Liberdade vai buscando, que é tão querida
Como sabe quem por ela rechaça a vida.
Dante, Purgatório. I, 71-72. [1]
Segundo os antigos rituais e as antigas Constituições maçônicas, a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento do homem.
Os antigos mistérios clássicos não tinham outro objeto e conferiam a télétê,
perfeição iniciática. Este termo técnico estava vinculado
etimologicamente aos três sentidos de fim, morte e perfeição, como já
observa o pitagórico Plutarco. Jesus utiliza também a palavra téleios
quando exorta seus discípulos a serem “perfeitos como vosso Pai que
está nos céus”, inclusive se, por uma dessas frequentes incongruências
das Santas Escrituras, afirma que “ninguém é perfeito exceto meu Pai que
está nos céus”.
Essa definição poderia parecer explícita e
precisa; e, não obstante, uma ligeira mudança formal alterou
fundamentalmente o conceito. Tomemos como exemplo o dicionário de
Pianigiani que afirma que a finalidade da franco-maçonaria é o
aperfeiçoamento da humanidade; grande quantidade de profanos, assim como
numerosos maçons, aceitam essa definição. A primeira vista pode parecer
que aperfeiçoamento do homem e aperfeiçoamento da humanidade significam
a mesma coisa. Na realidade, se referem a dois conceitos profundamente
distintos, e sua aparente sinonímia gera um equívoco e oculta uma
incompreensão. Outros utilizam a expressão aperfeiçoamento dos homens,
igualmente equivocada. Evidentemente, é quase impossível decretar qual é
a expressão correta, porque qualquer franco-maçom pode declarar correta
a que está mais de acordo com suas preferências, e ainda comprazer-se,
talvez, no equívoco. Mas quando se trata de determinar, histórica e
tradicionalmente, a interpretação correta e conforme com o simbolismo
maçônico, a questão muda de aspecto e já não se trata de preferências
particulares.
O manuscrito encontrado por Locke (1696)
na Bodleian Library – e que não foi publicado até 1748 – e atribuído a
Henrique VI, da Inglaterra – define a franco-maçonaria como “o
conhecimento da natureza e a compreensão das forças que há nela”;
enuncia expressamente a existência de um vínculo entre a Maçonaria e a
Escola Itálica, pois afirma que Pitágoras, um grego, viajou para
instruir-se, ao Egito, à Síria e a todos os países onde os Venezianos
[leia-se os Fenícios] haviam introduzido a Maçonaria. Admitido em todas
as lojas dos Maçons, adquiriu um grande saber, voltou à Magna Grécia… e
fundou uma importante loja em Crotona[2].
Para dizer a verdade, o manuscrito fala
de Peter Gower; e, como o nome Gower existe na Inglaterra, Locke ficou
bastante perplexo ante a identificação de Gower com Pitágoras. Mas
outros manuscritos e as Constituições de Anderson mencionam
explicitamente Pitágoras. O manuscrito de Cooke diz que a Maçonaria é a
parte principal da Geometria, e que foi Euclides, sábio e sutil
inventor, quem deu as regras desta arte e a chamou de Maçonaria. Há
outros traços de reminiscências pitagóricas tanto nas “Old Charges” como no mais antigo dos rituais impressos (1724)[3], que atribui uma importância particular aos números ímpares, de acordo, neste caso, com a tradição pitagórica[4].
Todos os antigos manuscritos maçônicos
concordam ao assinalar o aperfeiçoamento do homem, ou do simples
indivíduo, como único objetivo da franco-maçonaria. As provas
iniciáticas, as viagens simbólicas, o trabalho do aprendiz e do
companheiro têm um caráter manifestamente individual e não coletivo.
Segundo a mais antiga concepção maçônica,
a “grande obra” do aperfeiçoamento é realizada trabalhando sobre a
“pedra bruta”, ou seja, sobre o indivíduo, desbastando, polindo e
esquadrinhando a pedra bruta até transformá-la em “pedra cúbica da
Maestria”, graças às regras tradicionais da “Arte Real” maçônica de
edificação espiritual. Existe uma perfeita analogia com uma tradição
paralela, a tradição hermética, que, pelo menos desde 1600, se encontra
enxertada nela e ensina que a “grande obra” é realizada trabalhando
sobre a “matéria prima”, transformando-a em “pedra filosofal” segundo as
regras da “Arte Real hermética”. Operação que resume a máxima de
Basílio Valentino: V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae retificando Invenies Occultum Lapidem = Visita o interior da Terra, por retificação encontrarás a pedra oculta) ou a Tábua de Esmeralda,
que modernos arabistas atribuem ao pitagórico Apolônio de Tiana. Pelo
contrário, segundo a concepção maçônica profana e mais moderna, o
trabalho de aperfeiçoamento deve ser realizado sobre a coletividade
humana. É a humanidade ou a sociedade que ela há que transformar e
aperfeiçoar; e, desse modo, substitui-se a ascese espiritual do
indivíduo pela política coletiva. Os trabalhos maçônicos acabam por ter
então uma meta e um caráter primeiramente social, às vezes unicamente
social. O verdadeiro fim da franco-maçonaria – o aperfeiçoamento do
indivíduo – passa a segundo plano quando não é francamente descuidado,
esquecido e ignorado.
