Uma das coisas mais mencionadas em Maçonaria, é que somos cultores da Arte Real. Como "descendentes" dos Arquitetos medievais, nos orgulhamos disso. Mas será que meditamos o suficiente sobre essa afirmação para que extraiamos dela o profundo significado que ela encerra?
Um dos processos sociais mais atuantes e mais perigosos no mundo atual (um dos mais perigosos inimigos de Hiram na atualidade), é sem dúvida o apelo à individualização. É um chamado paradoxal, pois numa sociedade de massas, de consumidores, esse chamado na verdade é um convite apenas à heteronomia(11), pois o que esse canto de sereia entoa é, na verdade, "Todos vocês devem se tornar indivíduos". É como se a sociedade nos dissesse: "seja diferente; torne-se um igual".
Dessa forma, devemos ser todos homens de sucesso, consumidores, executivos, criativos, etc. Por isso, num mundo onde parece haver o culto do indivíduo, o que realmente assistimos é uma "macdonaldização", isto é, uma padronização que salta aos olhos na moda, nos símbolos de status, nos comportamentos dos adolescentes, etc.
O fenômeno que está por trás dessa padronização, e que a torna grave, é o da idealização do coletivo. Ao idealizar a sociedade (grupo, empresa, classe social, Rotary, Maçonaria), ao transformar o coletivo em ídolo, em coisa capaz de me dizer o que fazer, como ser, como ser recompensado ou punido, enfim, ao adquirir uma identidade coletiva, eu renuncio à possibilidade de possuir uma identidade real, minha, decorrente não apenas da minha pertinência social, mas, principalmente, de minha reflexão sobre meu existir.
É essa reflexão, essa capacidade de "desviar" do padrão coletivo, que me é solicitada como missão ao ser iniciado no Segundo Grau. Após ter estudado e compreendido minhas forças e fraquezas, minhas possibilidades e limites, agora sou desafiado a retomar meu "Eu", a deixar a "individualização" e a começar o processo de individuação – que não se confunde com aquele.
Ao deixarmos de nos identificar no coletivo, deixamos também de idolatrar esse coletivo. Dessa forma, não mais seremos brasileiros, católicos, empresários, ou maçons, mas seremos um "Eu" que busca sua senda através de sua cultura, de sua religião, de sua atividade profissional, de seu caminho iniciático.
São coisas muito diferentes e compreender essa diferença é essencial para chegarmos a Mestres (de nós mesmos). Quando a compreendemos, começamos a ser realmente adeptos da Arte Real. Isso tem um profundo significado filosófico, psicológico e social. Deixemos falar os Artistas:
Dizia HUNDERTWASSER a seus alunos: "Se vieram para aprender, é ainda pior, porque vão aprender coisas que não lhes são próprias, que não correspondem a vocês e que estragarão
suas vidas. A única maneira de se encontrarem enquanto artistas é através de sua própria ação criadora, e isso pode ser feito somente em suas casas, não na escola"(12).
Paul KLEE escreve: "O que quero ensinar a meus alunos não é a forma fechada, imobilizada; é a formação, a gestação, o nascimento, o primeiro movimento indistinto da matéria, antes que ela se fixe em natureza morta".(13)
Victor SEGALEN aconselhava: "Evita escolher um lugar de asilo. Chegarás, meu amigo, não ao charco das alegrias imortais, mas aos remansos cheios de embriaguez do grande rio da diversidade".(14)
Como diz Eugène ENRIQUEZ no livro citado: "...não me interesso particularmente pela vontade que os grandes homens têm de transformar todas as variáveis do mundo (uma tal preocupação é de um espírito 'elitista'); levo a sério, em compensação, a vontade de cada um de fazer mudar as coisas (pequenas e grandes), e o desejo de criar, aqui e agora, uma novidade irredutível".
Eis do que se trata a Arte Real. Eis o que é ser artista, tornar-se Arquiteto de um mundo novo através da Maçonaria.
In "Pedra por Pedra" - página 12
Francisco Cezar de Luca Pucci
(11) Orientação do indivíduo por valores externos a ele. O contrário de autonomia.
(12) Psicossociologia – análise social e intervenção. Diversos Autores. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2001, pp. 35ss.
(13) Idem.
(14) Ibidem.
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