Esses dias passei por uma situação
que me fez pensar um pouco sobre o destino. Íamos visitar uma pessoa da família
que estava muito mal na UTI de um hospital. Era quase certo que ela não
sobreviveria aos próximos três dias. E falávamos sobre a situação, de como era
injusta a doença para esta mãe, nova, boa pessoa... Até que surgiu a expressão de
consolo: "é... é a vontade de Deus". Daí pensei: mas como assim
"é a vontade de Deus"? Será que o destino de nossa irmã estava
traçado? Será que nossa vida não passa de um filme cujo roteiro fazemos apenas
interpretar? Será que não importa o que façamos o resultado será sempre o
mesmo? Será que a situação dela não poderia ser outra? Será que não ocorrera um
erro médico? Será que o tratamento fora o mais adequado? Será que ela teve
acesso aos medicamentos mais indicados? Será que foi tudo feito no tempo
devido? Destes questionamentos decorreu logicamente pensar em livre arbítrio.
Temos realmente livre arbítrio? Ele é absoluto ou relativo?
Basicamente sobre este assunto
existem três posições possíveis: 1) o Determinismo, 2) o Livre Arbítrio
absoluto e 3) um misto dos dois, o Livre Arbítrio relativo. Então resolvi fazer
uma pequena pesquisa sobre o tema, para ver como a humanidade tratou deste
assunto na história. Para os Vedantas, haveria um plano traçado, mas que seria
aberto à mudança pelo agir. Para os Estóicos, o futuro seria tão inalterável
quanto o passado - portanto zero de livre arbítrio. No Epicurismo, tudo que
existe seria o caos, tudo é obra do acaso, muito semelhante ao pensar do
Existencialismo de Sartre, segundo o qual "acreditar em um futuro com
cartas marcadas equivaleria a escapar da responsabilidade de tomar
decisões", o que redundaria, em última análise, em um mundo sem sentido,
vazio, triste. Para o Cristianismo, a crucificação de Jesus fazia parte dos
planos divinos, que se cumpriram com a traição de Judas, que, neste caso,
estaria predestinado a ser mau. Para Calvino, Deus escolheu de antemão os que
se salvam e os que não se salvam. Para o Vaticano e a teologia Muçulmana, o
livre arbítrio seria uma peça necessária à responsabilidade moral.
Para as doutrinas e religiões
reencarcionistas, mormente o Espiritismo, bem resumidamente falando, o livre
arbítrio seria o fundamento da condição humana, posto que nossa evolução
espiritual decorreria diretamente das escolhas que fazemos em cada encarnação.
Viríamos para esta vida com um plano traçado, normalmente com a nossa
participação, para que possamos passar por aquelas situações que nos dariam a
oportunidade de acertar velhas diferenças, velhas dificuldades, velhas dívidas.
E para tanto esse plano nos colocaria no local mais adequado, na condição
social mais adequada, na família mais adequada, no país mais adequado, no corpo
mais adequado. Tudo pensado para que possamos eliminar nossos débitos
pretéritos e agir positivamente em prol de nossa evolução espiritual em cada
encarnação. Mas será que dá tudo certinho? Será que nós agimos como foi
planejado? Será que os outros agem de acordo para que o planejado para nós e
para eles? Enfim, este plano reencarnatório interfere de alguma forma no nosso
livre arbítrio?
No meu modo de ver, e de acordo com o
que podemos inferir da própria literatura, pode ocorrer de tudo: pode ser que o
plano seja alcançado total ou parcialmente; pode ser que o espírito recaia nas
mesmas circunstâncias negativas e tenha que voltar para outra tentativa. Ou
seja, na prática o que existe é uma probabilidade de que o plano venha a se
cumprir, mas não certeza. Este plano também poderia ser chamado de Darma, que
decorre do Carma, que é palavra de origem sânscrita que pode ser conceituada
como o conjunto das ações individuais e coletivas, que pela ação da Lei de Ação
e Reação, vai gerar as suas consequências. É uma decorrência natural do exercício
do livre-arbítrio. O carma é composto por muitas linhas divergentes e
conflitantes decorrentes das diversas ações harmônicas e desarmônicas que
cometemos no passado. A linha de tendência resultante de todas essas múltiplas
ações aponta numa determinada direção e assume um determinado propósito,
alinhado com a ordem divina do universo e de nossa vida em particular. Essa
direção – ou plano - é o Darma. Para atingirmos o nosso darma, temos de navegar
nas “ondas” revoltas do carma, até que essas ondas estejam todas alinhadas e
não exista mais diferença entre o carma e o darma.
Mas nem tudo é colheita no carma.
Longe disso. Há inúmeros erros novos sendo plantados o tempo todo. Há centenas
de milhares de novas injustiças sendo cometidas pela primeira vez. Mas também
há inúmeros acertos e boas ações sendo praticadas pela primeira vez. Todos
estes desequilíbrios e equilíbrios terão que ser reparados e compensados a seu
devido tempo. Um dos princípios fundamentais da filosofia esotérica ensina que,
através da lei da reencarnação, todo o esquema da natureza funciona e evolui de
modo perfeitamente justo. Este axioma da
sabedoria eterna necessita ser examinado com bom senso. De fato, todo o esquema
da natureza é justo. Disso não há a menor dúvida. Mas ele é justo no sentido de que está sempre
corrigindo a si mesmo, e não no sentido de que faz perfeita justiça em cada um
dos seus momentos, vistos isoladamente.
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