Tradicionalmente a primeira concepção é
sem dúvida a correta e na literatura maçônica do século XVIII estiveram
muito em moda as comparações e identificações exageradas e fantasiosas
entre os mistérios de Elêusis e a franco-maçonaria. É indiscutível que o
patrimônio ritual e simbólico da ordem maçônica somente se harmoniza
com a concepção mais antiga da finalidade da maçonaria; efetivamente, o
testamento do candidato à iniciação, as viagens simbólicas, as terríveis
provas, o nascimento para a Luz iniciática, a morte e a ressurreição de
Hiram, não podem ser compreendidos em sua relação com os trabalhos
maçônicos e com a finalidade da franco-maçonaria caso tudo deva ser
reduzido a fazer apenas política.
Historicamente, o interesse e a
intervenção da franco-maçonaria nas questões políticas e sociais se
manifesta apenas por volta de 1730, e unicamente em algumas regiões
europeias, com a introdução da franco-maçonaria inglesa no continente. O
pouco que se sabe das antigas lojas de antes do século XVII mostra a
presença e o uso nos trabalhos maçônicos de um simbolismo de ofício,
arquitetônico, geométrico, numérico, que, tendo por sua natureza um
caráter universal, não se encontra ligado nem a uma civilização
determinada nem a uma língua em particular e permanece independente de
todo credo de ordem política e religiosa; é por essa razão que o maçom,
de acordo com o ritual, não sabe ler nem escrever.
Com a lenda de Hiram e a construção do
Templo faz sua aparição um elemento hebraico; e as palavras sagradas do
aprendiz e do companheiro (as únicas graduações ou graus então
existentes) que se referem a esta lenda são hebraicas. Mas esta lenda
não pertence ao patrimônio tradicional da Ordem; a morte de Hiram não
figura nos antigos manuscritos maçônicos, e as Constituições de
Anderson ignoram o terceiro grau. De todas as maneiras, não há nada de
extraordinário na presença de elementos e palavras hebraicas em uma
época em que o hebreu era considerado como uma língua sagrada, a língua
sagrada, aquela que Deus havia utilizado para falar ao homem no Paraíso
Terrestre; trata-se de um fato cuja importância e significado não há que
ser exagerado e que de nenhuma maneira é suficiente para se justificar a
afirmação do caráter hebreu da franco-maçonaria. A letra G do alfabeto
greco-latino, inicial de geometria e de Deus (God) em inglês, que
aparece na Estrela Flamejante ou no Delta maçônico, parece ser apenas
uma inovação (sem utilidade para quem não sabe ler nem escrever),
enquanto que os dois símbolos fundamentais da ordem são os dois mais
importantes do pitagorismo: o pentalfa ou pentagrama e a tetraktys pitagórica. A arte maçônica ou arte real, termos utilizados pelo neoplatônico Máximo de Tiro[5], era identificada com a geometria, uma das ciências do quadrivium
pitagórico, e é difícil compreender como um Oswald Wirth, maçom erudito
e hermetista, pode escrever que os maçons do século XVII[6] se
proclamavam adeptos da Arte Real porque em outro tempo houve reis que
se interessaram pela obra das privilegiadas corporações dos construtores
da Idade Média. Os elementos de puro caráter maçônico constituem, junto
com o simbolismo numérico e geométrico, o patrimônio simbólico e ritual
arcaico e autêntico da fraternidade. Não dizemos seu patrimônio
característico, porque estes elementos aparecem também, pelo menos
parcialmente, no Companheirismo (compagnonnage), que de resto é muito próximo da franco-maçonaria.
Posteriormente, entre os séculos XVII e XVIII, quando as lojas inglesas começaram a receber como irmãos os accepted masons (pessoas
que não exerciam a profissão de arquiteto ou o ofício de pedreiro),
fazem sua aparição elementos herméticos e rosacrucianos como, por
exemplo, Elias Ashmole (1617-1692), tal como assinala Gould em sua
história da franco-maçonaria. O contato entre a tradição hermética e a
maçônica fora da Inglaterra se produziu igualmente quase à mesma época, o
que, evidentemente, implica a existência no continente de lojas
maçônicas independentes da Grande Loja Inglesa. O frontispício de um
texto hermético importante, editado em 1618[7], reproduz junto aos símbolos herméticos (o Rebis) os símbolos estritamente maçônicos do esquadro e do compasso; ocorre o mesmo em um opúsculo italiano de alquimia[8], impresso em lâminas de chumbo e que remonta praticamente a essa época.
Neste opúsculo se vê, entre outras
coisas, Tubalcaim com um esquadro e um compasso em suas mãos. No
entanto, na Bíblia, Tubalcaim é considerado como o primeiro ferreiro. Um
erro de etimologia, naquela época muito praticado, e que o erudito
Vossius repetiu, o identificou com Vulcano, o ferreiro dos Deuses e Deus
do fogo, o qual, segundo os alquimistas e os hermetistas, presidia o
fogo hermético (ou ardor espiritual), fogo que realizava a grande obra
da transmutação. Em uma de nossas obras da juventude[9]
demos uma interpretação errada da p∴ de p∴ Tub∴, pois ignorávamos a
equivocada identificação de Vulcano com Tub∴ que era aceita pelos
hermetistas e eruditos dos séculos XVII e XVIII. Hoje, nos parece
evidente que esta p∴ de p∴ e algumas outras vêm do hermetismo, e que
provavelmente foram introduzidas na franco-maçonaria e acrescentadas às
palavras sagradas, constituindo provas do contato que havia se
estabelecido entre a tradição hermética e a maçônica. As p∴ de p∴ do 2o. e 3o.
graus não existem no ritual de Prichard (1730). Hermetismo e Maçonaria
têm como fim a “grande obra da transmutação” e ambas as tradições
transmitem o segredo de uma arte, à qual designam com o termo
Arte Real já utilizado por Máximo de Tiro. É, pois, natural que tenham
se sentido muito próximas uma da outra. Observemos que a adoção do
simbolismo hermético não é efetuada em detrimento da universalidade
maçônica nem de sua independência frente à religião e à política, pois o
simbolismo hermético ou alquímico é, também, estranho, por sua
natureza, a todo credo religioso ou político. A arte maçônica e a arte
hermética, ou simplesmente a arte, é um arte e não uma doutrina ou uma
confissão.
