quinta-feira, 31 de maio de 2012

A PEDRA EM BRUTO


Na reunião passada, ao entrar em minha  Loja, tropecei neste pedaço de rocha que chamamos Pedra Bruta e que ornamenta minha coluna. Com certa ironia, dei meia volta e lhe disse: “Desculpa, Pedra Bruta”.
Surpreso, escutei que me respondeu: “Não há de que, Maçom Bruto”.
Ofendido, voltei e lhe disse: “Ah! Então falas também ?”
“Sim, me disse. E o que é melhor, penso no que digo. Pena me dá ver que IIr.'. como tu me tem em tão pouca estima. Passam e passam sem sequer me dar um olhar compassivo, ou tão sequer um gesto amável.
Isto me irrita, porque me dou conta de quão  pouco compreende a grandeza que encerro dentro do meu significado.
Aqui onde  me  vês, não  fui  sempre o que sou; eu venho  dos  penhascos, das alturas; onde podia ver o Sol antes de  todos  e  desfrutar de seus suaves raios, enquanto tu vivias na penumbra.
Eu aspirava o ar puro e  fresco, e  quando o furacão te causava espanto e medo, eu  simplesmente ria. Minha massa ereta, firme e  segura  recortava, com o meu perfil perfeito, o infinito azul do horizonte.
Nas mudanças de estações, as transformações atmosféricas  depositavam  em  mim  copos  alvos, que  me faziam parecer mais pura  e branca, e ao coroar minhas têmporas, me fazia sentir orgulhosa de receber a oferenda do espaço.
Depois as fazia escorregar  por  mim, transformadas em cascata clara e cristalina, onde o  Sol  adornava com sua luz o Arco Íris. A minha  altura, somente  os  condores  chegavam e era agradável  ver  a meus  pés, como ajoelhada ante minha grandeza, a imensa esmeralda do  vale  bordada de lantejoulas de mil cores.
Os rios, os  animais, as  flores, não  faziam mais que emoldurar a minha beleza. Meu orgulho  chegou a tal grau, que me cria invencível, inacessível, eterna.
Porém, quão equivocada eu estava. Um dia o  universo, como querendo demonstrar meu  erro, desatou  sua fúria e mandou sobre mim um raio que com sua luz, cegou meus olhos e, ao terrível impacto, voei em mil pedaços.
Me precipitei no abismo, e a  medida  que  rodava, mais  pequena  me  fazia, e  rodando e  rodando  fui descendo até ficar no fundo do barranco.
Chorei  de  raiva  ao  me ver nesta infinita impotência, quando os elementos  deformaram  mais e mais minha outrora orgulhosa presença.
Assim permaneci não sei quanto tempo, até que, igual a  outras pedras companheiras de  infortúnio, nos transportaram.
E voltou a renascer  minha  esperança.  Pensei que talvez, por minha  linhagem nobre, seria colocada em lugar que me correspondesse.
“Serei agora um monumento”  -  pensava  - com minha presença simbolizarei o  coração  duro e  inflexível da razão; ou serei a  venda  que  representa a imparcialidade em todos os juízos.
Talvez formarei parte do monumento a Pátria, eternizando com minha presença, as glórias de um povo. 
Gostaria de ser a coroa de louro que cinge as  têmporas do patriota ou talvez, porque não, serei parte integrante do monumento à Mãe, para que as gerações futuras vejam que, com minha cooperação, se imortaliza o amor mais puro que  existe.
Com  que  carinho acolheria a idéia de ser  o braço da mãe que envolve o menino em eterna  caricia; ou os olhos que vêem com doçura a terna criança; ou as  lágrimas que as mães vertem ante à ingratidão de seus  maus filhos; isso teria querido ser.
