quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O BEM E O MAL

Um dos anciãos da cidade disse:
"Fala-nos do Bem e do Mal."
E ele respondeu:
"Do bem que está em vós, poderei falar, mas não do mal.
Pois que é o mal senão o próprio bem torturado por sua fome e sede?
Em verdade, quando o bem sente fome, procura alimentos até nos antros escuros, e quando sente sede, desaltera-se até em águas estagnadas.
Vós sois bons quando vos identificais com vós próprios.
Porém, quando não vos identificais com vós próprios, não sois maus.
Pois a casa que se divide não se torna antro de ladrões; é, apenas, uma casa dividida.
E um navio sem leme pode vaguear sem rumo entre recifes perigosos, e não se afundar.
Vós sois bons quando vos esforçais por dar de vós próprios.
Porém, não sois maus quando vos limitais a procurar o lucro.
Pois, quando lutais pelo lucro, sois simplesmente raízes que se agarram à terra e sugam seu seio.
Certamente a fruta não pode dizer à raiz: "Sê como eu, madura e plena, e sempre generosa de tua abundância."
Pois, para a fruta, dar é uma necessidade como, para a raiz, receber é uma necessidade.
Vós sois bons quando falais plenamente acordados.
Porém, não sois maus quando adormeceis enquanto vossa língua tartamudeia sem propósito.
E mesmo um discurso gaguejante pode fortalecer uma língua débil.
Vós sois bons quando andais rumo a vosso objetivo, firmemente e com passos intrépidos.
Porém, não sois maus quando ides coxeando.
Mesmo aqueles que coxeiam não andam para trás.
Mas vós que sois fortes e velozes, guardai-vos de coxear por complacência na presença dos coxos.
Vós sois bons de inumeráveis maneiras, e não sois maus quando não sois bons.
Estais apenas ociosos e indolentes.
Pena que as gazelas não possam ensinar a velocidade às tartarugas.
Na vossa ânsia pelo vosso Eu-gigante está vossa bondade: e essa ânsia está em todos vós.
Mas em alguns, essa ânsia é uma torrente que se precipita impetuosamente para o mar, carregando os segredos das colinas e as canções da floresta.
Em outros, é uma corrente preguiçosa que se perde em meandros, e serpenteia, arrastando-se, antes de atingir a costa.
Mas que aquele que muito deseja se guarde de dizer àquele que pouco deseja: "Por que és lento e atrasado?"
Pois o verdadeiramente bom não pergunta ao desnudo: "Onde está tua roupa?" nem ao desabrigado:
"Que aconteceu à tua casa?"

In Gibran Khalil Gibran - O Profeta

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