Até 1717 cada loja, de fato, era livre e
autônoma. Os irmãos de uma oficina eram recebidos como visitantes nas
demais oficinas, com a condição de satisfazer o telhamento (uma espécie
de exame que permitia reconhecer que alguém era, na verdade, um irmão);
mas somente o Venerável de uma oficina detinha a autoridade única e
suprema entre os irmãos da mesma.
Em 1717, foi produzida uma mudança com a
constituição da primeira Grande Loja, a Grande Loja de Londres, e pouco
depois o pastor protestante Anderson redigia as Constituições
maçônicas para as lojas sob a Obediência da Grande Loja de Londres; e,
se bem que teoricamente uma oficina podia e pode conservar sua autonomia
ou filiar-se à Obediência de uma grande loja[10],
na prática só se consideram hoje lojas regulares aquelas que, direta ou
indiretamente, são emanações ou derivações da Grande Loja de Londres,
na suposição de que esta derivação, e somente ela, possa conferir a
“regularidade”.
Isso posto, é muito importante observar que as Constituições de Anderson afirmam explicitamente que, para ser iniciado e pertencer à franco-maçonaria, a única condição é ser um homem livre
de costumes irrepreensíveis, e exaltam (ao contrário das diversas
seitas cristãs) o princípio da tolerância de cada qual pelos credos dos
demais, ressalvando somente que um maçom não será nunca um “ateu
estúpido”. Poder-se-ia pensar que Anderson admite que o franco-maçom
pode ser um ateu inteligente, mas é mais verossímil que, como bom
cristão, pensasse que um ateu é obrigatoriamente um imbecil, segundo a
máxima que diz: Dixit stultus in corde suo: Non est Deus, (O
estúpido diz em seu coração: Deus não existe). Aqui, seria necessário
fazer uma digressão e observar que nesta disputa tanto o que afirma como
o que nega não possui em geral nenhuma noção se aquilo que afirma
existe ou não e que a palavra Deus é empregada habitualmente em um
sentido tão vago que toda discussão é inútil. Seja como for, as Constituições
da franco-maçonaria são explicitamente teístas; e os profanos, que
acusam a franco-maçonaria de ateísmo, ou o fazem de má fé ou ignoram que
ela trabalha para a glória do Grande Arquiteto do Universo. Observemos
ainda que esta designação, que se harmoniza com o caráter do simbolismo
maçônico, tem, igualmente, um sentido preciso e inteligível, ao
contrário que certas designações vagas ou carentes de sentido como as
“Nosso Senhor”, “Pai de todos os homens”, etc.
A qualidade de homem livre, exigida ao
profano para iniciá-lo ou ao maçom para considerá-lo como irmão, é de
grande interesse. Anderson não deixa de chamar de franco-maçons aos Free Masons, restando então examinar em que consiste essa freedom (liberdade) dos Free Masons.
Trata-se somente da franquia econômica e social que exclui aos escravos
e servos, e das franquias e privilégios que a corporação dos franc-maçons desfrutava
frente aos governos dos estados e das distintas regiões onde exercia
sua atividade? Ou essa denominação de maçons francos ou liberados deve
ser tomada em outro sentido, referindo-se a pessoas que não são escravas
dos preconceitos nem dos credos, liberdade que seria inútil trazer à
luz? Se fosse assim, resultaria vão querer buscar as provas documentais e
a pergunta ficaria pendente. Não obstante, pode aportar-se um
esclarecimento graças a um documento de 1509 cuja existência ou cuja
importância não foi, ao que parece, destacada até o presente.
Trata-se de uma carta escrita em 4 de
fevereiro de 1509 a Cornelius Agrippa por seu amigo italiano, Landolfo,
para recomendar-lhe um iniciado. Landolfo lhe escreve[11]:
“É alemão como tu,
originário de Nuremberg, mas que vive em Lyon. Investigador curioso nos
arcanos da natureza, é um homem livre, completamente independente dos
demais, que deseja, por causa da reputação que já possuís, explorar
também teu abismo… Lança-o, pois, para prová-lo ao espaço; e levado nas
asas de Mercúrio voa das regiões do Austro às do Aquilão, toma também o
cetro de Júpiter; e se nosso neófito quer jurar nossos estatutos,
associa-o à nossa fraternidade.”
Tratava-se de uma associação secreta
hermética criada por Agrippa, e há uma evidente analogia entre a prova
do espaço que o iniciado deve enfrentar e as terríveis provas e viagens
simbólicas da iniciação maçônica, inclusive quando a prova, aqui, se faz
nas asas de Hermes. Hermes Psicopompo, o pai dos filósofos segundo a
tradição hermética, é o guia das almas no além clássico e nos mistérios
iniciáticos. Nesta carta também, se destaca a qualidade de homem livre,
suficiente para abrir ao profano a porta do templo ao qual aspira;
também aqui se manifesta substancialmente o princípio da liberdade de
consciência e, ao seu lado, a tolerância. Ambas as tradições paralelas,
hermética e maçônica, impõem idêntica condição para iniciar o profano: a
de ser um homem livre, de onde se pode presumir que ela não se referia
às franquias particulares das corporações de ofício, e por outro lado
não faria sentido pedir isso aos accepted Masons que não eram pedreiros de profissão mas sim franco-maçons.
