aprende a fundo. Vive a sua viagem e
apreende a essência dela. E o Turista? Esse é o maçom que não se preocupa
grandemente com tempos e saberes. Faz a sua viagem, segundo o seu tempo, o seu
ritmo, os seus gostos. Não conhecerá tão profundamente como os outros, mas tudo
vê, talvez mais de passagem, talvez mais intermitentemente, mas sempre de uma
forma para si agradável. Só vai à Loja quando lhe apetece ir à Loja, uns anos
exerce ofícios, noutros não está nisso interessado. Quando vai, quando está,
participa e contribui. Mas nem sempre está disponível, necessita das suas pausas
nas esplanadas. Faz a sua viagem como gosta, ao seu ritmo. Não aprende tanto
como o Visitante, nem tão profundamente como o Viajante, mas o que aprende,
aprende com gosto e por gosto e disso retira proveito. E partilha-o.
Todos fazem a sua viagem conforme preferem. Todos partilham o
que aprendem com ela. Cada um à sua maneira. É útil partilhar a erudição. Mas
também é útil partilhar a profundidade, a vivência, a genuinidade. E não menos
útil partilhar a Beleza, a satisfação, que se tira da viagem, seja ela mais
esforçada ou mais descansada. Nenhuma forma de viajar é melhor do que a outra.
São, simplesmente, diferentes.
Afinal, o Visitante, que tudo aprendeu na sua primeira
estada, quando voltar, já só voltará a lugares escolhidos, para relembrar a sua
beleza e terá disponibilidade para sentir a vida do povo do lugar. E o Viajante,
que conheceu ao início como vive a cidade, quando voltar certamente quererá
saber mais sobre os seus monumentos e sua história, dará mais atenção à
erudição, mas também apreciará fazê-lo mais descansadamente, com mais pausas,
para melhor apreciar a atmosfera da cidade. E o Turista, esse, sempre visitando
ao seu descansado ritmo, quando volta aprende mais um pouco e mais
profundamente.
Não importa como se começa, como se prefere fazer a viagem. O
que importa é fazê-la e ir aliando a Sabedoria (os conhecimentos privilegiados
pelo Visitante), à Força (a profundidade, a vivência, a genuinidade, em primeiro
lugar buscadas pelo Viajante) e à Beleza (descansadamente privilegiada pelo
Turista).
Maçonaria é vida, faz parte da vida, é uma forma de aprender
e apreciar e viver o mundo à nossa volta. De evoluir com a nossa vivência. E
sobretudo de partilhar a nossa vivência, os nossos conhecimentos, a nossa
evolução com os demais e beneficiar da partilha do que os demais nos
proporcionam. Em suma, de cada um fazer a sua viagem, da forma que prefere e de
que retira mais proveito e partilhar esse proveito com os demais, pela forma
como melhor o conseguir fazer.
Rui Bandeira |
UMA LOJA MISTA É COMPOSTA POR HOMENS E MULHERES
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
O VISITANTE, O VIAJANTE E O TURISTA
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