Magritte pintou, entre 1928 e 1929, um célebre quadro em que
representa um cachimbo sob o qual escreveu "Ceci n'est pas une pipe."
ou, em português, "Isto não é um
cachimbo". De facto, a pintura não é um cachimbo, mas a imagem de um
cachimbo - e transmitir essa ideia era o intuito de Magritte. "O famoso
cachimbo", viria ele a confessar, "Quanto me censuraram por causa
dele! E porém, alguém poderia encher o meu cachimbo? Não, pois é só uma
representação, não é verdade? Por isso, tivesse eu escrito no meu quadro «Isto
é um cachimbo», estaria a mentir."
Um símbolo - do grego σύμβολον (sýmbolon) - pode ser um
objeto, uma imagem, uma palavra, um som ou uma marca particular que represente
algo diferente por associação, semelhança ou conceção. Deste modo, pode
substituir-se um conceito complexo por um símbolo simples. O significante é
evidente - constitui o símbolo em si mesmo; contudo, o seu significado pode ser
obtuso, ou mesmo variável com o tempo, pois reside naquele que o descodifica, e
cada um acaba por fazê-lo de forma pelo menos ligeiramente diferente dos
demais. Por isto, é quase certo que, uma vez estabelecidos, os símbolos
"adquiram vida própria", alterando-se o seu significado com o passar do
tempo. Por exemplo, a Estrela de David é um símbolo que começando por
constituir - de acordo com a tradição judaica - uma marca aposta nos escudos
com que os guerreiros do rei David se protegiam, adquiriu, a partir de certa
altura, um caráter místico, passando a ser gravado como amuleto ou proteção, e
acabando por ser adotada como símbolo do Estado de Israel.
Não pode falar-se de simbolismo maçónico sem citar a velha
definição de maçonaria: "É um sistema de moral velado por alegorias e
ilustrado por símbolos". De facto, a maioria dos símbolos usados em
maçonaria é evocativa dos princípios morais com que a maçonaria se identifica.
O importante são os princípios; os símbolos são apenas os meios usados para que
não os esqueçamos. E, uma vez que cada um recorda de forma diferente, e
interioriza o princípio de forma única e pessoal - pois que único, individual e
irrepetível é cada indivíduo e a sua experiência de vida - seria um exercício
de futilidade tentar-se exigir que o significado dos símbolos fosse sempre o
mesmo para todos. De facto, nem tal seria proveitoso.
Uma das frequentes utilizações dos símbolos é como
oportunidade e meio de auto-análise - e também por isso se diz da maçonaria ser
especulativa - que permita a cada um determinar as suas próprias
"asperezas" no sentido de as "polir". Sendo as
"rugosidades do espírito" diferentes de pessoa para pessoa - apesar
da universalidade dos princípios, que podem aplicar-se a todos - cada um vê,
sente e aplica o princípio a si mesmo de forma distinta da de todos os demais.
Cada um pode, então, especulando, dar ao símbolo os significados que entenda,
pois o símbolo é meramente instrumental - não tem nada de sagrado ou de
"conspurcável" com este processo - para além de que atribuir novos
significados a um símbolo não implica a perda dos significados mais
convencionais, pelo que o diálogo sobre os mesmos continua a ser possível.
Dou-vos um exemplo que se passou comigo. Diz-se das lojas
maçónicas serem "Lojas de S. João". Mas de qual? A resposta
convencional é dizer-se que de dois: de João Batista - conhecido pela sua
retidão e verticalidade, implacável consigo mesmo e com os outros, a ponto de
fazer com que lhe cortassem a cabeça - e de João Evangelista - apóstolo do
amor, cultor da fraternidade, e promotor da tolerância. Ambos se celebram por
volta dos solstícios - João Evangelista no de Verão, João Batista no de
Inverno. Isto são as premissas. Os princípios a transmitir são os que foram
expostos: o da retidão e verticalidade de espírito por um lado, e o do amor
fraterno pelo outro. Estes significados são mais ou menos universais na
maçonaria. Há quem refira, ainda, que os raios de sol no solstício de Verão
estão no seu ponto mais próximo da vertical, e no solstício de Inverno no seu
ponto mais próximo da horizontal. Partindo desta pista, ávido de explorar estes
símbolos e de fazer boa figura ao apresentar a respetiva prancha, o aprendiz
que eu era então não se ficou por aqui; procurou especular mais ainda. Notou
que João Batista - o da Verticalidade - era celebrado por entre uma Luz
predominantemente horizontal, e que João Evangelista - o do amor fraterno entre
pares - o era quando a Luz Solar era mais vertical. Conclusão? "Devemos
ser equilibrados e equilibrantes: retos e justos quando à nossa volta todos
falem de fraternidade e tolerância, e tolerantes e fraternos quando insistam na
aplicação dos princípios de forma implacável."
São um significado e uma conclusão com alguma lógica? São -
pelo menos, do meu ponto de vista. É um significado universalmente reconhecido?
Não. E está certo? Ou está errado? Bom... para mim, parece-me certo, na medida
em que foi instrumental para que aplicasse a mim mesmo os princípios referidos
de forma mais eficaz. Para outros não resultará. Os símbolos são isso mesmo:
instrumentos, meios, meras ferramentas coadjuvantes na prossecução de um
objetivo maior. Aqui posso dizer: se da "adulteração" do significado
"puro" e "convencional" do símbolo resultou a melhor aplicação do princípio à minha vida
tornando-me numa pessoa melhor, então - porque a ninguém prejudica o meu
entendimento peculiar deste símbolo - o exercício foi profícuo. Se, para além
disso, a alguém aproveitou para além de mim, então dou-me por muito
satisfeito...
Paulo M.
http://a-partir-pedra.blogspot.com.br/2010/11/liberdade-na-interpretacao-da.html
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