O caráter fundamental das Constituições
de Anderson reside, pois, no princípio da liberdade de consciência e de
tolerância, que permite também aos não cristãos pertencer à Ordem. Nas Constituições
de Anderson a franco-maçonaria conserva seu caráter universal, não está
subordinada a nenhum credo filosófico particular nem a qualquer seita
religiosa, e não manifesta nenhuma inclinação por trabalhos de ordem
social ou político. Pode ser que este caráter aconfessional e livre
tenha inspirado igualmente à Maçonaria anterior a 1717 e que Anderson
apenas o retificou nas Constituições.
Ao ser implantada na América e no
continente europeu, a franco-maçonaria conservou em geral seu caráter
universal de tolerância religiosa e filosófica e permaneceu à parte de
todo movimento político e social, inclusive acentuando às vezes, como na
Alemanha, seu interesse pelo hermetismo. Ao redor de 1740, começaram a
multiplicar-se os novos ritos e os altos graus, mas conservando
cuidadosamente os rituais e o rito dos três primeiros graus, os da
verdadeira franco-maçonaria, chamada igualmente Maçonaria simbólica ou
azul.
Os rituais destes altos graus são por
vezes um desenvolvimento da lenda de Hiram, ou se relacionam com os
rosa-cruzes, o hermetismo, os templários, o gnosticismo, os cátaros…, e
já não têm um autêntico caráter maçônico. Do ponto de vista da iniciação
maçônica, são absolutamente supérfluos. A franco-maçonaria está
completa nos três primeiros graus, reconhecidos por todos os ritos, e
nos quais se baseiam os altos graus e as lojas superiores dos diferentes
ritos. O companheiro franco-maçom, uma vez que tenha chegado a mestre,
acabou simbolicamente sua grande obra. Os altos graus só poderiam ter
uma função verdadeiramente maçônica se contribuíssem para uma
interpretação correta da tradição maçônica e para uma compreensão e
aplicação mais inteligente do rito, ou seja, da arte real.
Isto não significa que se tenha que
abolir os altos graus, já que os irmãos que foram agraciados com eles
são livres, e que quem gosta de reunir-se em ritos e corpos para efetuar
trabalhos que não se opõem às obras maçônicas devem ter a liberdade de
fazê-lo. Não obstante, do ponto de vista estritamente maçônico, sua
pertinência a outros ritos e a outras lojas superiores não os põe acima
dos mestres que querem apenas efetuar o trabalho da Maçonaria universal
dos três primeiros graus. Além disso, é evidente que ritos distintos
como o de Swedenborg, os Escoceses, os da Estrita Observância, de
Memphis…, ao serem diferentes, já não são universais, ou o são apenas na
medida em que se baseiam sobre os três primeiros graus. Esquecer ou
tentar desnaturalizar o caráter universal, livre e tolerante da
franco-maçonaria, para impor aos irmãos das lojas pontos de vista ou
objetivos particulares, seria ir contra o espírito da tradição maçônica e
contra os termos das Constituições da Fraternidade.
É na França onde aparece a primeira
alteração, ao mesmo tempo em que afloram os altos graus. A efervescência
das ideias nessa época, o movimento da Enciclopédia,
repercutem na franco-maçonaria que se difunde ampla e rapidamente. E,
pela primeira vez, o interesse da ordem se dirige para as questões
políticas e sociais e nelas se concentra. Afirmar que a Revolução
Francesa seja obra da franco-maçonaria nos parece pelo menos exagerado.
Por outro lado, é inegável que a franco-maçonaria sofreu na França – e
seria difícil que isso não tivesse ocorrido – a influência do grande
movimento profano que levou à revolução e culminou no império. A
franco-maçonaria francesa tornou-se então e seguiu sendo desde esse
momento, uma Maçonaria comprometida e interessada nas questões políticas
e sociais. Alguns quiseram considerá-la como “tradicional” quando no
máximo representa a tradição maçônica francesa, bem distinta da antiga
tradição. Este desvio e este compromisso é a causa principal, se não a
única, da oposição que seguidamente nasceu entre a Maçonaria
anglo-saxônica e a francesa; na Itália, criou as divergências destes
últimos cinquenta anos, que tiveram como consequência sua desunião e a
debilitação ante os ataques e a perseguição dos jesuítas e os fascistas.
Seja como for, inclusive os irmãos que seguem a tradição maçônica
francesa não esqueceram o princípio de tolerância, e nas lojas maçônicas
italianas, muito antes da perseguição fascista, havia irmãos de todas
as crenças religiosas e de todos os partidos políticos, inclusive
católicos e monárquicos.
Há que se recordar também, que no período
que antecedeu à Revolução Francesa, nem todos os maçons esqueceram a
verdadeira natureza da franco-maçonaria, mesmo quando ficaram
desorientados pela plêiade de ritos diversos e opostos. No Convento dos
Philalèthes reuniram-se maçons de todos os ritos, animados todos eles
pelo mesmo desejo de restabelecer a unidade. Só Cagliostro, que havia
fundado o rito da Maçonaria Egípcia, que unicamente constava de três
graus e era exclusivamente dedicado à obra de edificação espiritual, se
negou a comparecer a este Convento por razões que seriam muito extensas
para explicar.