Depois  de  ser  grande, seguir sendo-o, não em tamanho, mas  em espírito, em  essência. Quantas e quantas ilusões me fiz. Quantos  desejos de altura e grandeza. Mas, porém, aqui me  tens, tão dura e feia como no barranco, tão grotesca  que causo pena, e se não me esculpem é porque nem  para  isso tenho forma.
Não haverá um artífice que me transforme, que me dê vida ?  Maçom, só tenho servido para  representar-te, para que vejas em mim as tuas  imperfeições, teus  vícios e tua ignorância. Sou agora o exemplo do mal.
Todavia, às vezes me envergonho de que me comparem com alguns de vocês.
Há pouco me vês, mas eu  tenho  visto  tantos e tantos que por aqui entraram que até perdi a conta.
Me perguntou: onde estão agora tantos MM.'. que aqui vieram jurar  fraternidade, lealdade e amor a esta augusta instituição?
Onde  estão os MM.'. que aqui se iniciaram ? Eu não sei, nem me explico. Só sei que  saíram  para nunca mais voltar, e que andarão por aí dizendo: “Sou M.'.M.'.”.
E isto me dá pena e lástima, não pela  Maçonaria, senão por eles que não  foram  capazes  de  ver mais além  de  seus  narizes; porque ilusos, acreditaram que a  Maçonaria é feira de vaidade, quando melhor deveriam ter lutado  por  encontrar a formosa beleza que encerra esta luz e esta verdade.
A ti, Aprendiz, tenho  observado; e  não  creio que sejas diferente daqueles, por  isso  desejo  aconselhar-te. Vejo quando decifras  tuas peças, trêmulo, tanto quê quase teus joelhos se dobram de medo. E te pergunto: medo  de  que  ou de quem ? Tens por acaso  medo  de  ti  mesmo ? Porém, quando escutas o aplauso de teus IIr.'., voltas a  teu  lugar envaidecido.
Te inchas como um Pavão Real, e se pudesses  ver-te como te vejo, verias que não és mais  que  um  pobre Pato.
Olhando-te em teu posto, vejo que  quase  explodistes de satisfação perante os elogios, nem sempre  feitos com justiça.
E isso é muito mau, não te deve subir à cabeça, o que supões um êxito, porque podes cair no erro de sentir-te superior, quando não és mais que um  Apr.'. Serena-te e analisa. Sejas prudente em teus atos e humilde em tuas  afirmações.
Sejas  sincero  contigo mesmo, para que possas sê-lo com os demais, mas sobre todas as coisas, conhece-te a ti mesmo.
Pratica tuas teorias, sejas bom, caritativo, honrado, estudioso, ajuda a tua Loja e a teus IIr.'.. Não  sejas M.'.de Bico, nem sejas M.'. Teórico.
A virtude, a honra, a  lealdade, não  se  adquirem martelando liturgias. Agora  te  felicitam, dando-te alento para  seguir adiante, é justo que festejem tuas peças de arquitetura, não por seu valor, mais bem para dar-te ânimo para seguir lutando e melhorando.
Tu deves saber que melhoras a cada dia, e à  medida que passa o tempo, estás obrigado a superar-te.
Espero que entendas o que digo. Não  te envaideças, aceita  os  aplausos  como estímulo para tua própria superação.
Não te detenhas enquanto  tiveres  traçando um caminho a seguir.
A Maçonaria é grande, muito grande, onde  somente chegam  poucos  e  onde  também  a  maledicência e a mediocridade se perdem no torvelinho escuro do nada.
Para terminar quero pedir-te um favor. Não me digas Pedra Bruta, sou Pedra em Bruto, que é diferente.
Me dispunha a responder à  Pedra, quando  com  um golpe de malhete meu V.'.M.'. disse:  “Silêncio  IIr.'., estamos em  Loja”... fiquei  calado, porém,  pensando na infinita  verdade  que  representa esta humilde e feia Pedra em Bruto.

Extraído do Livro A Pedra Bruta (Instruções de Aprendiz) - 1995 do Ir.'. Antônio César Celente

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