A influência maçônica francesa ocorreu
também na Itália, depois da Revolução e durante o império. Ainda hoje, a
presença de certos termos técnicos nos “trabalhos” maçônicos, como o
“malhete” do Venerável (traduzido, no italiano, literalmente, por “maglietto”) assim como outros termos (louveton,
tradução fonético-semântica de Lufton, filho de Gabaon, nome genérico
do maçom segundo os primeiros rituais ingleses e franceses) são prova de
isso. A franco-maçonaria francesa e a italiana mantiveram estreitas
relações durante todo o último século, e por vezes uma atitude
revolucionária, republicana, mas também materialista e positivista que
seguia a moda filosófica da época. Não obstante, não se pode dizer que a
franco-maçonaria italiana se converteu numa franco-maçonaria
materialista, pois ainda que tenha sido tolerante diante de todas as
opiniões, nem por isso deixou de venerar, e muito particularmente, um
grande espírito como Giuseppe Mazzini e grandes franco-maçons como
Garibaldi, Bovio, Carducci, Filopanti, Pascoli, Domizio Torrigiani e
Giovanni Amendola, todos idealistas e espiritualistas[12].
Foi a selvageria furiosa e o vandalismo dos incultos fascistas que
devastou os nossos templos, as nossas bibliotecas e quebrou os bustos de
Mazzini e Garibaldi que decoravam as nossas sedes.
Por outro lado, há de se reconhecer que
se a franco-maçonaria inglesa conservou sempre um caráter espiritualista
e nunca lhe ocorreu negar a existência do Grande Arquiteto do Universo,
frequentemente esteve tentada, e ainda está, a conferir um certo tom
cristão ao seu espiritualismo, afastando-se dessa forma do espírito de
imparcialidade absoluta e não confessional das Constituições de
Anderson. Não se pode negar que o fato de obrigar a prestar juramento
sobre o Evangelho de São João não é uma prova de tolerância perante
profanos e irmãos agnósticos ou pagãos, judeus ou livre pensadores, que
não têm uma especial simpatia pelo Evangelho de São João e ignoram tudo
da tradição joanista. A intolerância acentua-se com o mau costume de
impingir a leitura e o comentário dos versículos do Evangelho durante os
trabalhos da Loja. Se este hábito criticável adquirir importância,
terminará por reduzir os trabalhos da Loja a um simples serviço
religioso corriqueiro ou puritano, uma espécie de “rosário” ou de
“vésperas” fastidiosas, inúteis e insuportáveis para a livre consciência
de tantos irmãos que, na Inglaterra e na América, não vão à missa, não
aceitam a infalibilidade do papa, nem tampouco a autoridade da Bíblia. É
necessário criar mal-estar e irritação nas nossas colunas sem uma
contrapartida apreciável? Pode acreditar-se que, por esses meios, se
converterá os outros às próprias crenças e que dessa forma se conterá o
agnosticismo inglês e americano?
Estas considerações exortam a conservar o
caráter universal da franco-maçonaria acima dos credos religiosos e
filosóficos e dos compromissos políticos. Isto não significa que se deva
ignorar a política. Com efeito, devemos nos proteger dela. A
intolerância não pode tirar o espaço da tolerância e a tolerância pode
tolerar tudo exceto a intolerância deliberadamente hostil. Desde o
momento em que apareceram as Constituições de Anderson com o
seu princípio de liberdade e de tolerância, a Igreja católica excomungou
a franco-maçonaria, culpável precisamente de tolerância; e o
encarniçamento contra a franco-maçonaria nunca seria desmentido. Na
Itália, a perseguição à franco-maçonaria durante estes últimos vinte
anos foi iniciada e mantida pelos jesuítas e pelos nacionalistas[13];
enquanto os fascistas, para ganharem a simpatia destes senhores, não
vacilaram em provocar a aversão do mundo civilizado, no que diz respeito
à Itália, com o seu vandalismo contra a franco-maçonaria. Os jesuítas
perderam esta guerra, mas a lepra da intolerância propaga-se sempre,
reveste-se de novas formas e é necessário que nos protejamos dela. Por
outro lado, chegou a hora, se não nos enganamos, de difundir a
franco-maçonaria por toda a Terra e estabelecer uma fraternidade entre
os homens de todas as raças, civilizações e religiões. Para levar a bom
termo esta tarefa é necessário que a franco-maçonaria não assuma uma
fisionomia e um tom pertencente a uma minoria perante a qual as grandes
civilizações orientais, China, Índia, Japão, Malásia, o mundo do Islã,
têm se mostrado refratárias. Isso é possível desde que a
franco-maçonaria não se circunscreva a uma crença qualquer e permaneça
fiel ao seu patrimônio espiritual, que não consiste nem de uma fé
codificada, um credo religioso ou filosófico, um conjunto de postulados
ou de preconceitos ideológicos e moralistas, nem de uma bagagem
doutrinal considerada detentora e portadora da verdade, à qual os não
crentes devam ser convertidos. Há que se pensar que, ainda que a
verdadeira religião e a verdadeira filosofia existam, é uma ilusão crer
que se pode conquistá-las ou comunicá-las mediante uma conversão, uma
confissão ou o recitar de certas fórmulas, porque cada qual entende as
palavras destes credos e fórmulas à sua maneira, de acordo com a sua
civilização e a sua inteligência; e no fundo, não são, como dizia
Hamlet, mais que “words, words, words“[14].
Enquanto não se reflete sobre isto,
tem-se a ilusão de que essas palavras são compreendidas de igual
maneira; tão rápido como se começa a raciocinar, surgem seitas e
heresias, cada uma convencida de que detém a verdade. A sabedoria não
pode ser compreendida racionalmente, nem expressada, nem comunicada. É
uma visão, uma vidya, essencial e necessariamente indeterminada,
incerta. E quando os olhos se abrem à luz com o nascimento na nova vida,
aproximamo-nos dessa visão. A arte maçônica ou arte real é a arte de
trabalhar a pedra bruta para tornar possível a transmutação humana e a
percepção gradual da luz iniciática. O que não significa, naturalmente,
que a franco-maçonaria tenha o monopólio da arte real.
No decurso dos dois últimos séculos a
maior parte dos inimigos da franco-maçonaria recorreram sistemática e
unicamente à injúria e à calúnia, apoiando-se em sentimentos moralistas e
patrióticos. Afirmaram, assim, que os trabalhos maçônicos consistiam de
orgias abomináveis, e com isso se tem manipulado os rituais, se tem
desvelado as cerimônias maçônicas expondo-as ao ridículo, se tem acusado
os maçons de trair a sua pátria pelo caráter internacional da Ordem, se
tem afirmado que a franco-maçonaria é apenas o instrumento dos judeus,
sempre para enganar e levantar os crentes e o público em geral contra a
“Sociedade Secreta”. Os franco-maçons, naturalmente, sabiam muito bem
que se tratava apenas de calúnias. E, como nada conseguia convencê-los,
pensou-se em suprimi-los ou em retirar-lhes a possibilidade de se
reunirem para trabalhar ou de responder e defender-se. Recentemente, um
escritor católico[15] publicou um
estudo histórico sobre “Tradição Secreta”, conduzido com competência e
habilidade. As habituais e costumeiras calúnias, destinadas a
impressionar os profanos, foram habilmente substituídas nele por uma
crítica insidiosa, destinada a impressionar o leitor culto e o espírito
dos nossos irmãos.
Esta crítica afirma que, no fundo, a tradição secreta não contém senão o vazio absoluto (pág. 139) e conclui afirmando que “na Escola Iniciática ou por meio dela a Tradição Secreta não tem ensinado absolutamente nada à humanidade” (pág.155). Não se compreende muito bem então como se pode afirmar igualmente que este vazio absoluto, “esta tradição secreta coincide (pág. 141), ainda que frequentemente de uma forma corrompida, com as doutrinas gnósticas”.
Mas não pretendamos demasiado. A franco-maçonaria é, pois, segundo o
autor, uma esfinge sem segredo, dado que não ensina nenhuma doutrina.
Desse modo o leitor se vê levado a concluir que, ao estar desprovida de
conteúdo, a Maçonaria não tem nenhum valor.
Nas linhas precedentes mostramos que a
franco-maçonaria não ensina nenhuma doutrina e nem deve ensiná-la,
destacando que esta atitude é um de seus méritos. Isso posto, para
chegar a concluir que a Tradição Secreta contém o vazio ao não conter
uma doutrina, deve-se crer que somente uma doutrina pode ocupar o vazio.
Na página 153, o autor afirma ainda: “o sistema iniciático supõe
que o homem possa chegar a compreender, por um esforço da inteligência,
os problemas inexplicados do cosmos e do além”. Na página 152 escreve: “a
Igreja católica opõe às vãs elucubrações dos que se autodenominam
iniciados, a força intangível de seu dogma que deve ser único porque não
podem existir duas verdades” e que o sistema iniciático é
incompatível com o cristianismo. A estas afirmações respondemos que
ignoramos a existência de um sistema iniciático, que não conhecemos
iniciados que façam suposições, e ainda menos que criem ilusões sobre a
possibilidade de resolver por meio de sua inteligência ou de
elucubrações os problemas inexplicados. Mas nos é impossível admitir que
a fé em um dogma possa constituir um conhecimento, pois saber não é
crer. De fato compreendemos que a verdade é necessariamente inefável e
indizível. Deixamos aos profanos a consoladora e ingênua ilusão de crer
que é possível formular de alguma maneira esta verdade e este
conhecimento em credos, fórmulas, doutrinas, sistemas e teorias. Além
disso, até Jesus sabia que suas parábolas eram apenas parábolas. Mas
dizia também a seus discípulos que a eles “lhes era dado entender o mistério do reino dos céus”. Evidentemente só fides sufficit ad firmandum cor sincerum[16], mas non sufficit[17]
para entender os mistérios. O que é igualmente válido para o simples
raciocínio. Com isso não queremos diminuir de nenhuma maneira o valor da
fé e do raciocínio. A fé isoladamente conduz ao desespero filosófico. E
ambos são um pouco como o tabaco e o café: dois venenos que se
compensam, mas certamente não basta fumar cachimbo e degustar um café
para alcançar-se o conhecimento. Ao conhecimento multi vocati sunt[18], mas não todos e, entre estes muitos, pauci electi sunt[19].
Segundo a Igreja Católica, pelo contrário, é suficiente ter fé no
Dogma, e o conhecimento e o paraíso estão ao alcance de todos os bolsos a
preços realmente insuperáveis.
Resumindo: não existe uma doutrina maçônica secreta[20]; mas
existe uma arte secreta, chamada Arte Real ou mais simplesmente Arte. É
a arte da edificação espiritual à qual corresponde a arquitetura
sagrada. Os instrumentos maçônicos têm, pois, um sentido figurado na
obra da transmutação, e ao segredo da Arte Real corresponde o segredo
arquitetônico dos construtores das grandes catedrais medievais. É
natural que os franco-maçons venerem o Grande Arquiteto do Universo,
mesmo que não se defina o que se deve entender por esta fórmula.
Na arquitetura antiga, especialmente na
arquitetura sagrada, as questões de relação e proporção tinham uma
importância capital. A arquitetura clássica estabelecia a proporção das
diferentes partes de um edifício, e em particular dos templos,
baseando-se em um módulo secreto ao qual alude Vitrúvio. Existe
toda uma literatura referente à arquitetura egípcia e sobretudo à
pirâmide de Quéops, que ilustra seu caráter matemático. E, inclusive,
procedendo com a maior circunspeção, é certo, por exemplo, que esta
pirâmide se encontra exatamente a 30o de latitude para formar
com o centro da Terra e o Polo Norte um triângulo equilátero. É certo
que está perfeitamente orientada e que a face voltada para o setentrião é
exatamente perpendicular ao eixo de rotação terrestre, em função da
posição que este tinha na época de sua construção. Quanto aos
construtores da Idade Média, não eram guiados somente por alguns
critérios estéticos. Preocupavam-se com a orientação da igreja, com o
número de naves, etc. A arte dos construtores estava relacionada à
ciência da geometria. O esquadro e o compasso são os dois símbolos de
ofício fundamentais na arte maçônica; e a régua e o compasso os dois
instrumentos fundamentais na geometria elementar. A Bíblia afirma que
Deus fez omnia in numero, pondere et mensura[21]. Os pitagóricos criaram a palavra cosmos
para indicar a beleza do universo no qual reconheciam uma unidade, uma
ordem, uma harmonia, uma proporção. E entre as quatro ciências liberais
do quadrivium pitagórico, a aritmética, a geometria, a música e a
astronomia, a primeira estava na base de todas as demais. Dante
comparava o céu do Sol com a aritmética porque “como da luz do Sol todas as estrelas se iluminam, assim da luz da aritmética se iluminam todas as ciências” e da mesma forma “que o olho não pode olhar ao sol, assim o olho do intelecto não pode olhar o número que é infinito”[22].
Sem entrar na crítica desta passagem, não
deixa de ficar estabelecida a posição que a Aritmética ocupa segundo
Dante. Por outro lado, tanto a Bíblia como a arquitetura aconselhavam
considerar os números. Hoje em dia, ainda que se negue a reconhecer no
cosmos uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma lei, e aceitando apenas
o determinismo limitado pela lei das probabilidades, a física moderna
continua considerando os números e as relações numéricas. De fato, não
ficam senão eles, e tanto Einstein como Bertrand Russell constataram e
reconheceram que a ciência moderna retornava ao pitagorismo.
Assim, pois, não há nada de surpreendente
no fato de que os franco-maçons tenham identificado a arte
arquitetônica com a geometria e tenham dado ao conhecimento dos números
uma importância tal que ela (geometria) justifica sua tradicional
pretensão de serem os únicos a conhecer os “números sagrados”.
Mas ainda temos de fazer algumas
observações. A geometria, em seu aspecto métrico, ou seja, nas medidas,
exige o conhecimento da aritmética. Isso posto, antigamente a acepção da
palavra geometria era menos específica que hoje, e geometria
significava genericamente toda a matemática. Assim a identificação da
Arte Real com a geometria, tradicional na franco-maçonaria, não se
refere à geometria tomada em seu sentido moderno, mas também à
aritmética. Além disso, devemos observar que a relação entre geometria,
Arte Real da arquitetura e edificação espiritual é a mesma que inspira a
máxima platônica: “Que ninguém entre aqui se não é geômetra”. Máxima
cuja atribuição é algo duvidosa, pois apenas é mencionada por um
comentarista bastante tardio. Mas em obras que indiscutivelmente são de
Platão podemos ler:
“…a geometria é um
método para dirigir a alma para o ser eterno, uma escola preparatória
para um espírito científico, capaz de voltar as atividades da alma para
as coisas supra-humanas”, […] “inclusive é impossível chegar a
uma verdadeira fé em Deus caso não se conheça a matemática, a astronomia
e a íntima união desta última com a música.”[23]
Estas concepções e atitudes de Platão
devem ser as da Escola Itálica ou pitagórica, que exerceu sobre ele uma
grande influência, o que permite dizer quando se quer sustentar que a
Maçonaria se inspirou em Platão que, em última análise, se volta sempre à
geometria e à aritmética dos pitagóricos. O vínculo entre a
franco-maçonaria e a ordem pitagórica, sem que se trate de uma derivação
histórica ininterrupta, mas somente de uma filiação espiritual, é
seguro e manifesto. O arcipreste Domenico Angherà no prefácio que
escreveu para a reedição dos Estatutos Gerais da Sociedade dos Franco-maçons do Rito Escocês Antigo e Aceito (1874),
que já haviam sido publicados em Nápoles em 1820, afirma
categoricamente que a ordem Maçônica é idêntica à ordem pitagórica. Mas ,
mesmo sem ir tão longe, a afinidade entre ambas as ordens é certa. A
arte geométrica da franco-maçonaria, em particular, provém direta ou
indiretamente da geometria e da aritmética pitagóricas. E não é
anterior, porque os pitagóricos foram os criadores destas ciências
liberais, segundo o que se pode deduzir historicamente e a partir dos
testemunhos de Proclo.
“Aparte de algumas propriedades geométricas atribuídas, sem dúvida equivocadamente, a Tales, a geometria – diz Paul Tanery –
brotou completa do cérebro de Pitágoras da mesma forma que Minerva
saltou inteiramente armada do cérebro de Júpiter. E os Pitagóricos foram
os primeiros a estudar a aritmética e os números.”
Para estudar as propriedades dos números
sagrados dos franco-maçons e sua função na franco-maçonaria, a via que
se oferece por ela mesma é, pois, a do estudo da antiga aritmética
pitagórica. E o estudá-la tanto do ponto de vista aritmético ordinário
como do ponto de vista da aritmética simbólica ou formal, como a chama
Pico da Mirandola, correspondente à tarefa filosófica e espiritual que
Platão atribui à geometria. Ambos os sentidos se encontram estreitamente
ligados no desenvolvimento da aritmética pitagórica. A compreensão dos
números pitagóricos facilitará a dos números sagrados da Maçonaria.
Autor: Arturo Reghini
Tradução: S.K.Jerez
Fonte: BIBLIOT3CA
Arturo Reghini (1878-1946),
matemático e filólogo, ocupou um alto cargo na Maçonaria italiana
(Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, e membro honorário de
Supremos Conselhos de outros países). Manteve correspondência com René
Guénon, fundou e dirigiu as revistas Atanor – onde este último publicou
em primeira versão o Esoterismo de Dante e o Rei do Mundo – e Ignis (1924-25) e contribuiu com a Ur (1927-28); escreveu numerosos artigos, e foi também chefe de redação daRassegna Massonica. Entre suas obras,
Cagliostro, documents et études; Notes brèves sur le Cosmopolite;
Considérations sur le Rituel de l’Apprenti Franc-Maçon; les Mots sacrés
et de passe des trois premiers grades et le plus grand mystère
maçonique; Aritmosofia; les Nomes Sacrés dans la Tradition Pythagoriciene Maçonique, todos editados hoje por Archè, Milano, e uma obra inédita em sete tomos: Dei Numeri Pitagorici.
NOTAS
[1] – Libertà va cercando ch’è si cara Come sa chi per lei vita rifiuta. (Dante, Purgatorio. I, 71-72.)
[2] – Hutchinson, Spirit of Masonry; Preston, Illustrations of Masonry; G. De Castro, Mondo segreto, IV, 91; A. Reghini, Noterelle iniziatiche, Sull’origine del simbolismo, en Rassegna Massonica, junio-julio 1923.
[3] – The Grand Mystery of Freemasons discovered wherein are the several questions put to them at their Meetings and installation, Londres 1724.
[4] – Virgilio, Bucólicas, Égloga VIII
[5] – Máximo de Tiro, Discours philosophiques, tradução Formey, Leyden, 1764: Discurso XI, pág. 173.
[6] – Cf. Oswald Wirth, Le Livre du Maître, 1923, pág. 7.
[7] – Johannes Daniel Mylius, Basilica Philosophica, Francfort, 1618.
[8] – Cf. Pietro Negri [= A. Reghini], Un codice plumbeo alchemico italiano, en UR, números 9 e 10, 1927
[9] – Cf. A. Reghini, Le parole sacre e di passo ed il massimo mistero massonico, Todi 1922.
[10] – O. Wirth expressa categoricamente esta opinião, cf. Le Livre du Maître, pág. 189.
[11] – Cornelius Agrippa, Cartas. Cf. também a monografía de A. Reghini, prefacio da versão italiana da Filosofía Oculta de Agrippa
[12]
-Giuseppe Mazzini (1805-1872), fundador da “Jovem Itália” (sociedade
secreta que trabalhava para o estabelecimento da república na Itália).
Giuseppe Garibaldi (1807-1882), patriota italiano que luchó para
libertar a Itália do domínio austríaco, dos Bourbons (reino das Duas
Sicílias) e, finalmente, do papado. Giovanni Bovio (1841-1903) filósofo
e político radical de esquerda. Giosue Carducci (1835-1907) poeta.
Quirico Filopanti (1812- 1894) patriota e universitário. Giovanni
Pascoli (1855-1912) poeta. Domizio Torrigiani (1879-1932). Giovanni
Amendola (1882-1926) político, filósofo, fundador do Movimento União
Democrática Nacional.
[13] – Cf. os artigos de Emilio Bodrero em Civiltà cattolica, orgão da Companhia de Jesus, e em Roma Fascista, periódico; cf. também Ignis yRassegna Massonica, ano de 1925.
[14] – palavras, palavras, palavras (N.T.)
[15] – Cf. Raffaele Del Castillo, La tradizione segreta, Milão 1941
[16] – a fé é sincera o suficiente para compreender (N.T.)
[17] – não suficiente (N.T.)
[18] – muitos são chamados (N.T.)
[19] – poucos foram escolhidos (N.T.)
[20] –
O. Wirth já havia dito a mesma coisa em 1941: “Como o método iniciático
se nega a inculcar o que quer que seja, apenas é admissível que se
tenha ensinado uma doutrina positiva no seio dos Mistérios”, no Livre du Maître,
pág. 119. Del Castillo sustenta, ao contrário – e sem nenhuma prova –
que a Maçonaria pretendeu ensinar uma doutrina secreta, e constata que
não se encontra traço desta doutrina positiva. Ao invés de reconhecer
que seu ponto de vista não é defensável, acusa a Maçonaria de ser
redundante e incapaz. O vos qui cum Jesu itis, non ite cum Jesuitis.
[21] – Todas as coisas em número, peso e medida (N.T.)
[22] –
“come del lume del Sole tutte le stelle si alluminano, così del lume
dell’aritmetica tutte le scienze si alluminano […] che l’occhio
dell’intelletto non può mirare […] il numero […] è infinito”. Dante, O Banquete, II, XIII, 15 e 19.
[23] – Gino Loria, Le scienze esatte nell’antica Grecia, 2ª edição, Milão 1914, pág. 110.
Fonte: https://opontodentrocirculo.com/2015/08/27/qual-e-a-arte-da-arte-real/